Imprensa

30ANOS: programas sociais
fortalecem linha editorial

DANIEL LIMA - 19/08/2020

Como na edição de ontem, vamos repetir a dose hoje. A revista LivreMercado não se concentrava exclusivamente no Desenvolvimento Econômico do Grande ABC e suas variáveis temáticas. Também era um abrangente e respeitado veículo voltado ao ramo social. O espectro liberal-socialista da publicação se impunha a cada edição desde a primeira, em março de 1990. 

O que os leitores vão ler hoje é um case de Administração Pública assinado pela jornalista Tuga Martins. Ela penetrou no âmago do Programa Andrezinho Cidadão assim como, ontem, o jornalista Wilson Moço retirou o que podia do perfil do professor José Rossi. LivreMercado estava adiante do tempo em jornalismo econômico. A visão holística imperava.  

A matéria que se segue é de dezembro de 1999. Estávamos chegando ao fim do século XX. E é a centésima-décima-quarta da série 30ANOS do melhor jornalismo regional do País, uma soma de LivreMercado e de CapitalSocial.   

Criança no

devido lugar 

 TUGA MARTINS - 05/12/1999 

Os números são alarmantes. As cenas, repulsivas. Na violência explícita nas unidades da Febem (Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor), nos semáforos das grandes cidades ou na fome do Nordeste, as notícias sobre crianças e adolescentes que o Brasil patrocina tornaram-se sinônimo de barbárie. O volume de tragédias é tão grande que destacar experiências positivas nesse sentido não é tarefa fácil, principalmente em conjuntura que abriga mais contras do que prós.  

Desemprego, drogas, recursos financeiros limitados, distanciamento da sociedade e outros fatos agravantes não foram suficientes para impedir que a Secretaria da Cidadania e Ação Social da Prefeitura de Santo André criasse método inovador de encarar a exclusão social infanto-juvenil.  

Depois de três anos de atividades, o Programa Andrezinho Cidadão contabiliza a estabilização de 200 das 556 crianças e adolescentes atendidos até julho de 1999. Esse contingente, que constava de estatísticas de quem passava o dia trabalhando, esmolando e dormindo nas ruas, está de volta ao seio familiar e com os estudos retomados.  

O modelo econômico do governo federal contribuiu, e muito, para desacelerar o avanço pretendido pelos idealizadores e para alargar o diagnóstico inicial do programa, que cadastrou 200 menores em situação de rua em 1997. O escrutínio da dura realidade das esquinas de Santo André constatou que 33% ocupavam o dia guardando carros, 22% limpando para-brisas, 4% vendendo balas, 2,7% catando papelão, 1,5% engraxando sapatos e 36,5% esmolando. Os números pós-ações serão revelados em abril de 2000 durante a 1ª Conferência da Cidade, programada para apresentar as propostas ao Projeto Cidade Futuro. 

Uma pequena mostra  

Pequena amostra dos resultados do programa pode ser conferida na redução dos pernoites nas ruas -- em dezembro de 1997 eram 40 e em agosto de 1998 não passavam de 25. "Não temos notícia de qualquer criança dormindo na rua. Já adolescente é outra história" -- afirma a secretária da Cidadania e Ação Social, Mercedes Cywinski. Ela garante que a maioria quase absoluta que ainda perambula pelas ruas de Santo André vem de bairros paulistanos limítrofes. "Percebemos que o trólebus facilita o deslocamento" -- afirma.  

O Movimento Criança e Adolescente Prioridade 1, da Câmara Regional do Grande ABC, mapeou o corredor de trólebus como agente facilitador de movimentação dessa população flutuante. Para quem flagrar crianças dormindo ao relento, a Administração dispõe de linha exclusiva para acionar plantão noturno do Andrezinho Cidadão. O telefone é 4994-5768. 

Mesmo que parciais, os resultados do programa renderam à Administração reconhecimento da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança. Apesar de constar dos 20 municípios do País indicados ao Prêmio Prefeito Criança 1999, Santo André não ficou entre os cinco finalistas, mas garantiu o selo de Administração Amiga da Criança, diploma de reconhecimento para uma cidade que, segundo levantamento de 1996 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), abrigava cerca de 67 mil crianças de zero a seis anos e 90 mil entre sete e 14 anos. A população do Município alcançava 625,5 mil habitantes.  

"Tínhamos e ainda temos problemas sociais, mas tradicionalmente temos história de organização e participação na questão infanto-juvenil" -- afiança Mercedes. Santo André foi uma das primeiras cidades do País na década de 50 a implantar o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente. 

Inclusão social  

O Programa Andrezinho Cidadão é uma das principais ferramentas da administração municipal para dizimar os obstáculos à inclusão social. Além de seguir à risca os preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente, prioriza o papel da família como base para o desenvolvimento sadio e promissor dessa geração.  

