Economia

O que é melhor: Rodoanel
reestruturado ou metrô?

DANIEL LIMA - 23/10/2020

Esta não é uma pergunta fácil de ser respondida pela maioria dos leitores. É possível até que a maioria dos leitores não entenda o questionamento. Natural. Embora faces da mesma moeda de interesses indeléveis do Grande ABC, Rodoanel e metrô são peças distintas na carpintaria do futuro desejado. O primeiro já nos colocou numa grande enrascada econômica. O segundo também o seria.  

Rodoanel e metrô ou monotrilho tão confusamente divulgado, são metades da mesma laranja de complicações quando se trata do futuro que vai chegar. No caso, o Rodoanel já é uma resposta no presente. O futuro pode tornar o metrô irmão siamês do desastre econômico visto de forma mais abrangente.  

A resposta mais adequada à pergunta da manchetíssima comporta dois caminhos distintos, portanto. Um dos quais, metade consumado.  

O primeiro, sob o ponto de vista econômico geral, de produção de riqueza, de distribuição de renda assalariada, de mobilização interna dos agentes que catapultam o Desenvolvimento Econômico, é um caminho desastroso.  

O segundo, sob o ponto de vista econômico específico, de individualidades consumidoras de produtos e serviços, e de mobilidade urbana, é um caminho com mais saldo positivo do que negativo. 

Impacto pronunciado  

No conjunto da obra, considerando-se os dois fatores, logísticos e econômicos, e de qualidade de vida, o Rodoanel e o metrô que se pretende impactariam fortemente o morador do Grande ABC.   

Lembro que não é a primeira vez que me debruço sobre os efeitos maléficos do trecho sul do Rodoanel Mário Covas à economia regional. Já produzi dezenas de análises esmiuçando os desdobramentos que se deram e continuam a se manifestar desde a inauguração do primeiro trecho, à Oeste, no começo deste século.  

O Grande ABC perde o jogo econômico de goleada para a região que chamo de Grande Osasco. O custo-benefício de contar com o Rodoanel é desastroso para o Grande ABC.  

Também não é a primeira vez que faço apontamento sobre os riscos econômicos gerais de contarmos com algum ramal do metrô. Caso não seja metrô de verdade, mas apenas o monotrilho ou algo assemelhado, cuja tessitura tecnológica não tem parentesco algum com o metrô convencional, a situação seria ainda pior.  

Caindo pelas tabelas  

A chegada do Rodoanel neste século colocou o Grande ABC como quintal econômico da região Oeste da maior metrópole do País. Osasco e Barueri, e municípios vizinhos, além de Guarulhos, deram salto adiante em enriquecimento medido pelo PIB (Produto Interno Bruno), enquanto o Grande ABC mergulhou ainda mais numa crise que vem do século passado.  

Mostrei também em alguns estudos que a cada nova temporada vamos perdendo terreno em importância relativa na economia da Região Metropolitana de São Paulo por conta da chegada do Rodoanel Mário Covas e de outras ferramentas de competição intermunicipal.  

Caímos para o terceiro lugar em importância na metrópole (atrás da Capital e da Grande Osasco) e não demora muito para a queda ao quarto lugar depois que o trecho Norte do Rodoanel beneficiar diretamente Guarulhos e municípios daquela região. 

Repito: os dados econômicos que já publiquei revelam com clareza irretocável o quanto ficamos para trás. O Rodoanel deslocou o eixo de investimentos na Grande São Paulo. Deslocou não seria o termo apropriado. Aprofundou o deslocamento é melhor. Afinal, quando o trecho Oeste foi inaugurado, em 2002, o Grande ABC já estava na pindaíba de competitividade.  

Custo ABC na agenda  

O Custo ABC pesa muito, mas muito mesmo na hora de decisões estratégicas de empresas. Só conseguimos competir mesmo no varejo, porque quase três milhões de habitantes não são uma marca socioeconômica a ser subestimada. Para horror dos pequenos negócios, claro.  

Com a inauguração do trecho Oeste e menos de uma década depois da extensão do traçado em forma de trecho Sul, entramos de vez pela tubulação de inconsistência competitiva.  

