A crise no mercado imobiliário do Grande ABC, muito distante da sazonalidade devastadora da pandemia, virou objeto de esconde-esconde do presidente do Clube dos Construtores do Grande ABC (Acigabc). Como o pai Milton Bigucci, que fez gato e sapato de estatísticas durante metade de meio século à frente da entidade, o filho Milton Bigucci Júnior deitou e rolou nas informações à imprensa na semana passada. Não custa colocar a verdade dos fatos tijolo com tijolo de esclarecimentos num desenho lógico de compromisso social.
A realidade é outra. Nos 12 meses completados em dezembro do ano passado, a venda de apartamentos novos caiu 27,2% em relação à temporada de 2019. Que, por sua vez, também rateou.
O presidente Bigucci Júnior criou uma modalidade que poderia ser chamada de drible da vaca ou pedalada imobiliária ao reunir a imprensa na semana passada. Disse que os resultados do primeiro trimestre deste ano foram melhores que os resultados do primeiro trimestre do ano passado. Nada que, entretanto, se sustente sinergicamente como melhoria. Mas isso é pouco.
Biguccinho criativo
Biguccinho, como é chamado, omitiu os resultados da temporada passada. Isso mesmo: o Clube dos Construtores não deu números à tragédia do ano passado na região. Nos piores momentos que foram muitos do pai presidente, esse fosso profundo jamais ocorreu. Houve atrasos clamorosos, mas os números, mesmo falsificados, emergiam.
Se alguém conhece algum caso semelhante, ou seja, de balanço anual descartado e balanço do trimestre seguinte enaltecido, deve se sentir privilegiado porque essa patacoada não é normal. O calendário gregoriano costuma ser respeitado pelas instituições do ramo, e outras de vários setores. Divulgar números do primeiro trimestre sem os dados do ano completo de 2020 é uma invenção de Biguccinho.
O presidente do Clube dos Construtores ainda não percebeu e não aprendeu com o antecessor, Marcus Santaguita. Não adianta forçar a barra. Fingir que a crise não existe é o pior remédio. Uma ou outra construtora e incorporadora nadam de braçadas na região, mas sempre em relação àquelas que estão à deriva. O conjunto da classe está na lona. O mercado imobiliário do Grande ABC é uma continuada crise. Eventuais números positivos de hoje não resgatam imensas perdas históricas. Tudo no ritmo do próprio PIB (Produto Interno Bruto) dos sete municípios. Não ocupamos à toa, neste século, as últimas posições do PIB do G-22, o Clube dos 20 maiores municípios do Estado.
Participação manipulada
Vamos aos números do ano passado (escondidos pelo Clube dos Construtores) para ser mais didáticos. Foram comercializados 2.712 apartamentos em cinco das sete cidades da região. A maioria de até R$ 500 mil, ou seja, de classe predominantemente popular. É o preço do empobrecimento regional. No mercado imobiliário da Capital, no mesmo período, foram negociadas 51.417 unidades.
Traduzindo: de cada 100 imóveis residenciais novos vendidos na soma de São Paulo e Grande ABC (um G-8 dentro da Região Metropolitana de São Paulo de 39 municípios), a Capital ficou com 95% dos negócios. O Grande ABC, por consequência, com apenas 5%. Dois pontos precisam ser observados como ingredientes do desastre.
O primeiro ponto dá conta de uma situação que CapitalSocial sempre combateu, porque ilusionista. A participação do mercado imobiliário regional frente a Capital é pífia. Não chega a 10% nos melhores momentos. Quando era presidente do Clube dos Construtores, Milton Bigucci pai propagava que a fatia regional significava 30%. Como ele controlava o mecanismo estatístico, não era contestado. E sempre dava um jeito de aproximar o mercado imobiliário da região do da Capital. Era um show de contorcionismos estatísticos.
Entretanto, quando chegou a vez de um estranho ao ninho ocupar a presidência (Marcus Santaguita), e as pesquisas passaram a ser elaboradas por uma empresa privada que já dava atendimento ao Secovi (Clube dos Construtores do Estado de São Paul), a camisa de vênus de um coito interrompido caiu.