No alvo estão meninos e meninas filhos de famílias pobres que buscam na rua os meios de sustento. A atuação é baseada em estrutura matricial: todo o trabalho é centralizado na Secretaria de Cidadania e Ação Social, mas também pontua intensa integração intersecretarias e do governo municipal com instituições da sociedade civil e da iniciativa privada. 

A estratégia de aplicação do Orçamento Participativo -- modelo pelo qual a população ajuda a definir os investimentos das receitas municipais -- é fundamental na execução dos programas.  

Redução de recursos  

Inversamente proporcional ao crescimento da miséria, os recursos municipais e os repasses estaduais e da União sofreram drástica redução. "O desafio é muito grande, porque 90% do custeio das ações vêm de receitas do Município" -- cita a secretária. A dotação orçamentária de 1999 da Secretaria da Cidadania e Ação Social é de R$ 6 milhões, mas vários cortes tiveram de ser feitos porque há possibilidades de a arrecadação não atingir patamares previstos. 

Com orçamento anual de R$ 80 mil, o Programa Andrezinho Cidadão conta com sede e duas Casas de Acolhida com capacidade para atender 25 crianças em cada. Os abrigos oferecem refeições, banhos e cuidados gerais de higiene como troca de roupas, calçados, corte de cabelo e unhas, entre outros. Os acolhidos também participam de oficinas e atividades lúdicas, desportivas, de convivência e sociabilização. "Esses espaços servem como curso intermediário entre a rua, a família e a escola" -- diz Mercedes Cywinsk.  

Cada criança atendida pelo programa custa mensalmente R$ 230 aos cofres públicos. Estrategicamente, os abrigos fortalecem o vínculo com os educadores. A maioria só permanece nos abrigos durante a noite. De dia desenvolvem atividades escolares e as oferecidas por rede de parceiros do programa. Os fins de semana são aproveitados para resgatar alianças com a família. 

Exclusão social  

A erradicação de meninos e meninas em situação de rua não é trabalho simples por causa de traços arraigados de extrema exclusão social. "Trata-se de processo de pobreza cumulativa. É o somatório de moradia precária, falta de saneamento, desistência escolar e renda familiar per capita de até R$ 65 por mês" -- lamenta a secretária municipal.  

Além da pobreza exacerbada, a desvinculação da família geralmente ocorre devido a rejeição, drogas e maus-tratos. Nesses casos, a rua torna-se mais confortável e o companheiro de farol mais confiável. Como consequência, o trabalho dos educadores do Programa Andrezinho Cidadão acaba dobrado, pois é preciso mais que paciência e solidariedade para reatar laços perdidos. 

O primeiro contato dos meninos e meninas com o programa se dá na rua mesmo. Equipe de 12 educadores sociais percorre a cidade e começa a estabelecer vínculos e a construir relações de confiança. Aos poucos os educadores realizam diagnóstico social em conjunto com os conselheiros tutelares. Depois de abordagem inicial, crianças e adolescentes são encaminhados à rede de serviços públicos e de parceiros. A equipe conta ainda com técnicos que acompanham a inserção escolar, promovem reuniões com os pais e orientam a retomada dos vínculos familiares. As crianças são encaminhadas à família, advertida sobre o perigo das ruas. 

Parcerias importantes  

Passada a fase de adaptação, o programa oferece opções de atividades em ONGs (Organizações Não-Governamentais), entidades e empresas parceiras. São oficinas variadas que orientam à formação profissional. As experiências na Oficina de Reciclagem da Craisa (Companhia Regional de Abastecimento Integrado de Santo André) apresentam resultados surpreendentes. "Já temos adolescentes formados em reciclagem e prontos para monitorar novos grupos de crianças" -- comemora Mercedes. Os monitores são remunerados. No primeiro ano de atividades, 320 crianças e adolescentes passaram pelas oficinas. 

Durante a Oficina de Carnaval de 1997, um adolescente carioca chamou a atenção dos educadores pela habilidade em costurar fantasias para o bloco Andrezinho Cidadão. Ele arrastava a mudez sobre o próprio passado, mas expunha o know-how da mãe ao tratar plumas e paetês. Aos poucos o menino acabou aceitando a proposta de retornar à família no Rio de Janeiro e o programa providenciou a reintegração ao lar.  

Todas as crianças do Andrezinho Cidadão passam por avaliação médica na rede pública. Além disso, médicos e agentes de saúde participam de mutirões e dão retaguarda à rede parceira. Os atendimentos incluem tratamento específico para usuários de entorpecentes, inclusive terapia psicológica. "O consumo de drogas atinge principalmente os adolescentes. São raros os casos, mas não inexistentes, de crianças com sete e oito anos viciadas em crack" -- afirma a secretária da Cidadania e Ação Social.  

