Economia

São Caetano come poeira
de Barueri em três décadas

DANIEL LIMA - 15/10/2020

Quando Luiz Tortorello, em meados dos anos 1990, estava à frente da Prefeitura de São Caetano, o sonho dourado era fazer do setor de serviços a salvação da lavoura econômica em substituição à crescente derrocada industrial. Barueri, na Grande São Paulo, era o paradigma. Tortorello abriu as porteiras locais da guerra fiscal. Seria, supostamente, uma réplica da cidade à Oeste da metrópole.  

Vinte e cinco anos depois, Barueri impôs vantagem estratosférica a São Caetano. Qualquer prefeito que dirija São Caetano sem atentar para a diferença entre os dois municípios tende ao fracasso. Como todos que passaram por São Caetano desde então. Inclusive Luiz Tortorello.  

Barueri é muito mais que um setor de serviços qualquer como especulam gestores públicos desinformados. Tampouco é apenas um ancoradouro de famílias ricas que vivem em luxuosos condomínios fechados da grife Alphaville. Barueri conta também com uma economia dinâmica e um Poder Público Municipal atento à competitividade, sempre que a comparação envolver municípios do Grande ABC.  

Peças de reposição  

Por isso, qualquer comparação com São Caetano é covardia, embora importantíssima. São Caetano ainda não acordou do pesadelo da desindustrialização sem reposição de peças em outras áreas, sobretudo de serviços produtivos. Barueri resiste no setor industrial e está muito mais aparelhada em agregado de valor de serviços em diferentes atividades.  

Em agosto do ano passado mostrei coletânea de assimetrias a separar São Caetano e Barueri como provas provadas de que o Município do Grande ABC (como os demais, aliás) perdeu o trem da competitividade econômica.  

O embate entre São Caetano e Barueri é pedagógico exatamente porque foi estabelecido há 25 anos por um prefeito que deflagrou a guerra fiscal na área de serviços para aumentar a arrecadação.  

Somatório de desilusões  

Tortorello e os prefeitos que o sucederam (José Auricchio Júnior e Paulo Pinheiro) mantiveram-se no piloto automático mimetizador e pouco analítico. Deu no que está dando. Este século é um somatório de desilusões econômicas para São Caetano, pretendida e frustrada cópia de Barueri.  

Há inapetência generalizada de São Caetano em lidar com os efeitos corrosivos de novos referenciais de Desenvolvimento Econômico. Os acadêmicos locais, sobremodo da USCS (Universidade Municipal de São Caetano) ainda não entenderam o que se passa. Entra ano, sai ano, e nada acontece que possa vincular para valer a universidade e os agentes econômicos. Mas não faltam tentativas de ludibriar a boa-fé. Pratica-se à luz das informações o que poderia ser rotulado de crimes de lesa-município.  

Voltando a 2019, mostrei que no confronto entre os dois municípios tendo como base o ITBI (que mede a temperatura dos negócios imobiliários) e o IPTU (que mede a gulodice do Poder Público na arrecadação do imposto imobiliário), Barueri registra receitas com o IPTU bem menores em relação ao ITBI – eram 36,76%.  

Ou seja: a dinâmica econômica estava na dianteira. Em São Caetano, deu-se o contrário: o imposto sobre propriedade imobiliária superava em 14,66% a temperatura dos negócios imobiliários.  

Socialismo arrecadatório  

Quando uma prefeitura arrecada mais sobre propriedade imobiliária do que sobre negócios imobiliários, alguma ou muita coisa está fora do lugar. A calibragem é excessivamente pública.  

Outro imposto de responsabilidade municipal, o ISS (Imposto Sobre Serviços), apresentava vantagem de Barueri frente a São Caetano, também no confronto com o IPTU. A arrecadação do imposto imobiliário significava apenas 3,18% do auferido pela Prefeitura de Barueri com o ISS, enquanto em São Caetano chegava a 85,56% do IPTU.  

A tradução dessas duas equações que envolvem o IPTU é cristalinamente intocável: a população de São Caetano é penalizada com a carga tributária municipal.  O Estado, em forma de Município, é um aparato socialista, em contraste com a capitalista Barueri.  

