Na edição de julho de 2000 da revista LivreMercado, voltamos a tocar numa temática de importância essencial ao Desenvolvimento Econômico do Grande ABC: a existência ou não de cluster, sistema mais conhecido na sequência dos anos por Arranjo Produtivo Local.
Esta é a centésima-quinquagésima-sexta edição da série 30ANOS do melhor jornalismo regional do País – uma combinação de LivreMercado de papel e CapitalSocial digital.
Cluster? Professor
reformata conceito
DANIEL LIMA - 05/07/2000
Cluster de móveis. Cluster de medicina. Cluster de químicos/petroquímicos. Cluster automotivo. Nada, absolutamente nada disso faz parte do histórico econômico do Grande ABC. Em estudo preparado para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Emprego de Santo André, como consultor contratado pela Prefeitura, o professor Antonio Joaquim Andrietta expõe longo tratado sobre cluster para chegar à mesma conclusão de LivreMercado anunciada de forma mais pragmática há vários meses, ao contestar o próprio expositor -- a região jamais teve algo sequer semelhante a cluster, um dos muitos erros estratégicos que caracterizaram a ocupação industrial a partir dos anos 50.
Andrietta é um dos mais dedicados estudiosos do tema. Seu grande equívoco foi tentar transplantar para a realidade prática do Grande ABC a idealização do sistema, numa operação mais de torcida do que de análise, porque pretendeu adaptar uma situação de graves divisionismos a pressupostos fundamentalmente cooperativistas.
O acadêmico e consultor de empresas recorre ao economista Michael Porter, da Universidade de Harvard e um dos maiores especialistas no assunto em todo o mundo, para consolidar os preceitos de cluster. "Porter define um cluster como aglomerado ou agrupamento, geograficamente concentrado, de empresas inter-relacionadas e instituições de apoio e correlatas, numa determinada área de atividades, e vinculadas por elementos comuns e complementares" -- escreve Andrietta. "O cluster inclui empresas de produtos ou serviços finais, fornecedores de insumos especializados, componentes, equipamentos e serviços. Também pode incluir distribuidores e clientes, fabricantes de produtos complementares, fornecedores de infraestrutura especializada, instituições governamentais e outras dedicadas ao treinamento, educação, informação, pesquisa e suporte técnico. Finalmente, cluster inclui associações empresariais e outras entidades associativas do setor privado que apoiam seus participantes" -- expõe o professor em seu tratado, cuja cópia foi enviada a LivreMercado.
A tentativa de massificar os postulados de cooperação dos clusters entre os tomadores de decisão é colocada de forma pioneira no Grande ABC. Por isso, o trabalho de Joaquim Andrietta tem o mérito de, agora sem o ranço da idealização ufanista, introjetar na administração pública a potencialidade de articular ações de reestruturação produtiva numa região que tem sofrido persistentes perdas econômicas.
Experiências internacionais não faltam para balizar as mudanças. Andrietta, sempre citando Michael Porter, recorre à obra The Competitive Advantage of Nations, na qual se relacionam cerca de uma centena de clusters vitoriosos em 10 países, oito dos quais desenvolvidos (Dinamarca, Coréia, Alemanha, Itália, Suíça, Reino Unido, Estados Unidos e Japão) e dois emergentes (Coréia e Cingapura). "Entretanto, em anos mais recentes, muitos países e regiões ao redor do mundo estão promovendo o desenvolvimento de clusters como resposta à economia globalizada. Resultados excelentes têm sido obtidos em grande número, como na Escócia, Marrocos, Irlanda, Peru, El Salvador, Malásia, Nova Zelândia, África do Sul e vários Estados norte-americanos" -- cita.
Um trecho do estudo de Andrietta, com base na conceituação de Michael Porter, consolida a posição de LivreMercado sobre a omissão histórica da região em não adotar o sistema: "Enquanto a análise setorial (de cadeias produtivas) envolve fornecedores, canais de distribuição e clientes, a análise dos clusters amplia consideravelmente o escopo para incluir cadeias ou setores relacionados em todos os níveis, assim como uma vasta gama de instituições" -- afirma.
A atividade automotiva do Grande ABC, que ainda sustenta a economia regional, jamais conheceu na prática os princípios do sistema de cluster apregoados por Michael Porter e seu discípulo Joaquim Andrietta. O que se estabeleceu, além de ações individuais com objetivos estritamente corporativos, foram o acirramento da concorrência entre fornecedores e o completo enclausuramento estratégico.
Químicos e petroquímicos, cada vez mais dependentes da cadeia automotiva, ainda praticam a mesma política de genocídio empresarial, enquanto os moveleiros só mais recentemente começaram a arquitetar ações conjuntas institucionais. Já o cluster de serviços médicos no Bairro Jardim, em Santo André, inicialmente alardeado por Andrietta, infringe a regra básica do conceito -- a competição, em vez de cooperação.
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