PIB enganoso
O segundo ponto é que o PIB do Grande ABC é enganoso quando se trata de potencial de consumo do mercado imobiliário. Num confronto com o PIB da Capital, a região representa 20% de participação. Isso significaria que de cada grupo de 100 apartamentos novos, o Grande ABC teria um naco de 20 negócios. Mas o PIB do Grande ABC não é internalizado em termos de consumo como o de São Paulo, de economia mais dinâmica e endógena. Por isso a participação relativa de imóveis da região não passa de 5%.
Houvesse aprendido com os erros do pai Milton Bigucci, o filho Milton Bigucci Júnior teria reunido a imprensa que tanto crédito dá à instituição que ele dirige e faria diferente do que fez. Não esconderia a crise. Daria os números reais e relativizados do ano passado. Poderia até desfilar os dados do primeiro trimestre como alento, não como porta-bandeira de um triunfo da categoria.
Seria pedir demais que o filho expusesse publicamente uma preocupação social que o pai jamais apresentou como trombeteador constante de fraudulentos dados imobiliários?
Pandemia econômica
Nem se pode argumentar que a pandemia está na raiz do fosso regional do mercado imobiliário. O peso do desaquecimento imobiliário é consequência lógica do vírus chinês, mas o que se pergunta é porque a vizinha São Paulo registrou no ano passado dados recordistas enquanto o Grande ABC é um vazio de negócios no setor?
O pior é que não se trata de situação circunstancial. O mergulho é estrutural. Uma prova provada é que nas últimas cinco temporadas (2016 a 2020) o Grande ABC comercializou 14.427 apartamentos novos. Esse número significa apenas 28% do que São Paulo vendeu no ano passado. Se essa média dos últimos cinco anos servir como base de projeção (o que daria a média de 2.885 unidades vendidas a cada ano) seriam necessários 18 anos seguidos para o Grande ABC vender o que São Paulo negociou num único ano.
Dar ênfase ao volume de lançamentos de novos apartamentos pode até ser uma estratégia com algum valor, mas não resiste aos fatos porque também nesse quesito o balanço do Grande ABC no ano passado foi dos piores.
Foram lançados 1.709 apartamentos na temporada passada, uma queda de 59,5% no confronto com a temporada de 2020. O total de unidades do Grande ABC nesse quesito perde feio, mais feio que o número de apartamentos vendidos na Capital. Na maior cidade do País foram lançadas 59.978 unidades. A participação do Grande ABC não passou de 2,85% em relação à Capital.
Falta representatividade
O resumo dessa ópera é que o Grande ABC não tem um empresariado imobiliário com confiança de investir no futuro e os consumidores não têm recursos suficientes para adquirir imóveis no presente. Qualquer variação analítica sobre esse estado de exaustão econômico-financeira é um cântico aos ingênuos.
É pouco provável que mesmo com a recuperação plena da economia nacional o Grande ABC abra as portas a temporadas seguidas de fluidez de negócios imobiliários. O mercado de imóveis novos e de usados desabou porque a pandemia acrescentou mais complicações a uma situação que vem de longe. E que tem a ineficiência do Clube dos Construtores como um dos nós principais. A entidade é um simulacro de representatividade.
Isso quer dizer que não tem estrutura administrativa e operacional para envolver mais filiados e definir políticas de desenvolvimento em conjunto com autoridades públicas. A economia do Grande ABC não passa pelas portas do Clube dos Construtores. Dados estatísticos que poderiam abrir alas a projetos importantes são desconsiderados. Valem mais as operações de lobbies nas prefeituras. O Clube dos Construtores nem se sustenta sem o auxílio financeiro do Secovi paulista.
