Imprensa

Datafolha força a barra, mas
nem assim condena Bolsonaro

DANIEL LIMA - 18/08/2020

Se o leitor tiver paciência (e paciência no mundo digital fastfoodiano não é algo que se encontre com facilidade), entenderá que não há exagero na manchetíssima aí em cima. É constatação pura. E constatação pura não é militância política ou de qualquer espécie. Deixo isso para a Grande Mídia cada vez mais partidarizada e aos militantes digitais que a inspiram.  

A mais recente pesquisa do Datafolha, que alimenta a fornalha da Grande Mídia, caiu do cavalo da intenção de incriminar o presidente da República por conta dos estragos do vírus chinês. Omitir o que está explícito no questionário seria um desserviço ao jornalismo.   

Vou reproduzir o enunciado que os entrevistadores do Datafolha fizeram aos eleitores por telefone. Em seguida, faço breve observação:  

 O presidente Jair Bolsonaro é culpado pelas 100 mil mortes pelo Coronavírus no Brasil?  

Convenhamos que isso não é necessariamente uma pergunta, mas uma acusação. Alguma dúvida? E mesmo assim o resultado foi frustrante para a Grande Mídia. Apenas 11% disseram que Bolsonaro é o principal culpado, 41% disseram que é um dos culpados, mas não o principal, 47% disseram que Bolsonaro não tem culpa nenhuma e dois por cento não souberam responder. 

Entrevistas presenciais 

Mesmo com os obstáculos impostos pela pandemia, que impedem questionamentos presenciais que levam a resultados mais confiáveis (ou menos suscetíveis a desconfianças), o Datafolha poderia ter feito o mesmo questionamento de culpabilidade envolvendo outras esferas de poder, casos de deputados e senadores num balaio, Supremo Tribunal Federal no outro, governadores num terceiro e prefeitos num quarto. Esses são os compartimentos inseridos no contexto de sucessos e fracassos no combate ao Coronavírus.  

Deixar de lado esses protagonistas mais que explícitos no combate à pandemia é criar, nas perguntas subsequentes, um vazio enviesado e incriminatório em prejuízo do presidente da República. Ou alguém tem dúvidas de que, conforme o questionário, a pergunta anterior sufoca a virgindade da pergunta posterior? Ou seja: tudo que o Datafolha perguntou em seguida (e foram várias as indagações) estaria contaminado pelo viés condenatório da pergunta anterior, essa da culpabilidade de Bolsonaro. 

Já esqueceram os leitores que numa pesquisa em Santo André, ano passado, deram 17% de potenciais votos ao obscuro candidato Bruno Daniel? Tudo porque, na questão anterior, simplesmente se perguntou ao entrevistado quem foi o maior prefeito da história de Santo André e Celso Daniel apareceu disparadamente em primeiro?   

Opção por Bolsonaro  

Reconheço que de qualquer modo, quando aplicada por telefone, a metodologia para detectar responsabilidades de atuação frente ao Coronavírus encontra mesmo dificuldades. E abre brechas a imprecisões.  

O problema é que o Datafolha fez opção preferencial única e exclusivamente por Bolsonaro. Congresso Nacional, ministros do STF, governadores e prefeitos ficaram ilesos. Uma distorção dessa não pode ser involuntária, sob pena de os formuladores da pesquisa virarem leigos no assunto. Tudo, menos isso.   

Por essas e outras razões é impossível saber o latifúndio de cada um daqueles agentes no ranking final de culpabilidade. Se Bolsonaro é impactado diretamente por apenas 11% dos entrevistados como principal agente de suporte ao vírus chinês no Brasil, e se não está entre os principais quando se constata que outros 41% são mais culpados, e, completando, que 47% o consideram sem qualquer culpa, o que temos, afinal? Quais são os sujeitos ocultos da pesquisa?  

O que quero saber (e o Instituto Datafolha não me dá a oportunidade de saciar a curiosidade) é qual é o filão de responsabilidade principal (mesmo que múltipla) do Supremo Tribunal Federal, dos governadores, dos deputados e senadores e dos prefeitos.  

Filões de responsabilidade  

O que pergunto também é se eventualmente ou consequentemente a omissão do Datafolha (e da cadeia de comunicação dos veículos que reverberam seus dados) não se dá em função de os números comprometerem demais essa turma da pesada que compõe o que chamaria de institucionalidade oficial do País?  

Será que o STF foi responsabilizado em larga escala pelas mortes provocadas pelo Coronavírus por conta de ter metido a colher onde não deveria, ou seja, eliminar a União da ação central do combate ao vírus, fragmentando a tarefa a Estados e Municípios?  

