Contrariando todos os manuais de corporativismo a qualquer custo, descrevi na edição de abril de 2000 o que se passava com o radiojornalismo no Grande ABC no campo esportivo. Houve chiadeira de quem defendia o silêncio condescendente. Grande bobagem proferida por gente sem compromisso com a regionalidade, um dos mantras da revista de papel LivreMercado, antecessora da digital CapitalSocial.
Esta é a centésima-trigésima-oitava edição da série 30ANOS do melhor jornalismo regional do País. Na Economia, na bola de futebol, na cultura e em tantas outras áreas. Comprove:
Rádio ABC deixa
região na reserva
DANIEL LIMA - 05/04/2000
O futebol do Grande ABC não é importante para a Rádio ABC. Tanto que o Santo André e o São Caetano socorrem-se de prefixos da Capital para seus jogos na Segunda Divisão. No clássico regional do final de março no Estádio Bruno Daniel, quando a maior técnica do São Caetano e a garra uruguaia do Santo André não saíram do 0 a 0, a ABC só transmitiu a partida porque o Santos jogou no dia anterior em Limeira. A Rádio Tupi, contratada por uma equipe ligada ao prefeito Luiz Tortorello, vai acompanhar preferencialmente o São Caetano. Até o final do mês o Santo André corria atrás de alternativa semelhante com outra emissora de São Paulo.
Só em situações em que o time santista jogar em dia ou horário diferente o futebol da região sairá do banco de reservas na emissora dirigida por Ivo Rocha, empresário que fez dinheiro no mercado paralelo de telefones, nicho que se esgotou com a privatização do setor de telecomunicações.
Embora procurado por LivreMercado, que lhe enviou e-mail com série de perguntas, Ivo Rocha preferiu o silêncio. É um homem de comunicação que detesta comunicar-se. Principalmente se o assunto não o agrada. Ele teria confidenciado a interlocutores que se rendeu ao Ibope. Os jogos do Santos atrairiam mais ouvintes do que os das equipes locais. Os patrocinadores das transmissões, pelo menos até o final do mês, eram todos do Grande ABC e próximos ao Santo André.
Abandono insistente
Especula-se que Ivo Rocha tenha interesses políticos ao optar pelo Santos, cujo presidente Marcelo Teixeira seria candidato a deputado estadual ou federal e contaria na região com o suporte logístico das transmissões dos jogos.
A Rádio ABC é a última emissora da região a abandonar o futebol local. As demais foram adquiridas por organizações religiosas ou transferidas para São Paulo, caso da antiga Rádio Clube, hoje Trianon, e da Cacique de São Caetano.
A regulamentação federal não exige grade de programação local como antigamente. Embora o serviço de radiodifusão seja concessão pública, tudo fica ao sabor de interesses específicos. Cidadania é uma expressão sem sentido prático numa área estratégica ao fortalecimento cultural de uma comunidade.
Parceria antiga
O Santo André sempre contou com as transmissões da Rádio ABC. Nos anos 70 e 80, a disputa pela audiência regional envolvia a ABC e a então Rádio Diário. Quando em 1979 o Santo André disputou a última rodada da fase final da então Segunda Divisão no Pacaembu, contra a Esportiva de Guaratinguetá, o apoio da torcida sensibilizada pelas duas emissoras e pela ampla cobertura do Diário do Grande ABC estabeleceu recorde de público não-paulistano na Capital. Foram 20 mil pagantes.
O Santo André venceu por 1 a 0, mas dependia do resultado do jogo entre Taubaté e São José no mesmo horário no vizinho Parque Antárctica. O chamado clássico do Vale do Paraíba não reuniu nem metade dos espectadores do Pacaembu, mas a torcida do Taubaté acabou fazendo a festa depois da vitória de 1 a 0.
A equipe da região só subiu para a Primeira Divisão em 1981, quando novamente o entusiasmo destilado pelas duas equipes das rádios ABC e Diário e a ampla cobertura do Diário do Grande ABC foram decisivos na massificação da torcida.
Festa aos campeões
O Santo André disputou cinco jogos, acompanhado cumulativamente por grande parte do público de quase 100 mil pessoas que foram ao estádio do Palmeiras. O título foi comemorado até de madrugada. As ruas centrais receberam quantidade semelhante de torcedores só na conquista da Copa do Mundo de 1970 e no título do Corinthians, em 1977, depois de 23 anos de espera.
A importância do Santo André para os moradores atingia grau excepcional no início dos anos 80. A mídia eletrônica e impressa local priorizava coberturas de treinamento e de jogos e seus profissionais tinham relação direta com a região. A maioria morava aqui e se empolgava com os resultados conquistados, mas se diferenciava do bairrismo exagerado comum dos profissionais de emissoras e jornais do Interior. Tanto que a postura de independência da maioria dos profissionais irritava dirigentes que apontavam a crônica interiorana como digna de mimetismo.
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