Imprensa

Circulação paga dos grandes
jornais não passa de fake news

DANIEL LIMA - 21/04/2021

Vamos diretamente ao ponto que interessa. E o que interessa é que o leitor entenda o que se passa no mundo do jornalismo. Neste caso, vale muito distinguir a verdade da meia-verdade e a meia-verdade da mentira estruturada. Estou me referindo à circulação paga dos grandes jornais brasileiros. Casos da Folha de S. Paulo, do Estadão e do Globo. Todas essas publicações (e as menores) seguem a premissa de fake-news quando se direcionam à linha avaliativa de crescimento de circulação paga. Falta combinar com os efeitos tecnológicos provocados pelos novos tempos.  

Para não dizerem que estou exagerando, vou reproduzir a manchete de uma das páginas de hoje da Folha de S. Paulo. Estava pronto para escrever sobre o PIB do Grande ABC sob os efeitos do presidente Jair Bolsonaro, e principalmente do vírus chinês, quando não resisti à alma de jornalista que impera em mim em forma de corrente escravocrata. A manchete da Folha de S. Paulo me incomodou. Que manchete? Repare:  

 Folha passa marca de 350 mil em circulação paga 

É fake news, é fake news e é fake news. Por estas bandas também andam a confundir uma coisa (jornal de papel) com outra coisa (jornal digital). São produtos completamente diferentes. E sem a mesma configuração técnica e cultural de sites específicos de cunho autoral e que não contam com insumos de terceiros -- esta revista digital, por exemplo). 

Leitores únicos  

Nossos leitores são únicos sempre, concentrados sempre, desafiados sempre a compreender o espaço territorial e cultural em que vivem. Os leitores não vão encontrar uma manchete sequer que não seja de produção própria. Os leitores dos grandes jornais de papel que transferem insumos às plataformas digitais têm a leitura dispersa e imprecisa em embocadura porque a diversidade é inimiga da especificidade.  

Mas vamos de imediato ao que pesa. A manchete da Folha de S. Paulo em louvação à circulação paga faz parte de uma guerra que acompanho nas páginas do jornal paulistano e do Valor Econômico (não leio o Globo) pela liderança de audiência no jornalismo brasileiro. Possivelmente o Globo também aplique a mesma política de puxar para sua brasa a interpretação de dados que o colocariam à frente da Folha de S. Paulo. Afinal, se o irmãozinho Valor Econômico faz (tudo é do grupo Globo) por que não haveria de fazer? 

Leio diariamente no papel o Diário do Grande ABC, a Folha de S. Paulo, o Estadão e o Valor Econômico. Isso me dá uma vantagem enorme à avaliação que se segue, que pode não ser totalmente correta, porque o mundo é complexo, mas está perto disso.  

Irmanados na política  

O Grupo Folha e o Grupo Globo tão irmanados numa política editorial de combate ao governo federal, que negligencia outras vertentes da política, caso dos governadores de Estado. Os dois grupamentos econômicos brigam para valer pelo naco que resta de marketing como produto de consumo confiável.  

Cada dia há uma peça publicitária diferente da outra na disputa pelo predomínio da narrativa da circulação paga. A manchete da Folha de S. Paulo de hoje faz parte do show de manipulações semânticas, vizinha mais que próxima da casa da sogra em que se pratica fake news, ou seja, as redes sociais.  

A diferença entre imprensa profissional e redes sociais é que uma casa tem especialistas que sabem como tratar o lixo e a outra conta um bando de desordeiros que contaminam a parcela mais apetrechada e mais fielmente reprodutora do pensamento médio da população.  

Caminhão de mercadorias  

Os dois maiores jornais do País fazem de tudo para se enaltecerem como produtos jornalísticos e comerciais. Jogam as cartas na mesa dos leitores numa disputa acirradíssima. Quem os lê no papel não imagina que sejam tão próximos na política de interesses que vão além do jornalismo propriamente dito.  

“Folha passa marca de 350 mil em circulação paga” é a generalização do obrigatoriamente divisível, porque o divisível é a constatação do interpretável.  

Não se pode dizer que um caminhão está lotado de melancia se a carga colocada às ruas para abastecer determinados bairros também conta com outras frutas, e até mesmo sacos de arroz. Pois a diferença entre a leitura em papel e a leitura na tela de smartfone, principalmente, é mais ou menos isso –e os preços díspares das assinaturas também, o que distinguem os dois produtos muito além de fatores econômicos implícitos.  

E quando se separa o trigo do impresso do joio do digital, o que temos no caso da Folha de S. Paulo (que explica de diferença após levar o leitor a acreditar que seja uma coisa só) o que se verifica é que a circulação média em março último no papel não passou de 61.422 exemplares, enquanto o Globo totalizou 74.315 e o Estadão 77.882.  

Quando se vai para outro tipo de mercadoria do caminhão, o joio digital, eis que temos a Folha com média diária de leitura de 291.037, contra 274.147 do Globo e 155.675 do Estado.  

