Imprensa

Bassi promete ao Diário futuro
que virou passado há 16 anos

DANIEL LIMA - 16/09/2020

A direção do Diário do Grande ABC anunciou hoje com destaque de primeira página e também na página interna um futuro que já completou 16 anos de passado. Tomara que a nova etapa tenha desfecho que corrija a cronologia, embora as circunstâncias e os contextos sejam irrecuperáveis. Quase duas décadas de atraso não é atraso, é desperdício.  

O novo Diário do Grande ABC do futuro que virou passado foi iniciativa deste jornalista, então Diretor de Redação do jornal. Quem vai operar transformação editorial e de produto corporativo na medida do possível da empresa Diário do Grande ABC é o ex-reitor da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), Marcos Bassi.  

Talvez o acadêmico tenha mais sorte, embora de jornalismo entenda quase nada. É um administrador de empresas e figurinha carimbada no ambiente político-partidário. Tanto que até outro dia estava cotado para formar a chapa de reeleição do prefeito José Auricchio Júnior, em São Caetano. E segue sendo cotado, agora como eventual candidato à sucessão caso Auricchio fique inelegível.  

Insumos apropriados  

Esses condimentos profissionais são mais apropriados aos negócios do jornalismo, que não podem ser dissociados de insumos jornalísticos. Espera-se que uma coisa tenha limites próprios em relação à outra.  

Um mestre em Administração de Empresas, como Bassi, tem tudo para chegar a um ponto de equilíbrio. Até porque ponto de equilíbrio é uma medida flexível. Depende de cada um estabelecer flexibilidades conceituais. Nesse ponto sou um estúpido. Não acho que informação e análises devam ganhar a companhia de condicionantes.  

Não há quem mais que este jornalista queira jornalismo mais contemporâneo e responsável a multiplicar o palco de responsabilidade social que a atividade representa. Se houvesse na imprensa da região preocupação cavalar a práticas de informação e análise que desconsiderem sobretudo os mandachuvas e mandachuvinhas, tudo seria diferente. 

 O Grande ABC não seria essa maria-mole econômica que se desconfigura a cada nova temporada e sempre retoma o formato original malemolente.  

O que interessa agora, de imediato, justamente num dia em que tenho atribulações externas que me tiram boas horas de dedicação à escrita e à leitura, que recuperarei madrugada adentro, é explicar a manchetíssima de hoje deste CapitalSocial, em conexão com o noticiário do Diário do Grande ABC.  

Incursões facilitadas  

Marcos Bassi, em linhas gerais e resumidamente, está copiando parte do Plano Estratégico Editorial que preparei e apliquei parcialmente no Diário do Grande ABC há 15 anos. Não dei sequência porque a direção do jornal, então dividida acionariamente, preferiu mergulhar nas águas do imediatismo. 

Sabia que, se resistisse às intempéries do mundo da informação, o Diário do Grande ABC algum dia se socorreria daqueles pressupostos. Não deu outra. A diferença é que quem abraça pelo menos parte do projeto de 90 mil caracteres é um profissional não-jornalista. E muito tempo depois, de novos tempos, portanto. Do futuro que chegou. O fato de não ser jornalista não interdita a ação de Marcos Bassi. Pode até facilitar determinadas incursões. A alma de jornalista é intransferível a qualquer outra atividade. Adaptações soarão sempre como improvisações.  

Newsletter reveladora  

Ainda recentemente (e o professor Bassi parece que consumiu o material com avidez, porque copiou parte) reproduzi mais de meia centena de textos publicados internamente, em forma de newsletter, durante aquele período de nove meses em que estive Diretor de Redação. Contei a cada semana, durante nove meses, o que se passava na redação do Diário do Grande ABC. Uma preciosidade que ajuda a entender o passado e o presente do jornal.  

A série já teria se transformado em livro não houvesse restrições orçamentárias. Não sou vendedor do que escrevo e não há institucionalidade na região que separe jornalismo independente de jornalismo engajado a grupos políticos e econômicos.  

Vender a alma para publicar um novo livro não consta de meu léxico profissional. Há 10 livros potenciais na fila, que se juntariam aos quatro, cinco, já publicados.  

Definitivamente, vamos ao que mais interessa e que foi revelado hoje nas páginas do Diário do Grande ABC. Voltarei ao assunto nos próximos dias, se necessário, porque a regionalidade está em primeiro lugar e a notícia de que o Diário do Grande ABC vai ensaiar novo voo regional, do qual perdeu o prumo e o rumo há muito tempo, sempre é uma boa notícia. Ou uma esperança.  

