O professor Marcos Bassi, novo executivo-chefe do Diário do Grande ABC (supostamente em substituição ao dono das ações, o empresário Ronan Maria Pinto) exagerou na dose ao afirmar o que afirmou ao jornal, na edição de ontem, quando foi apresentado oficialmente aos leitores. Ele disse que o Diário do Grande ABC é a alma da região.
Talvez tenha sido no passado, no passado do qual participei juntamente com centenas de profissionais, um passado no qual não havia a revolução dos últimos tempos dos meios de comunicação. Hoje o Diário do Grande ABC é mais uma peça do tabuleiro de informações da região, infestada de endereços sobretudo digitais. Assim como os principais jornais do País e da própria Rede Globo, tudo está diferente nestes tempos diferentes.
Poderia deixar passar essa bola e tantas outras bolas muitas vezes divididas em que me meto ao tentar transmitir aos leitores o andar da carruagem da mídia regional. Mas me convenci de que, após longo inverno, acho que de vez em quando terei de abordar questões do Diário do Grande ABC, especificamente a atuação de Marcos Bassi.
Marcos Bassi não é do ramo, foi contratado para disseminar o produto nas plataformas virtuais, o que seria sua especialidade e, como tal, deve ser observado.
Conversa privada
O Diário do Grande ABC e outros veículos de comunicação não são empreendimentos privados, apenas. São em maior ou menor grau instrumentos de interesse público. E, como tal, precisam passar por escrutínios pressupostamente isentos.
Os meus 17 de 55 anos de jornalismo foram no Diário do Grande ABC. Acho que isso responde a qualquer indagação se é pertinente ou não minha preocupação. Além disso, sou leitor que paga pela assinatura do produto físico.
Ninguém melhor que o empresário Ronan Maria Pinto e o diretor de redação do Diário do Grande, Evaldo Novelini, para saber que minha preocupação com o jornal e com a região que supostamente afloraria mais uma vez como endereços convexos não tem outro sentido senão jornalístico.
Ronan Maria Pinto sabe bem o que me sugeriu num encontro recente na sede do jornal e, em seguida, o diretor de Redação ouviu a repetição de minha resposta para que não ficasse dúvida alguma.
Não se tratou o encontro de nada que fugisse ao ambiente republicano envolvendo dois jornalistas e um empresário de comunicação. Não tenho autorização ética tanto de um quanto de outro para escrever aqui o que disse enfaticamente naquele encontro informal.
Duas vezes no século
Aquela resposta, sabem os dois, é a linha divisória que me impus para sair do casulo da virtualidade em que me meti faz muito tempo e do qual não pretendo mesmo arredar pé. Já não tenho paciência para repetir o passado, por mais que me orgulhe do passado. Somente uma situação muito especial, que tanto um quanto outro sabem do que se trata, me faria sair um pouco do roteiro profissional que escolhi deliberadamente.
Posto isso, espero que entre os leitores não reste dúvida de que as incursões analíticas que farei sobre o comando do Diário do Grande ABC pelo professor Marcos Bassi não sejam levadas à derivação interpretativa malévola. Bassi está sim na minha alça de mira, não porque seja isso ou aquilo, já que nem o conheço, mas simplesmente porque está na cova dos leões que é a atividade jornalística.
Já passei pelo Diário do Grande ABC duas vezes sob a gestão de Ronan Maria Pinto (a primeira ainda dividida com a família Dotto) e não diria que dessa água não beberei mais, claro, mas há muito tempo não consta de minha projeção de vida passar mais uma vez pela centrífuga do jornalismo diário.
Dificuldades para entender
Faço jornalismo diário, claro, mas sem as obrigações burocráticas que me escravizaram durante décadas. Nenhum jornal diário ou de qualquer periodicidade menos exaustiva me faz a cabeça. Não teria mais a motivação mobilizadora ao incremento de insumos que os leitores exigem.
Preliminarmente, apenas para situar os leitores num horizonte de expectativas, diria que não acredito na possibilidade de o novo executivo do Diário do Grande ABC fazer do produto que vai às ruas hoje, e que também está nas plataformas digitais, algo muito diferente do que se apresenta.
Primeiro porque Marcos Bassi não é jornalista. Não tem a menor ideia do que seja jornalismo. Como vai lidar com esse produto final, todos os condimentos técnicos de que usufrui no campo digital exigirão doses cavalares de aprendizado complementar.
Não vou ser cavernoso, mas poderia acrescentar que o perfil do novo executivo do Diário do Grande ABC insere-se nos limites que o desafiarão a se superar em relação ao que apresentou até agora mesmo no campo acadêmico.
Quantidade versus qualidade
Reitor durante muitos anos da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), Marcos Bassi sugere uma bifurcação interessante: deve mesmo ser um gênio expansionista, porque aquela instituição deu um salto quantitativo, mas, por outro lado, não teria apetrechos para unir esse crescimento com qualidade educacional, porque a USCS é uma das piores universidades no Ranking da Folha de S. Paulo, o mais respeitado da praça. Está entre as rabeirinhas, para ser claro.
Como se não bastasse tudo isso (e é tudo isso mesmo!) a USCS cometeu um dos maiores tropeços operacionais, por assim dizer, da história de São Caetano, particularmente de São Caetano. Qual? Com tantos supostos especialistas na área acadêmica, gente com currículos de causar inveja a colecionadores de títulos, simplesmente não viu a banda da segunda onda da desindustrialização do Município passar. No caso, neste século, como detectei e tenho esmiuçado ao longo dos últimos anos.
Derrocada desprezada
São Caetano é o pior endereço regional e um dos piores da Região Metropolitana de São Paulo em Desenvolvimento Econômico. Instituição estreitamente ligada à Prefeitura e, portanto, aos contribuintes locais, a USCS participou de uma das maiores barbaridades em forma de omissão, quando não de dissimulação, no campo econômico.
Não sei se o professor Marcos Bassi vai gostar, mas vou ficar ligado no que pretende ou anuncia fazer à frente do Diário do Grande ABC. Como ele afirma que o Diário do Grande ABC é a alma da região, não custa nada contar com a colaboração crítica deste jornalista.
A partir de agora Marcos Bassi está correndo contra o relógio. E correr contra o relógio significa que deverá não só acelerar o ritmo do Diário do Grande ABC no campo digital como também promover intensas mudanças estruturais que resultem num produto melhor.
Um produto que, por estar durante vários anos aquém de minhas exigências de regionalista inveterado, decidi poupar nestas páginas. Agora, entretanto, voltarei à carga quando entender necessário. Um jornal de 62 anos de circulação é patrimônio cultural da região e, como tal, precisa e deve ser escrutinado.
O professor Marcos Bassi vai saber a diferença entre dirigir uma instituição educacional e um produto que, conforme ele disse, representa a alma regional. Que não perca o sono.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)