Complementariedade  

Ao distinguir o produto jornalístico dessas três publicações entre o joio e o trigo, o que quero dizer é que o formato impresso tem maiores qualificações como segurança cultural de compreensão das coisas do que o formato digital, o joio da questão.  

Está comprovado cientificamente que, nos casos dos grandes jornais, o critério de edição disciplina a leitura, enquanto a transposição para no ambiente digital é sensível à dispersão. Perde-se no digital o sentido mais apurado de interação, de complementariedade. A divisão temática e a manipulação (literal) das páginas oferecem de forma arbitrária, mas concatenada, maior produtividade da leitura.  

Dinâmica correlacional  

De novo recorro à metáfora do caminhão. O impresso é uma carga bem distribuída de verduras, frutas e vegetais que facilita a gestão da distribuição. O digital é uma barafunda. Mistura-se tudo, embora aparentemente os endereços virtuais dessas publicações ofereçam ordem de exposição de manchetes que sugira organização espacial.  

Entretanto, a experiência prática de quem recorre à leitura com o uso de tecnologia é a transgressão involuntária à ordem editorial dos impressos. Ou seja: o trigo da materialidade tátil é menos suscetível à quebra da dinâmica correlacional de consumo de informação.  

Seria ótimo se fosse apenas essa a dificuldade e, mais que isso, o fosso a separar impressos de digitais. Também os impressos induzem muito mais à imersão nos textos (sempre me referindo aos grandes jornais, de dezenas de pautas que se retroalimentam no impresso e se canibalizam no digital) de modo que o processo de mastigar a informação é pronunciadamente mais denso do que a leitura apressada nos pequenos aparelhos, principalmente.   

Danos comportamentais  

O contraponto é que se atenua o desgarramento produtivo com o uso de textos breves dos sites das grandes publicações. Daí uma consequência de cunho cultural danoso: viciam-se os leitores num processo fastfoodiano de consumo de informação que, entre outras anomalias sociais, acentua fortemente a polaridade ideológica, econômica e comportamental, entre outras.  

A leitura compassada e reflexiva do jornalismo impresso dos grandes jornais perde de goleada para leituras apressadas nas plataformas digitais desses mesmos jornais. A concorrência é degradante, porque exterminadora do senso crítico no sentido mais acentuado do conceito.  

Ao botar no mesmo saco de gatos de uma manchete (e este é o padrão ético da Folha de S. Paulo, assim como dos concorrentes no mercado de dinheiro, porque no mercado político, repito, estão navegando no mesmo oceano de interesses cruzados) não há como resistir à tentação de rotular a operação com a expressão mais acertada quando se trata de um padrão corrosivo das redes sociais: fake news.  

Competência maior  

A diferença que já mencionei em outras intervenções, sobretudo no canal de um aplicativo que mantenho com mais de dois mil leitores diretos de CapitalSocial, é que o jornalismo profissional é muito mais competente na produção de fake news. Como se vê, aliás, neste caso. Essa competência está na capacidade de tornar o falso verdadeiro sem esperneio geral como fake news das redes sociais, de amadores.  

Voltando à questão da acuidade visual e avaliativa de insumos jornalísticos que distingue a melhor performance do impresso em relação ao digital, não quero dizer com isso que, como profissional da área, não vá a campo na busca de produtos robustos como os jornais impressos, embora em formato digital.  

Sou assinante da versão brasileira do jornal El País, notoriamente de esquerda, de boa qualidade editorial. É um produto digital predominantemente de textos analíticos e longos, além de menos suscetíveis à barafunda do caminhão de misturebas distributivas.  

Acredito que o nível de dispersão dos leitores de El País em geral é bem menos corrosivo do que o dos grandes jornais impressos brasileiros. Sem contar que a média de qualificação do material é muito superior. Exatamente porque tem seletividade temática. O noticiário fastfoodiano não lhe serve. 

Democratização mudancista  

A Folha de S. Paulo e os demais grandes jornais brasileiros estão numa briga dos infernos para explorar vantagens de posicionamento no mercado de consumo. Tudo está por conta de marqueteiros com vieses que se desgarram o quanto podem da aceitabilidade dos produtos no campo impresso.  

Trata-se de uma operação de guerra semântica que guarda o escopo de fake news porque é uma vergonha generalizada os números médios de circulação paga diária, que mal passa de 200 mil exemplares. Vinte anos atrás a Folha de S. Paulo, isoladamente contava com o dobro de circulação paga dessas publicações. 

Não estou com tempo nem inspiração para novas incursões que acrescentariam mais areia ao tumulo da informação materializada em papel daqueles três jornais. O jornalismo de papel está morrendo em todo o mundo, sobretudo o jornalismo regional.  

A tecnologia democratizou o processo de informação. Não fosse isso, não estaria CapitalSocial aqui para oferecer aos leitores contrapontos essenciais ao mundo mais que dominado por mandachuvas e mandachuvinhas do Grande ABC.  

Em páginas exclusivas, diariamente, à procura de certa imunidade dos efeitos que fragilizam o potencial de consumo dos grandes veículos em plataformas digitais. 



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