Mais competitividade  

A superioridade sistêmica em competitividade de Barueri sobre São Caetano também se manifesta no confronto entre o PIB Industrial e o total de trabalhadores em forma de produtividade. Os dados são de 2017 e pouco se alteraram no ano passado, ainda não revelados pelo Ministério do Trabalho. A média de produção por trabalhador em Barueri era de R$ 159,67 mil, contra R$ 146,739 de São Caetano.  

O PIB Industrial de Barueri registrava R$ 4.212.889 bilhões, com o envolvimento de 26.384 trabalhadores com carteira assinada. São Caetano apontava PIB Industrial de R$ 2.950,110 bilhões e 20.106 trabalhadores formais. Ou seja: a premissa de que Barueri é uma cidade que pratica guerra fiscal em serviços e não conta com setor produtivo na área de transformação industrial não passa de estereotipo.  O PIB Industrial de Barueri era, em 2017, mais de 70% superior ao de São Caetano. 

Confrontos arrasadores  

Quem conseguir encontrar algum indicador econômico de competividade que coloque São Caetano à frente de Barueri deve comemorar como um gol em final de Copa do Mundo. Trata-se de tarefa quase impossível.  

Um bom medidor disponível na praça de informações sobre o distanciamento que Barueri impôs a São Caetano ao longo dos anos é o repasse do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) pelo governo do Estado.  

O ICMS é um imposto que transpira, também, efetividade de políticas públicas em prol do empreendedorismo privado. O empobrecimento de São Caetano no período, no invólucro compacto do Grande ABC, é contraponto escandaloso ao enriquecimento de Barueri.  

Tanto que em 1995, um ano após o lançamento do Plano Real, a arrecadação nominal de São Caetano com o ICMS registrava R$ 55.421.518 milhões de um total de R$ 465.606.418 milhões do Grande ABC. Já Barueri contava com repasse de R$ 61.139.906 milhões. A diferença favorável a Barueri era de 9,35%.  

Na ponta da tabela de comparação, em 2019, também em valores nominais, São Caetano registrou repasse de R$ 294.582.461 milhões ante R$ 609.434.485 milhões. A diferença favorável a Barueri se alargou e chegou a 51,66%. Traduzindo: enquanto a velocidade média anual de crescimento nominal de São Caetano no período de 24 anos registrou 3,08%, Barueri alcançou 37,36%. Mais de 10 vezes superior.  

Médias salariais  

A média salarial dos trabalhadores formais dos dois municípios também expressa a vantagem de Barueri, conforme dados do Ministério do Trabalho de 2018, os mais atualizados. Os então 105.702 trabalhadores de São Caetano recebiam em média salários de R$ 3.178,81, enquanto os 251.637 de Barueri ganhavam R$ 4.139,48. Uma diferença de 23,20%. No setor de serviços, carro-chefe dos dois endereços municipais (54,51% da força de trabalho em São Caetano e 61,42% em Barueri) a vantagem também é do adversário: R$ 4.081,43 ante R$ 3.239.46%. O fosso de 20,63% expõe a qualidade da mão de obra aplicada.  

Não à toa São Caetano é o Município do Grande ABC que mais perdeu competitividade econômica neste século. A dependência de um setor de serviços de baixo valor de riqueza, o enxugamento contínuo de produção da General Motors, que impacta diretamente a cadeia de fornecedores locais, e o encalacramento logístico, exposto entre outros pontos pela deterioração contínua da Avenida dos Estados, colocam São Caetano a nocaute. Somente um plano arrojado, formulado por especialistas, poderá dar uma reviravolta na trajetória de esfacelamento que parece não ter fim.  

Como no caso de Santo André, com quem divide o título de cidade mais empobrecida nos últimos 30 anos, São Caetano exige cuidados especiais porque é um paciente que há muito tempo merece tratamento intensivo. A cidade que mais anota a morte de habitantes por Coronavírus quando a métrica se ajusta à população, está cada vez mais debilitada nas atividades econômicas.



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