O Grande ABC é caro demais em infraestrutura, em mercado de trabalho, em logística interna, em cultura produtiva, para quem leva a sério o capitalismo como, no mínimo, instrumento para ganhar dinheiro.  

Os socialistas de araque deixam de ser socialistas e abandonam as bandeiras de hipocrisia quando se lhes apresentam oportunidades que o capital oferece. Também não se descarta a possibilidade de socialistas seguirem socialistas, desde que se refestelem do capital de terceiros.  

Ganhos individuais  

A única vantagem que o Grande ABC conta com a chegada do Rodoanel, e mesmo assim de maneira parcial, são os ganhos pessoais de trabalhadores que se deslocam diariamente à Capital e a cidades próximas e moram nas proximidades das únicas três intersecções locais do traçado.  

Sim, o Grande ABC conta com apenas três alças de interação com o Rodoanel. A Grande Osasco conta com 13 canais de escoação de veículos. Os ganhos, naquela área, são de mobilidade pessoal e de competitividade econômica.  

Já com a chegada do metrô mais confortável ou de alguma coisa que transporte gente sobre trilhos ou asfalto, ao rés do chão ou em plataformas gigantes de concreto, o que teremos será uma nova onda de evasão de consumidores e trabalhadores. São projeções lúcidas e irredutíveis. Competir com a Capital mais poderosa do País é jogo perdido. Perdido de goleada.  

Recentemente a Universidade Metodista fez um ensaio sobre perdas acumuladas com a chegada da Estação Tamanduateí, que atingiu em cheio a vizinha São Caetano. A ligação rápida que passaria tangencialmente por Santo André, fortemente por São Bernardo e tangencialmente por São Caetano, conforme o traçado do monotrilho, será corrosiva para o comércio e o setor de serviços da região. O gataborralheirismo regional não é manifestação apenas cultural. Também é econômica.  

Distorções internas  

Não vou nem entrar em campo para considerações sobre os impasses internos provocados por qualquer traçado de uma modalidade de transporte que coloque a Capital mais próxima da região. Haveria, claro, remelexos. O monotrilho ou algo semelhante afasta empreendimento no entorno, mas valoriza quem investe a algumas quadras. O metrô, por ficar escondidinho debaixo da terra, não provoca restrições no entorno. Apenas vantagens em detrimento de áreas não contempladas direta ou indiretamente.  

Agora é que vem a resposta sobre o Rodoanel. Seria possível reestruturar o conceito de uma imensa faixa de terreno fechada à vizinhança pelo menos em alguns pontos como se deu na Grande Osasco? Técnicos e ambientalistas têm horror à proposta. Primeiro porque não haveria mesmo saídas a incorporar no traçado. Segundo porque a vegetação entraria pelo cano da degradação.  

Ou seja: desde o princípio o governo do Estado optou por uma especificidade modal que não comporta cruzamento econômico substantivo com os interesses do Grande ABC. Apenas uma franja regional, em Mauá, salvou-se para valer com a construção do trecho Oeste. E mesmo assim praticamente no último minuto da prorrogação. O puxadinho foi liderado pelo então prefeito petista de Mauá, Oswaldo Dias. Muito pouco diante da demanda regional. 

Ponderações importantes  

Quando se observa o cenário do futuro necessário para o Grande ABC, não tenho dúvida de que valeria muito mais a pena procurar alguma medida que coloque o trecho sul do Rodoanel mais acessível à economia local do que brigar tanto pelo metrô ou assemelhados.  

É claro que não quero dizer com isso que o metrô ou assemelhados seja banido do mapa de projeções. Quem prioriza a população consumidora e maiores ganhos de empregabilidade jamais se anteporá à iniciativa. O que não se pode confundir é essa maleabilidade logística e perspectivas profissionais com Desenvolvimento Econômico no sentido mais amplo da expressão.  

O Rodoanel tornou-se pá de cal da economia regional em forma de competitividade. O metrô ou assemelhado colocaria a região em contato mais facilmente direto com o Primeiro Mundo de consumo do País.  

Convenhamos que esse não era o enredo previsto quando do desembarque da indústria automotiva no Grande ABC.  

Estamos perdendo identidade regional que jamais foi a maravilha desejada. Daqui a algumas décadas seremos como toda a periferia da Capital: uma zona culturalmente morta, sem memória, sem interatividade.



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