Qual dos municípios do Grande ABC está sofrendo mais os efeitos do vírus chinês no mercado de trabalho? Qual dos municípios do Grande ABC contabiliza mais abates no mercado de trabalho formal, de carteira assinada? A pergunta aí em cima -- da manchetíssima de hoje -- tem tudo a ver com isso.
Mais uma vez vou utilizar a metodologia mais recomendável para responder a todas as questões. Se deixar por conta da mídia simplória e dos administradores públicos espertos, a desinformação será a pauta de sempre. Há estreitamento intelectual generalizado nos meios de comunicação. Em muitos casos, acrescenta-se a isso vassalagem ou perseguição implacável. Tudo depende dos interesses em jogo.
A velha mídia profissional e a nova mídia digital têm mais semelhanças do que parece quando se trata de proteger os amiguinhos da vez.
E isso vale para tudo nesta altura do campeonato. Sobretudo quando aparece logo adiante uma batida da Policia Federal a desvendar o que muita gente pretendia manter escondido por todo o tempo.
Teste aos leitores
Vamos fazer um teste com os leitores para responder às questões que brotam naturalmente do mercado de trabalho. Os leitores mais assíduos e os mais longevos provavelmente vão matar a charada da manchetíssima. Duvido, entretanto, que os novatos e os circunstanciais, porque a audiência digital é rotativa em parte do leitorado, duvido que esses leitores deixem de raciocinar com base em referenciais inadequados.
Primeira pergunta – Quem acusa maior número de demissões nos sete primeiros meses deste ano, sob forte influência do vírus chinês? Santo André que contabiliza 11.245 baixas ou Diadema que registra 5.249?
Segunda pergunta – Quem registra menor número de demissões com carteira assinada no mesmo período, Ribeirão Pires com 664 ou São Caetano com 3.844?
Terceira pergunta – Quem sofreu até agora maior impacto de demissões com carteira assinada desde janeiro, o Grande ABC com baixa de 33.607 ou o Brasil com rebaixamento de 1.092.578 carteiras assinadas?
Em todos esses casos e em tantos outros que poderia formular, quem tem mais tem menos e quem tem menos tem mais. Ou seja: os números enganam.
Contabilidade correta
Enganam tanto que o corriqueiro na mídia é adotar o que é falsamente maior como verdade. Há um bando de preguiçosos e mal-preparados para lidar com informação. Chega a ser dilacerante para quem é diferente.
O processo de aferição numérica no mercado de trabalho é tão deformado como, por exemplo, na pandemia do vírus chinês. Não levem a sério quem espetaculariza números absolutos. Considerem sensatos apenas quem traduz o total de mortes após confrontá-las com as respectivas populações.
Coisas diferentes não podem ser calculadas sem considerar as diferenças, homogeneizando-as. Números absolutos não dizem tudo ou mesmo não dizem quase nada.
A contabilidade criminal em qualquer endereço nacional e internacional leva em conta equação de dividir os casos letais pelo contingente de habitantes. O PIB por habitante obedece a mesma lógica. Tudo que é sério e apartidário não cai na armadilha da quantidade, mas da relativização da quantidade.
Realidade ponderada
Voltemos ao mercado de trabalho desta temporada do vírus chinês.
Primeiro -- Diadema contabiliza 5.249 demissões líquidas nos sete primeiros meses. Uma baixa de 6,31% no estoque de dezembro do ano passado. Lidera o ranking de letalidade do emprego no Grande ABC.
Segundo -- Em números absolutos, São Bernardo é vice-líder na perda de empregos nos sete municípios da região. Entretanto, ao se relativizar os números, sempre considerando o estoque de dezembro do ano passado, São Bernardo registra perda de 3,98%. Abaixo de Diadema e de Mauá (4,83% com perda de 2.937 postos de trabalho formais).
Terceiro – A liderança máxima da região em termos de perda de carteiras assinadas é de Santo André, com 11.245 postos de trabalho. Mas erra quem acredita que Santo André está em primeiro lugar no ranking regional, porque, ao se confrontar com o estoque de dezembro do ano passado, a queda líquida é de 5,75%; portanto abaixo da registrada por Diadema.
Quarto – Quantitativamente é claro que o Brasil como um todo perdeu mais empregos formais do que o Grande ABC. Foram 1.092.578 no País e 33.607 na região. Agora entram em campo os números relativos: o Brasil perdeu estoque de 2,82% no período, quando comparado a dezembro do ano passado, enquanto apenas um Município do Grande ABC, a inexpressiva (economicamente) Rio Grande da Serra acusou índice melhor, com positivo 0,15%. No fundo, Rio Grande da Serra nem deve ser considerado para efeitos estatísticos, dada a microdimensão do mercado de trabalho. O saldo positivo de quatro postos de trabalho nesta temporada diz tudo. Rio Grande não representa 0,20% dos trabalhadores com carteira assinada na região.
Complicações tecnológicas
Estou tendo algumas dificuldades para apurar os dados do Ministério do Trabalho por conta de mudanças no site e na metodologia de exposição. Para quem não sabe mas deve saber eu sou eterno aprendiz em matéria de tecnologia. Não contasse com retaguarda local e de alguns amigos mais chegados, estaria perdido.
Faço essa ressalva porque ainda não consegui identificar a variação do estoque mês-a-mês e também anual conforme a individualidade das atividades econômicas. O balanço geral que o Ministério do Trabalho considera a variação geral do estoque, sem detalhamento por atividade. Pelo menos é o que identifiquei. Se alguém me socorrer vou ficar muito agradecido.
O que posso dizer por ora é que dos 33.607 empregos destruídos nesta temporada no Grande ABC, 13.845 se referem ao setor de serviços. Ou seja: 41,20% do total. Já o setor industrial perdeu 9.033 trabalhadores, ou 26,87% do total de desligados. Os dois setores, em conjunto, viram desaparecer 22.878 trabalhadores, ou 68,07% do total.
Serviços versus indústria
Estou insatisfeito com esses dados porque não contemplam relativização. É óbvio que os serviços perderão mais postos de trabalho, mas isso não significa necessariamente que tenham sido o setor mais impactado pelo Coronavírus.
O contingente de assalariados de serviços na região e no Brasil em geral é muito superior à de qualquer outra atividade. Com a experiência de algumas décadas em fuçar dados do mercado de trabalho, asseguro sem medo de errar que a indústria foi muito mais abalada até agora. E continuará a ser.
E não acreditem os leitores em correlação forte, no sentido de imbricamento, entre emprego industrial e emprego de serviços no Grande ABC.
Em larga escala as atividades de serviços da região não têm relação intestina com o setor industrial. A perda é sistêmica no mercado de trabalho quando se juntam as duas atividades porque a indústria é geradora de riqueza, enquanto os serviços sofrem os efeitos da depauperação produtiva. Nossos serviços são de baixo valor agregado para abastecer as atividades industriais.
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