Na edição de maio de 2000 da revista LivreMercado foi exposta de forma sucinta a pretendida Santo André do ano 2020, que, como todos os vivos do planeta, virou realidade. Sob o comando do prefeito Celso Daniel e num encontro no então templo de classe média da cidade, o Tênis Clube, foi anunciado o projeto que dava as diretrizes da Santo André que surgiria em duas décadas.
Esta é a centésima-quadragésima-quarta edição da série 30ANOS do melhor jornalismo regional do País, da revista de papel LivreMercado e da revista digital CapitalSocial.
Santo André já
sabe o que quer
DANIEL LIMA - 05/05/2000
Se a Santo André de 2020 for algo minimamente semelhante ao que a Conferência da Cidade aprovou no final do mês passado, em encontro que envolveu o prefeito Celso Daniel, toda a cúpula administrativa do Município e mais de 400 participantes, o Grande ABC sediará um oásis econômico e social de fazer inveja ao restante do País. A iniciativa da Prefeitura de Santo André demandou quase um ano de estudos e contou predominantemente com representantes de movimentos populares. Só alguns empreendedores privados participaram da votação final.
O resultado de propostas do chamado Cenário Para um futuro Desejado é autoexplicativo: sonha-se com uma Santo André bem diferente da atual, atingida em cheio pela desindustrialização que lhe retirou dois terços da arrecadação do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) nos últimos 25 anos. O tributo é a principal fonte de receitas da Prefeitura.
O documento aprovado durante encontro no Tênis Clube de Santo André está dividido em duas partes contrastantes. A análise do passado e do presente não caiu no lugar-comum de grandiloquências municipalistas comuns aos administradores públicos. Já as projeções para os próximos 20 anos são eloquentemente generosas, dignas de um conto de fadas e absolutamente desafiadoras.
Quem viver verá?
Quem viver pelo menos mais duas décadas e tiver o cuidado de avaliar as eventuais conquistas ficará feliz se os resultados se aproximarem minimamente dos pressupostos. Talvez o maior mérito do documento seja mesmo a utopia de traçar um horizonte de felicidade geral e, com isso, parametrizar ações ambiciosas.
O evento no Tênis Clube pelo menos simbolizou que o separatismo de classe social tão enraizado numa sociedade de migrantes e imigrantes já não é uma fortaleza inexpugnável. Provavelmente, pela primeira vez na história, esse templo da classe média-alta de Santo André recebeu público tão escancaradamente simples. A maioria formada por anônimos representantes de movimentos populares, integrantes do Programa de Orçamento Participativo da Prefeitura, dominou os debates que deram formato final ao documento. Foram poucos os rostos conhecidos que se fizeram presentes. Não bastasse o cunho fortemente popular dos participantes, as maiores patentes sociais e econômicas de Santo André preferiram curtir o feriado prolongado de Primeiro de Maio.
Pastas contendo cópias do chamado Cenário Para um Futuro Desejado foram entregues a todos os delegados, como se identificaram os representantes da comunidade que aderiram ao chamamento participativo da Prefeitura.
Numa prova de que o prefeito Celso Daniel e equipe não têm tão pronunciado o vezo ideológico comum dos administradores de esquerda, Desenvolvimento Econômico encabeça a lista de projeções de eixos-base do programa. A ordem, provavelmente, seria outra se Santo André não estivesse no corner de desenvolvimento sustentado, praticamente sem alternativa ao limitar sua força econômica a poucas grandes indústrias e a um setor terciário em que grandes e pequenos negócios se engalfinham e, portanto, muito aquém do salto tecnológico de outras regiões do País.
Também constam dos eixos-base propostas relativas a Desenvolvimento Urbano, Qualidade Ambiental, Inclusão Social, Educação, Identidade Cultural e Reforma do Estado.
O documento final é uma carta de intenções em que prevalece o bom senso no sentido de que se pretende construir uma Santo André mais equilibrada socialmente. Mas deixou escapar alguns trechos nitidamente ideológicos. Como este, de Desenvolvimento Econômico: "Elaborar em conjunto com a sociedade, e criar condições políticas, para aplicar instrumentos que possibilitem a democratização do acesso à terra urbana, que garantam um caráter redistributivo do solo, dotando o Poder Público de instrumentos impeditivos do uso de terrenos com fins especulativos".
Outro trecho nitidamente preocupante: "Criar instrumentos que possibilitem a apropriação, pelo Município, dos benefícios financeiros auferidos por particulares decorrentes da execução de obras públicas". Tanto um quanto outros trechos são imprecisos e dão margem a interpretações que remetem os leitores ao MSTU -- Movimento Sem Terra Urbano.
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