Os adolescentes usuários de drogas que frequentam escola são de alguma forma monitorados pelo programa. O envolvimento com traficantes é um dos agentes que os afastam de casa. É o domínio do medo. Temem estender o mal para a família. Parceria da Administração com o Ministério Público responde por menores envolvidos em infrações leves. Para estes casos são monitorados programas de liberdade assistida e da prestação de serviço à comunidade. Infratores graves são encaminhados às unidades da Febem. 

Rede solidária 

As parcerias do Programa Andrezinho Cidadão envolvem Organizações Não-Governamentais, entidades e empresas. Da rede de colaboradores consta o Projeto Jeda (Juventude Esperança do Amanhã), que há 15 anos trabalha na prevenção da exclusão e na reintegração. O Jeda oferece oficinas de informática, coral, corte e costura, cabeleireiro, violão, origami (dobradura de papel), desenho, leitura e escrita, teatro, brinquedoteca, vídeo e fotografia. Atende a 250 crianças e adolescentes de sete a 17 anos. A quase totalidade das receitas é de doações da comunidade e o Instituto General Motors completa o orçamento com o Projeto Semear. 

O Clube Atlético Pirelli é colaborador solidário desde o início do programa ao manter portas abertas para aulas de judô, voleibol, futebol e digitação. A Estapar, concessionária que gerencia parquímetros de Santo André, doa recursos para o Fundo Municipal da Criança e do Adolescente. No dia-a-dia, o programa conta com a De Nadai Alimentação, sempre pronta a responder à demanda de refeições para passeios, encontros e atividades de férias. 

Outro modelo de interação do Poder Público com a livre iniciativa está prestes a concretizar o sonho da construção do Centro de Referência do Andrezinho Cidadão. A obra será custeada pela Itororó Habitações, que assumiu o compromisso em contrapartida à modificação da Lei municipal de Uso e Ocupação do Solo. 

Troca social  

A mudança permite à construtora erguer um flat-service na área nobre da Avenida Portugal. Em troca, o Centro de Referência será edificado em terreno público de dois mil metros quadrados na Vila Assunção, com 600 metros quadrados de área construída. Vai abrigar cozinha semi-industrial, teatro de arena, sala de vídeo, consultório para atendimentos e orientações individuais, além de dependências administrativas. Também haverá três oficinas destinadas ao desenvolvimento da criatividade, à ocupação do tempo em que as crianças estão longe da escola e de capacitação profissional. Jornal com notícias do Programa Andrezinho Cidadão, aulas de capoeira, música, artes plásticas e esportes estão programados para rechear o novo espaço. Na recepção está prevista loja para comercializar a produção das oficinas. 

Fundação Projeto Travessia, Fundação Abrinq para os Direitos da Criança, Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), Câmara Regional, Consórcio Intermunicipal, Instituto C&A, Sindicato dos Contabilistas, Sindicato dos Metalúrgicos, Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André), Comunidade Kolping, Lar Menino Jesus e Pastoral do Menor ajudam a alargar a lista de organizações apoiadoras do programa. "A responsabilidade social das empresas começa a aparecer com mais força na região" -- comemora Mercedes. No Estado de São Paulo apenas um terço das 645 cidades estão habilitadas a receber recursos destinados aos fundos municipais da Criança e do Adolescente e contemplados com deduções do Imposto de Renda. 

Inclusão social 

A performance do Programa Andrezinho Cidadão conta com alicerces providenciais do Programa Integrado de Inclusão Social. Trata-se de modelo de gestão descentralizado e participativo coordenado pelo Núcleo de Participação Popular, subordinado ao gabinete do prefeito Celso Daniel. O programa inclui nove projetos e ações da administração municipal: Renda Mínima, Urbanização Diferenciada, Saúde da Família, Banco do Povo, Incubadora de Cooperativas, Ensino Profissionalizante, Alfabetização de Jovens e Adultos, Santo André Recicla e Criança Cidadã. O Programa Integrado é financiado pela Prefeitura e por convênios com os governos estadual e federal, além de agências de cooperação internacional como ONU (Organização das Nações Unidas) e Comunidade Econômica Europeia. 

O conjunto de ações é destinado a 8,5 mil famílias em condições de vida abaixo da linha de pobreza. Entre as atividades integradas estão a urbanização de favelas, geração de emprego e renda e desenvolvimento social. As famílias beneficiadas são avaliadas a cada seis meses e muitas conseguem atingir a autossuficiência. "Os programas são independentes, mas trabalham de maneira integrada. Esse envolvimento de ações políticas setoriais é inédito em administração pública. É a forma que Santo André optou para enfrentar a exclusão social e a pobreza nas múltiplas formas que se apresentam" -- expõe a secretária. 



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