Conselho Consultivo  

O novo superintendente do Diário do Grande ABC anunciou hoje que pretende criar Conselho Consultivo da publicação. Na verdade, Marcos Bassi não vai criar um novo Conselho Consultivo. Quinze anos atrás criei o Conselho Editorial do Diário do Grande ABC, que é quase a mesma coisa. Embora tenha apenas divulgado a iniciativa, creio que o que Marcos Bassi pretende mesmo tem forte relação com o que expus no Plano Estratégico Editorial. Qualquer derivação substantiva seria imensa frustração. Prefiro ser copiado como jornalista do que ser enganado como assinante do jornal.   

Na sequência, vou reproduzir a matéria publicada no Diário do Grande ABC. Em seguida, reproduzo parte do Plano Estratégico Editorial que preparei em 2004 para aplicação imediata à frente do jornal -- e que trata exatamente do Conselho Editorial. Que não ficou no papel, é bom que se adiante. 

A reportagem do Diário 

O Conselho Editorial que formulei para o Diário do Grande ABC (já criara algo análogo e o mantinha na revista LivreMercado desde 1994) foi selecionado, tomou posse num Teatro Municipal de Santo André lotadíssimo e atuou para valer até maio de 2005. Desapareceu do mapa na sequência de minha demissão. Vamos, primeiro, ao texto de hoje do Diário sob o título “Conselho Consultivo vai discutir o futuro”:  

Uma das primeiras medidas de Marcos Bassi como diretor superintendente do Diário é instituir um conselho consultivo, com integrantes do jornal e da sociedade civil do Grande ABC, com objetivo de discutir o papel da empresa na região. “Esse modelo foi adotado na USCS (Universidade Municipal de São Caetano) e avalio que será bem aplicado no Diário. É trazer a sociedade para dentro do jornal, com sugestões, com seu olhar sobre o caminho que o Diário precisa tomar. É agregar mais gente para que o Grande ABC, hoje subrepresentado, possa ter cada vez mais força”, considerou Bassi.

A falta de representatividade do Grande ABC nas mais variadas esferas de poder é assunto recorrente nas páginas do Diário, defensor da união de esforços para ampliação de espaços de figuras locais em cargos destacados no Estado e no Brasil. Apesar de ser o quarto maior PIB (Produto Interno Bruto) do País, com geração de riqueza na ordem de R$ 118,6 bilhões em 2019, e 2,8 milhões de habitantes, a região conta com apenas seis de 94 deputados estaduais e dois dos 70 parlamentares federais paulistas. Não possui nenhum integrante no primeiro escalão na gestão do governador João Doria (PSDB) nem ministro no governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A criação do conselho consultivo permeou algumas reuniões de Bassi com o empresário Ronan Maria Pinto, que de pronto concordou com a sugestão, avaliando ser necessário amplificar a voz, dentro do Diário, de figuras que conheçam e queiram o bem do Grande ABC. “Às vezes as mudanças trazem incertezas. Mas eu não tenho dúvida que essa mudança, para o Diário, é uma certeza. O Diário só vai crescer.”

Bassi argumentou que adotará trabalho descentralizado, com cogestão, em que todos os pensamentos sejam convertidos para a expansão do Diário. “Queremos adotar aqui um modelo de governança colaborativa, algo que falta nos organismos regionais que temos atualmente. É preciso trabalhar no sentido de unir esforços, de buscar os investimentos de forma conjunta, não disputá-los no tapa, porque, desse modo, todos perdemos.”

Antes de aceitar o convite para ser diretor superintendente do Diário, Bassi estava à frente da equipe que confecciona o plano de governo do prefeito de São Caetano, José Auricchio Júnior (PSDB), candidato à reeleição. O trabalho junto ao tucano está praticamente finalizado, faltando detalhes, como revisão e apontamentos do prefeito, sobre o documento. Passada essa etapa, Bassi se desvincula da campanha para atuar exclusivamente no jornal.  

Capítulo do Plano Estratégico  

Agora vou reproduzir o capítulo referente ao Conselho Editorial, que consta do Planejamento Estratégico Editorial (sob o título “Cinco Anos para Diário se adaptar aos conceitos de regionalidade”) e aplicado durante nove meses à frente do Diário do Grande ABC, entre julho de 2004 a abril de 2005:

 Iremos substituir o Conselho do Leitor pelo Conselho Editorial. Não se trata de simples troca de nomenclatura. A mudança é muito mais substantiva, porque invade o terreno do conceito, da especificidade. O Conselho do Leitor é instância estranha no departamento-vitrine da empresa — o editorial — porque atinge diretamente quem está envolvido com o público e, consequentemente, com o produto final.  

