A ideia de que o Grande ABC poderia virar um território voltado à organização da exportação de produtos que teriam o Porto de Santos como destino não passou de imaginação e entusiasmo do então presidente da Codesp. Nesta matéria assinada pelo jornalista Rafael Guelta, na edição de janeiro de 2000 da revista LivreMercado, Wagner Rossi praticamente puxava as orelhas de políticos do Grande ABC, chamando-os à tarefa.
Esta é a centésima-vigésima-primeira edição da série 30ANOS do melhor jornalismo regional do País – os 19 anos da revista de papel LivreMercado e os também 19 anos de CapitalSocial digital.
Grande ABC não
quer virar mar
RAFAEL GUELTA - 05/01/2000
Está difícil entender prefeitos e secretários de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC, que tanto discurso fazem sobre a necessidade de combater a evasão industrial, atrair novos investimentos e gerar empregos. Até agora simplesmente ignoraram projeto liderado pela Codesp (Companhia Docas do Estado de São Paulo) para construção de um retroporto na região, no entroncamento do sistema Anchieta/Imigrantes com o futuro Rodoanel. A obra pretende organizar o transporte de cargas do Planalto para o Porto de Santos, que movimenta diariamente três mil caminhões, e reduzirá drasticamente os congestionamentos nas estradas que dão acesso ao Litoral.
"Apesar de o projeto ser importante para o Grande ABC, pois representa investimento e melhora da qualidade de vida, ninguém da região nos procurou para oferecer ajuda ou pedir informações" -- lamenta o presidente da Codesp, Wagner Rossi, que também preside o CAP (Conselho de Autoridade Portuária), espécie de Anatel do Porto de Santos.
Anunciado com exclusividade por LivreMercado em outubro passado, o retroporto é fundamental para a transformação do Porto de Santos em concentrador de cargas do Mercosul. Como é acirrada a concorrência entre os terminais marítimos do País, há pressa em tocar o projeto. A ideia da Codesp é captar recursos da iniciativa privada para construção de um centro logístico, totalmente informatizado, que permita operação just-in-time no carregamento e descarregamento dos navios no Porto de Santos.
Barateamento de custos
Caminhões com um mesmo tipo de mercadoria serão autorizados a descer a Serra do Mar no instante em que o navio estiver atracando no cais. Além de reduzir a necessidade de estocagem de produtos no porto, a operação torna mais barata a tarifa do transporte, calculada pelo tempo de permanência do navio no atracadouro.
Wagner Rossi não entende por que autoridades do Grande ABC não procuraram a Codesp para se integrar ao retroporto. Acredita que seja pelo fato de execução e administração do projeto serem destinados à iniciativa privada. Mas deveria haver, sim, uma aproximação. Rossi reconhece que prefeitos e secretários da região prestariam auxílio fundamental se indicassem áreas ideais à construção, tarefa que por enquanto está delegada à Secretaria dos Transportes do Estado. "Localizar um terreno com condições ideais tem sido nossa maior dificuldade. O retroporto tem de ficar em local plano e estratégico, de fácil acesso ao sistema Anchieta/Imigrantes e Rodoanel. Prefeituras do Grande ABC certamente saberiam nos indicar área que preencha todos os requisitos para um grande centro logístico de transportes" -- imagina o presidente da Codesp.
Ainda mais incompreensível é a falta de ação de autoridades políticas da região quando se sabe que o retroporto será importante centro de comércio. Disciplinar o tráfego diário de milhares de caminhões de carga implica em desenvolver atividades paralelas que significam geração de empregos e engorda dos cofres públicos pela arrecadação de impostos.
O projeto do retroporto prevê centros de estocagem e abastecimento de combustível em parceria com distribuidoras de petróleo, áreas de alimentação e lazer, hotéis populares para alojar motoristas e ajudantes, escritórios aduaneiros e de apoio à importação e exportação, atendimento médico, garagens, farmácia, supermercado, loja de autopeças, oficinas mecânicas e serviços de borracheiro, entre outras atividades essenciais à operação.
Campinas se mexe
Enquanto prefeitos e secretários do Grande ABC hibernam, grupos empresariais de armazenagem, distribuição e logística investem em Campinas com apoio da Secretaria Municipal de Cooperação Internacional. Não falta motivação na cidade que abriga o Aeroporto de Viracopos, maior polo movimentador de cargas aéreas do País. Empresa que opera terminal no Porto de Santos, a Libra acaba de vencer licitação da Receita Federal para construir estação aduaneira em Campinas -- nos moldes do Porto Santo André (Santo André) e da Agesbec (São Bernardo) -- e agora corre atrás de parceiro internacional que injete dinheiro no empreendimento.
O grupo alemão Deicmar está construindo 70 mil metros quadrados de armazéns na cidade mais populosa do Interior de São Paulo para estocar mercadorias que têm o Porto de Santos como um dos destinos.
O tema retroporto faz parte de conversas de empresários da Grande Campinas que operam com transporte de carga. A ideia é dotar a região de centro logístico que interligue Aeroporto de Viracopos, hidrovia Tietê-Paraná, ferrovias e Porto de Santos. Manuel Carlos Cardoso, secretário de Cooperação Internacional de Campinas, diz que não existe nada de oficial nesse sentido. Mas informa que já funciona na margem da Rodovia Anhanguera condomínio com 15 transportadoras que diariamente levam 25 contêineres de produtos da Grande Campinas para o Porto de Santos. "Trata-se de um grupo de empresas que opera transporte intermodal" -- acentua o secretário.
Um local ideal
Wagner Rossi vê com bons olhos o interesse de empresários do Interior pelo retroporto, mas diz que só existe um local que viabiliza estrategicamente o projeto da Codesp: o Grande ABC. "Não há como desistir da instalação do retroporto no entroncamento da Anchieta/Imigrantes com o Rodoanel. É questão fundamental para a sobrevivência do Porto de Santos" -- assinala o presidente da Codesp.
Rossi diz que equipes técnicas da companhia visitaram recentemente retroportos da Europa e preparam-se para fazer o mesmo nos Estados Unidos. "Estamos coletando números econômicos e sociais que comprovam a importância do empreendimento como gerador de riquezas e organizador das atividades de transporte" -- enfatiza. Sem o terminal no Grande ABC, será impossível ao Porto de Santos tornar-se concentrador de cargas do Mercosul e movimentar anualmente mais de 70 milhões de toneladas, 30 milhões a mais do que no ano passado.
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