Ou será que os governadores e prefeitos foram muito mais nocivos, com as trapalhadas já conhecidas?  

E o Congresso Nacional, como teria se dado frente à demanda da sociedade em encontrar responsáveis pelos então 100 mil mortes? 

Mais constrangimento? 

Considerando-se que o Datafolha levou a campo por telefone um questionário embalado pelo Jornal Nacional dos 100 mil mortes e cujo centro editorial se fixou em responsabilizar o presidente da República, tratado como genocida, tenho cá a impressão de que os juízos de valor dos entrevistados seriam ainda mais constrangedores aos formuladores da pesquisa se a tradicional forma presencial de obter a opinião dos entrevistados houvesse sido possível.  

Para que o leitor entenda o que quero dizer, vamos a um exemplo prático. Se o questionário fosse de aplicação presencial, ou seja, tête-à-tête, o ritual operacional da pergunta do Datafolha deveria ser outro. Qual? Uma cartela de formato circular seria entregue a cada entrevistado para que se respondesse à pergunta em questão: “Quem é o principal culpado pelas 100 mil mortes pelo Coronavírus no Brasil?”.  

Respondida a indagação, uma nova pergunta, obedecendo ao mesmo formato, seria igualmente aplicada: “Quem é o menos culpado pelas 100 mil mortes pelo Coronavírus no Brasil?”.  

Leitura multivisual  

A cartela de formato circular e manipulável no sentido técnico de acordo com a interesse do entrevistado, ofereceria um cardápio multivisual com todas as opções mais críveis de combate ao vírus chinês: presidente da República, deputados, senadores, ministros do Supremo Tribunal Federal, governadores e prefeitos. A escolha poderia tanto ser única como múltipla.  

Entre todas as opções de culpabilidade disponíveis, juro que a que mais me atrairia atenção, além da presidencial, claro, seria a reservada aos prefeitos.  

Trazendo a questão para o Grande ABC, não tenho a menor ideia do quanto os moradores locais reservam de aprovação e de reprovação aos titulares dos Paços Municipais diante do resultado do Coronavírus.  

Batemos a cada dia novos números denunciadores do estado de fragilidade do Grande ABC. Estamos na contagem que interessa e que é mais correta (de divisão dos casos letais pelo número de moradores) entre os piores do País e do mundo. Somos um fracasso total.  

Não há uniformidade no placar individual, mas há municípios que tropeçam feio nos dados. São Caetano e Diadema, principalmente. E Santo André, como se sabe, sequestrou muitas mortes ou está inovando na contagem a ponto de virar uma exceção no descarte parcial de letalidade do vírus chinês.  

Ações complexas  

Resta saber se a catástrofe é do entendimento, da percepção e sensibilidade dos moradores. Se for, possivelmente os resultados eleitorais em novembro estariam subordinados em algum grau mais inquietante a um fator extra de avaliação. Será que os prefeitos locais tomaram a iniciativa de medir o quanto o vírus chinês pode atrapalhá-los? 

Fosse a sociedade do Grande ABC alguma coisa que pudesse ser catalogada como crítica, organizada, incômoda e outras coisas mais que levassem os prefeitos a adotarem medidas de transparência no combate ao Coronavírus, possivelmente teríamos sérios contratempos.  

Como, entretanto, a sociedade civil do Grande ABC é uma piada e mais que merece a marca de “sociedade servil”, muitas questões são jogadas para debaixo do tapete do servilismo e fica tudo como está.  

Prestação de contas 

Querem um exemplo de como sem a sustentabilidade de um ecossistema de capital social os mandachuvas não estão nem andando nem caminhando com o que se passa na sociedade?  

Uma prestação de contas de hospitais de campanha que se instalaram na região, notadamente em Santo André e em Mauá, causaria horrores de preocupação. Menos, apenas, que a abertura pública da caixa-preta da Central de Compras da Fundação do ABC.  

Caixa-preta é força de expressão, porque mostramos aqui, ainda outro dia, o quanto de irregularidades aquela divisão autônoma e abusada do Clube da Saúde do Grande ABC é capaz de industrializar. 

Talvez por conta de tudo isso e de muito mais coisas, o nível de culpabilidade que a Grande Mídia tentou impor ao presidente da República tenha sido duramente impactado por dados mitigatórios, quase consagradores a Jair Bolsonaro – se é possível falar em consagração quando o assunto é letalidade viral.  

Prefeitos e governadores podem ter mais culpa no cartório segundo a avaliação da população brasileira do que sugeririam as manchetes e as notícias da Grande Mídia cada vez mais descolada dos anseios da sociedade porque ainda não se deu conta de que perdeu controle da opinião pública cada vez mais concorrencial, compartilhada e digladiada.  



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