A composição e as funções atribuídas aos conselheiros-leitores são uma anomalia porque agridem e impactam a corporação no que provavelmente deve oferecer como principal predicado: a autoestima acompanhada de senso de respeito.  

O Conselho do Leitor golpeia a autoestima porque os profissionais acabam avaliados publicamente por leigos no assunto. Por mais que eventualmente haja colaboradores do Conselho de Leitores que possam contribuir para a melhoria do jornal, a exposição de enunciados críticos da forma que se caracterizou — em espaço fixo nas edições de domingo — torna tão ansioso quanto receoso o quadro de colaboradores. As repercussões de intranquilidade e insegurança se refletem no produto final. Chuta-se ladeira abaixo uma bola-de-neve de impropriedades que abalam a unidade da equipe. 

Nada mais comprometedor para uma equipe do que se sentir permanentemente ameaçada por avaliações públicas formuladas por não-especialistas. A formalização do Conselho do Leitor nos termos atuais é, portanto, equívoco que será eliminado em sintonia com o encerramento do mandato dos atuais conselheiros. Entretanto, isto não quer dizer que a redação estará imune a avaliações internas e externas. Pelo contrário: estabeleceremos medidas cautelares que permitirão medições permanentes do conjunto da redação e também por editoria sem que a medida tenha qualquer conotação de desconfiança e de desautorização, quando não de subversão dos preceitos profissionais. 

Não podemos desconsiderar nessa decisão — aliás, é o ponto nevrálgico da questão — que o conteúdo editorial do Diário do Grande ABC, face as atribulações conhecidas de todos, encontra-se em momento decididamente complicado e, portanto, extremamente delicado. Não é de bom alvitre a adoção de qualquer instância avaliativa — principalmente por leigos — que exponha publicamente ou mesmo internamente os pecados da publicação. Estimula-se a insegurança individual e coletiva, caminho mais curto para a instabilidade emocional e técnica de profissionais que exigem dose diária de estímulo, combinada com senso crítico emanado de quem conhece o ritual da atividade. Ou seja: o Conselho do Leitor seria uma peça de carpintaria editorial aproveitável com adaptações que não convém ressaltar agora, mas num contexto diferenciado do atual. Não existe estrutura técnico-emocional para suportar o strip-tease a que são submetidos os jornalistas por leitores que, por mais boa-vontade e interesse que tenham, nem sempre conseguem retirar as peças com um mínimo de competência. O produto que vai às ruas precisa ser entendido de forma muito mais integrada do que simplesmente numa censura pública ao deslize ortográfico. 

Já a introdução do Conselho Editorial significará grande salto de qualidade do jornal rumo à comunidade. Diferentemente do Conselho do Leitor, que vive à caça de descuidos léxicos e analisa superficialmente os assuntos sobre os quais o jornal se dedica a levantar, o Conselho Editorial será integrado por profissionais residentes e atuantes na região. Serão especialistas em diversas áreas. Caberá a esses membros, juntamente com alguns jornalistas da equipe de redação, a tarefa de construir coletivamente um novo perfil de produção do jornal, absolutamente sintonizado com o macroplanejamento editorial. 

Caberá ao Conselho Editorial não a procura de escorregões da língua pátria, obrigação técnica de quem está na redação, mas a introdução de conhecimentos específicos na linha editorial do jornal. Os membros do Conselho Editorial que fazem parte da comunidade trarão experiências vividas para o interior do jornal, sempre em encontro coordenado pelo diretor editorial e pelos editores-chefes do Diário do Grande ABC e de LivreMercado. Especialistas em educação, marketing, urbanismo, transporte, segurança, meio ambiente, legislação, economia, entre tantas outras áreas, vão integrar-se à redação como cérebros complementares. Serão espécies de consultores a quem poderemos reservar, também, espaços editoriais como colunistas fixos ou eventuais. 

Formularemos um código específico de atuação dos membros do Conselho Editorial. Estabeleceremos algumas condições que darão ao organismo caráter de compromisso exclusivo, evidentemente sem remuneração, mas nem por isso excluído de eventuais programas de compartilhamento de marketing que trataremos de definir na sequência de nossos trabalhos. 

Haveremos de tornar o Conselho Editorial tão respeitado que suas repercussões em muito colaborarão para o fortalecimento editorial do jornal e o aperfeiçoamento da linha editorial da revista. Os integrantes do Conselho Editorial serão convidados pelo diretor de redação porque cada peça requisitada fará parte de uma engrenagem de complementaridade temática que não se esgotará nos conhecimentos individuais específicos. Avançará inexoravelmente em direção aos macropressupostos de reorganização da companhia na área editorial. 



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