Os leitores que acompanham esta série vão ser permanentemente informados sobre a história do Esporte Clube Santo André em busca de competitividade num futebol cada vez mais voltado aos negócios. Na edição de dezembro de 1999, a revista LivreMercado, que muitos acreditam ainda que se especializou integralmente apenas em economia do Grande ABC, voltava a acompanhar a movimentou em torno do assunto.
A privatização do Santo André, em formato de terceirização do futebol, só veio muito depois. Em configuração de desastre.
Esta é a centésima-décima-segunda edição da série 30ANOS do melhor jornalismo regional do País, uma conjugação de LivreMercado e de CapitalSocial.
Santo André não
espera a Lei Pelé
DANIEL LIMA - 05/12/1999
O Santo André quer aproveitar a disputa da Série A-2 do Campeonato Paulista do ano que vem, que começa em 23 de janeiro, para lançar junto à comunidade as ações que o tornarão sociedade anônima. O adiamento por um ano da obrigatoriedade da aplicação da Lei Pelé, que determina aos clubes transformação em empresas, não mudou os planos do presidente Jairo Livolis. O dirigente pretende aplicar cronograma de ações no qual prevaleça a ideia base de que março de 2000 é o limite para a mudança, não março do ano 2001. O Esporte Clube Santo André vai cuidar da administração do Poliesportivo do Parque Jaçatuba e o Santo André S/A será responsável pelo futebol, em todas as categorias.
O Santo André reconhece que não há outro caminho a seguir e quer aproveitar a força emocional do próximo campeonato para sensibilizar torcedores e conselheiros mais assíduos a investir na compra de ações. Na verdade, não seria apenas a disputa do acesso à Série A-1 que, no entender de Jairo Livolis, favoreceria o lançamento de ações. Também a campanha de novos associados, cujo tiro de largada aconteceu no final do mês passado, favorecerá novo despertar da comunidade às cores do clube, depois de todo um semestre de ostracismo, desde que encerrou a participação na Série A-2.
Regulamento prejudica
O Santo André só não conseguiu o acesso, embora tenha terminado a fase decisiva ao lado do América de Rio Preto, por causa de critérios nem sempre justos do regulamento da Federação Paulista de Futebol. Ou não é um erro considerar como desempate, como foi o caso de Santo André e América, a soma de pontos em toda a competição, quando as duas equipes não enfrentaram os mesmos adversários igual número de vezes? O América jogou mais vezes contra equipes mais frágeis em relação ao Santo André, como provam os números do campeonato.
Mas essa é outra história. O fato atual é que o Santo André quer voltar à elite do futebol paulista e não pode confiar apenas na racionalidade e na produtividade dos investimentos deste ano, quando um time relativamente barato conseguiu a proeza de disputar o acesso até a última rodada.
O projeto preliminar de Jairo Livolis é triplicar os recursos financeiros para montar uma equipe capaz de fazer frente aos teoricamente favoritos da competição, os milionários São Caetano e Etti Jundiaí. O São Caetano tem apoio financeiro de diversas empresas fornecedoras da Casas Bahia e o Etti é o único braço esportivo direto da Parmalat, já que Palmeiras e Juventude são parceiros.
A campanha para duplicar o quadro associativo de atuais sete mil titulares conta com um garoto-propaganda impensável como reforço dentro de campo -- o lateral Roberto Carlos, do Real Madrid, amigo particular de Jairo Livolis e que se dispôs a participar sem cobrar cachê. Com a campanha de reforço do quadro de associados -- e consequente aumento das receitas ordinárias -- e a volta do futebol em janeiro, projeta-se o aquecimento da venda de ações para a transformação do EC em S/A.
Em junho deste ano LivreMercado publicou com exclusividade a proposta dessa transformação. A expectativa era de que em setembro o Conselho Deliberativo estaria aprovando a mudança, mas houve atraso nos estudos. Não o suficiente para comprometer o projeto.
Como será
O EC Santo André vai colocar no mercado 499 mil ações a R$ 5 cada, correspondentes à participação de 49,9% do capital social do Santo André S/A. O EC Santo André ficará com 50,1%. A diferença de um ponto percentual entre as ações que serão levadas aos investidores e a parcela que corresponderá à participação acionária do clube permitirá maioria numérica do EC entre os membros do Conselho Gestor, como será chamado o órgão diretivo que vai dar rumos ao Santo André S/A.
A partir da aprovação do Conselho Deliberativo, o Santo André será dividido em duas partes. O EC Santo André vai ser reconhecido exclusivamente como instituição esportiva e gozará, portanto, de todos os benefícios da legislação. Manterá o Conselho Deliberativo, o Conselho Fiscal e a Diretoria Executiva. O patrimônio material permanecerá intocável. Já o Santo André S/A vai se submeter à legislação específica de empresa e o comando caberá ao Conselho Gestor, eleito em assembleia de acionistas.
Pelos planos de Jairo Livolis, o Conselho Gestor será formado por seis representantes do EC e cinco do S/A. Teoricamente, o EC teria domínio nas decisões, mas a realidade prática poderá ser diferente, porque há possibilidade de membros do EC indicados para o Conselho Gestor também constarem da relação de investidores. Certo mesmo é que Luiz Antônio Lépori, presidente do Conselho Deliberativo, promoveu recentemente um seminário de várias etapas para debater a mudança e agora o presidente Jairo Livolis acredita que não há empecilhos legais.
Pressa para fazer
O Santo André tem pressa porque sabe que não há mais futuro para clubes nos moldes tradicionais, de diretores voluntários e receitas financeiras escassas ou dependentes de messianismos cada vez mais improváveis. Além disso, cresce a concorrência de musculatura empresarial cada vez mais forte.
O São Caetano é exemplo mais próximo e mais contundente que leva o Santo André a dar um jeito no futuro. A rivalidade com o clube vizinho deixou de ser morna e se aqueceu demais depois do jogo decisivo em que o Santo André tirou o pão do acesso da boca do time de São Caetano. A vitória de 1 a 0 num Estádio Anacleto Campanella completamente lotado poderia ter significado, também, o acesso do Santo André, mas isso não é considerado pelo adversário, que continua lamentando a derrota, colocando-a no mesmo patamar de desgraça do tropeço no mês passado diante do Santa Cruz, pelas quartas-de-final da Série B do Campeonato Brasileiro.
São situações apenas semelhantes. Só são iguais pelo enredo da catástrofe: o São Caetano entrou em campo com ar de vencedor, sofreu um gol e saiu da apatia para o desespero.
A rivalidade entre Santo André e São Caetano exacerbou os limites esportivos, embora o assunto não seja comentado oficialmente entre dirigentes dos dois clubes. Uma suposta tentativa de suborno teria acirrado o ânimo dos jogadores do Santo André às vésperas da decisão em São Caetano. Haveria provas documentais sobre a investida, mas a diretoria do Santo André prefere não mexer na ferida, satisfazendo-se com a vitória do jogo, colocado aos jogadores, aliás, como condição inegociável para evitar que o escândalo fosse a público.
Por isso, entre Santo André e São Caetano o que se deve esperar é uma rivalidade encardida na próxima temporada. Se por um lado isso significa a possibilidade de baixarias disciplinares entre jogadores, dirigentes e torcedores, o contraponto é que esse grau de ebulição aumenta a participação e o empenho em busca da superação do atual padrão de potencialidade técnica com vistas ao acesso. A rivalidade está para o futebol como a concorrência está para o mercado. Basta não ultrapassar os limites do bom senso para que, no final, quem ganhe seja o ainda pouco prestigiado futebol do Grande ABC.
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