Repercussão na mídia
Para completar, e provar que a manipulação segue o rumo da especulação no Clube dos Construtores, a notícia publicada na edição de 19 de abril no Diário do Grande ABC é esclarecedora. Sob o título “Lançamento de imóveis cresceu 74% no Grande ABC”, reproduzimos trechos vitais da reportagem:
Mesmo com a pandemia do novo coronavírus, o número de lançamentos residenciais cresceu de janeiro a março deste ano em comparação ao mesmo período de 2020, quando a crise sanitária ainda não assolava o País. Foram 426 novos empreendimentos ante 245 há um ano, alta de 73,9%. Por outro lado, o estoque passou de 1.660 para 914 unidades (-44,9%). A justificativa é que a demanda do mercado imobiliário aumentou, deixando as incorporadoras mais confiantes para lançar imóveis. (...) Milton Bigucci Junior, presidente da Acigabc, explicou que o cenário entre 2020 e o início deste ano surpreendeu. “A taxa de juros (atualmente em 2,75% ao ano) baixa, com a demanda reprimida e o ‘fique em casa’ ajudaram muito na retomada do setor”, destacou. Ele menciona que houve movimento de quem morava de aluguel e comprou um imóvel, de quem tinha um apartamento de dois dormitórios e se mudou para outro de três quartos, e assim sucessivamente. Outro movimento observado é a migração de famílias para o Grande ABC. Isso porque o custo-benefício dos imóveis na região é maior do que na Capital e com a popularização do home office, as pessoas passaram a procurar residências maiores, não necessariamente próximas ao trabalho, mas com fácil acesso à cidade de São Paulo. Bigucci Junior exemplifica que um apartamento de 100 m² com três dormitórios pode custar aproximadamente R$ 1,1 milhão na Capital, enquanto na região, é possível adquirir o mesmo imóvel por R$ 770 mil. ((...). O dirigente avalia que os dados indicam que a alta no mercado imobiliário é uma tendência para os próximos meses. (...) Em relação às mudanças de preferência do consumidor, o presidente da Acigabc salientou a necessidade de espaço para delivery nos lançamentos, ou seja, área climatizada para acomodar as compras dos moradores. Outra tendência é a implementação de co-working nos condomínios ou de espaço exclusivo para trabalho dentro dos apartamentos.
Como no passado, o que a direção do Clube dos Prefeitos pretende vender ao público é um paraíso que não resiste a testes de seriedade. A base de dados comparativa, utilizada para inflar os lançamentos imobiliários, é uma tática velha de guerra da enganação. Lançamentos imobiliários não são um indicador confiável a ponto de construir uma via de sustentação dos negócios. Entre a regularização do imóvel pretendido nas instâncias burocráticas e a entrega aos compradores há uma grande distância. E, em muitos casos, o que era previsão vira esfarelamento de expectativas. Mas nada supera a política triunfalista de omitir dados muito mais relevantes. O Clube dos Construtores de Santaguita não existe mais. Os Biguccis imperam.
Mais repercussão
Já o título do jornal Repórter Diário (“Valor dos imóveis novos sobe entre 2020 e 2021 no ABC”) segue a seguinte linha: “Valor dos imóveis novos sobe entre 2020 e 2021 no ABC”.
O VGV (valor geral de vendas) dos imóveis novos comercializados no ABC teve alta de 2,2% no primeiro trimestre de 2021 se comparado com o mesmo período do ano passado. Apesar de as construtoras terem vendido menos 22%, a soma dos valores foi maior e isso pode ser explicado por dois fatores, um é o aumento do custo das empresas, principalmente dos materiais de construção. Outro fator se baseia nos acabamentos melhores e valor agregado como condomínios, que já são entregues preparados para abastecimento de veículo elétrico e que tenham espaço delivery em suas portarias. (...). Para o presidente da entidade, Milton Bigucci Júnior, o movimento de valores se deu porque o mercado ficou muito aquecido no ano passado. “Em plena pandemia algumas empresas dobraram o faturamento em 2020, mas notamos que houve um aumento expressivo dos materiais de construção, alguns aumentos até abusivos. Com o INCC (Índice Nacional da Construção Civil) alto, algumas construtoras preferiram segurar os lançamentos este ano, mas as ofertas logo voltam neste segundo trimestre”, analisa. (...). Os imóveis mais vendidos na região continuam sendo os apartamentos de dois dormitórios, entre R$ 240 mil a R$ 500 mil, que correspondem a mais de 80% das vendas. (...). De acordo com Bigucci, o ABC está cada vez mais atrativo para quem é de São Paulo e busca de um imóvel. Com o mesmo valor que gastaria em um apartamento na Capital o cliente consegue um bem maior e com padrão melhor na região. “Isso acontece porque o preço dos imóveis aqui ainda é mais barato. Por isso, apesar dos apartamentos de 45 a 60 metros quadrados ainda serem a tendência na região, devemos ter um pouco mais de oferta de apartamentos maiores, de 3 dormitórios”, avalia. (...). Apesar da queda em volume de imóveis vendidos, de 744 entre janeiro e março de 2020 para 580 no mesmo período deste ano, uma queda de 22%, o setor está otimista e ainda animado com o alto desempenho do ano passado. “Mesmo com a pandemia as construtoras estão mais otimistas que em 2020, os resultados são surpreendentes”, afirma Bigucci.
