O Grande ABC sempre olhou em direção à Baixada Santista como quem avaliasse um fim de semana em forma de entretenimento, de lazer, tudo sob o sol prazeroso de férias. Acho melhor o Grande ABC olhar para a Baixada Santista de forma menos festiva. Aliás, não é de hoje que advertimos sobre o que se tem acentuado neste século, depois que o trecho sul do Rodoanel Mario Covas se tornou um presente de grego regional e virou incremento espetacular aos nove municípios santistas.
Antes de revelar o que li em forma de reportagem ontem na Folha de S. Paulo, e que me remeteu a esta análise, e de, também, puxar como centro de atenção uma comparação entre Santos e São Bernardo, capitais dessas duas regiões metropolitanas (a primeira oficial e a segunda conectada à Grande São Paulo), não custa lembrar que estamos perdendo de goleada nos últimos 19 anos já medidos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas). Os dados foram metabolizados por mim.
Uma surra no século
Desde janeiro de 2000 e chegando ao extremo de dezembro de 2018 (o PIB dos Municípios é divulgado sempre com dois anos de atraso), o PIB per capita de Santos cresceu em valores nominais, sem considerar a inflação, exatamente 558,92%. Já o PIB per capita de São Bernardo não passou de 330,76%. Uma diferença de 41% nesse confronto em que o que vale não é o valor absoluto geral do PIB de cada endereço, mas a divisão do PIB Geral pelas respectivas populações.
Peguei São Bernardo como concorrente de Santos, como já disse, porque lideram as duas áreas. Mas poderia rebocar qualquer outro endereço do Grande ABC que a surra seria semelhante. Diadema acumulou neste século apenas 213,61% de crescimento nominal (sem considerar a inflação), Mauá 343,15%, Ribeirão Pires 326,61%, Rio Grande da Serra 213,63%, Santo André 340,04% e São Caetano 280,95%.
Repetindo o crescimento nominal do PIB de Santos – 558,92%. A inflação do período, registrada pelo IPCA, alcançou 321,09%. Vejam, portanto, que, individualmente, os municípios do Grande ABC mal superaram o desgaste da moeda.
Futuro versus futuro
Se o passado condena o Grande ABC (um passado que a bem da verdade começa antes deste século), imagine o que nos reserva o futuro – esse é o ponto a que pretendia chegar e que explica a manchetíssima de hoje.
Santos tem um imenso futuro pela frente, como verão. São Bernardo, e o conjunto escravizado do Grande ABC, tem um imenso desafio também pela frente.
Se fosse traduzir a frase anterior por símbolo gráfico, exprimiria que Santos tem um gigantesco ponto de exclamação a preencher nos próximos anos, enquanto São Bernardo (e a região como um todo) um gigantesco, mas distinto ponto de interrogação.
Vale a pena lembrar que em 1999, último ano do século passado, Santos só superava dois pequenos municípios do Grande ABC no ranking de PIB per capita, casos de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
Em 2018, os R$ 51.915,03 registrados per capita pelos santistas só são um valor inferior aos R$ 83.860,42 de São Caetano. A diferença que chegou a quase três vezes superior em dezembro de 1999 caiu para menos da metade em 2018. Enquanto o PIB per capita de São Caetano aumentou (sempre sem considerar a inflação) 290,95%, Santos, repito de novo, alcançou 558,70%.
Palmeiras na Argentina
Voltemos ao foco da questão: o combate entre São Bernardo (Grande ABC como um todo) e Santos (Baixada Santista como um todo) nos próximos 10 anos vai ser algo semelhante ao que se viu ontem na Argentina, onde o Palmeiras enfiou três a zero no River Plate: um massacre.
A explicação é simples: enquanto São Bernardo (e o Grande ABC) ainda sofrerá muito com o processo de desindustrialização (em várias dimensões, não apenas de quebra de produção do setor), Santos (e a Baixada Santista) vai ganhar com investimentos no sistema portuário e entorno.
Trocando em miúdos: enquanto a Doença Holandesa Automotiva asfixia o muito debilitado organismo econômico regional, Santos e a Baixada Santista vão surfar na Doença Holandesa Portuária.
Querem ver? Vou reproduzir alguns trechos da matéria de ontem da Folha de S. Paulo:
O porto de Santos entra em 2021 com a projeção de novos arrendamentos que vão gerar R$ 4,8 bilhões em investimentos, além de mais R$ 2 bilhões em novos acessos rodoferroviários. Além disso, estarão em andamento obras que movimentam investimentos de R$ 1,5 bilhão. Tudo isso antes de seu processo de desestatização, que está em fase de estudos. O porto já teve a conclusão de outras quatro obras em 2020, todas recém-inauguradas. Entre elas, a construção de uma pera ferroviária (desvio usado para mudar a direção de uma composição), que aumentou o transporte de celulose por meio de trens. Os investimentos somaram R$ 1.057 bilhão. A SPA, que administra o porto, ainda estima outros R$ 387 milhões nas avenidas perimetrais. (...). “Isso está na linha do que é o planejamento do PDZ (Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto de Santos). Ele tem alguns pilares, e um deles é a questão da utilização mais massiva de transporte ferroviário para o porto com esses investimentos”, afirmou Piloni (Diogo), secretário nacional de Portos.
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Entre os arrendamentos e obras, o secretário nacional (...) ainda apontou como segundo pilar do PDZ a chamada “clusterização” do porto, ou seja, concentrar nas mesmas áreas os terminais com o mesmo tipo de carga de movimentação, fazendo com que o complexo marítimo tenha terminais operando com escala superior. (...). O momento é considerado histórico para o porto, pois contratos de arrendamento que vinham desde os anos 1990- chegaram ao fim, dando lugar a um novo perfil de operador. Assim, vão saindo de cena empresas sem governança e entrando arrendamentos feitos por grandes multinacionais ou empresas listadas na Bolsa, escreveu a Folha.
Ainda não esgotei mesmo esse assunto. Esperem mais chumbo e rosas. Chumbo para o Grande ABC, é claro, cujos prefeitos e entornos não estão sintonizados com o estado de empobrecimento regional que vem do passado e seguirá no futuro. Dolorosamente. Enquanto a Baixada Santista nada de braçadas. Com perdão do trocadalho do carilho.
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