Mais repercussão
Por conta própria, o jornal Diário Regional, usou a memória do banco de dados para dar conotação diversa da assessoria de imprensa do Clube dos Construtores. O jornalista Anderson Amaral, sempre preocupado com dados históricos, produziu a reportagem (sob o título “Após forte tombo em 2020, mercado imobiliário do ABC dá sinais de recuperação) que reproduzimos em vários trechos:
m Depois do forte tombo de 27,2% nas vendas e de 59,5% no total de lançamentos em 2020, o mercado imobi¬liá¬rio do ABC dá sinais de rea¬ção nes¬te ano, mas o re¬cru¬des¬cimento da pandemia de covid-19 e a alta nos pre¬ços dos in¬su¬mos podem frustrar a re¬¬to¬ma¬da esperada pelo setor. Pesquisa divulgada na última quinta-feira (29) pela Asso¬ciação de Cons¬¬tru¬to¬ras, Imobi¬li¬á¬rias e Ad¬mi¬nis¬tra¬¬do¬ras do ABC (ACIGABC) revela que, no primeiro trimestre, foram lançados 426 imóveis re¬sidenciais novos no ABC, volu¬me 73,9% superior ao apurado no mes¬mo período do ano passa¬¬do (245), quando a pandemia ain¬da não havia chegado ao Brasil. Na mesma comparação, as vendas de imóveis novos caí¬ram 22%, para 580 unidades, mas cresceram 66,2% ante o último trimestre de 2020, mes¬mo com o fechamento dos es¬tandes de vendas durante praticamente todo o mês de mar¬ço, em função das restrições impostas pelo Plano São Paulo de enfrentamento à pandemia. O presidente da ACIG¬ABC, Milton Bigucci Júnior, afirmou que, a despeito do impac¬to da crise sanitária sobre a atividade econômica, o desempenho do setor na região tem surpreendido positivamente. Prova disso é que, em 2020, as vendas se si¬tuaram em pa¬tamar superior ao de 2019 e a perspectiva é positiva para este ano. (...). A queda mais acentuada no número de lançamentos do que nas ven¬das fez cair o estoque de imóveis novos (prontos, na planta ou em construção) no ABC, de 2.176 uni¬dades em dezembro de 2019 para 1.047 no final do ano passado e 914 em março – patamar mais bai¬xo da história da pesquisa. “A forte queda nos estoques e o otimismo do mercado, que vislumbra melhora nas vendas nos próximos trimestres, levou as incorporadoras a retomar lançamentos que estavam na gaveta”, disse Bigucci Júnior.
Paraíso enganador
Como no passado, o que a direção do Clube dos Prefeitos pretende vender ao público é um paraíso que não resiste a testes de seriedade. A base de dados comparativa, utilizada para inflar os lançamentos imobiliários, é uma tática velha de guerra da enganação. Lançamentos imobiliários não são um indicador confiável a ponto de construir uma via de sustentação dos negócios. Entre a regularização do imóvel pretendido nas instâncias burocráticas e a entrega aos compradores há uma grande distância. E, em muitos casos, o que era previsão vira esfarelamento de expectativas. Mas nada supera a política triunfalista de omitir dados muito mais relevantes. O Clube dos Construtores de Santaguita não existe mais. Os Biguccis imperam.
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