Imprensa

Folha omite passado e ignora
economistas com fake news

DANIEL LIMA - 24/05/2021

A Folha de S. Paulo não toma jeito mesmo. Mais uma vez sou obrigado a intervir como ombudsman não autorizado com série de observações que colocam, agora, a manchetíssima (manchetes das manchetes de primeira página) como fake news do jornalismo profissional. A história econômica e os entrevistados foram tratorados pelo jornal paulistano. Do jeito que vai indo, se decidir apertar o foco, a Folha tomará o lugar do Diário do Grande ABC como freguês de caderneta.  

O que diferencia a Folha do Diário em matéria de fake news é que a Folha tem a gestão de Jair Bolsonaro como obsessão. O Diário tem a gestão de Paulinho Serra como proteção. É de lascar.  

Não custa lembrar que fake news não é somente um conjunto de informações equivocadas. Também é o resultado de informações verdadeiras, mas manipuladas deliberadamente.  

A Folha de S. Paulo, com a Agência Lupa, só devassa o que interessa ao seu portfólio de credibilidade. Quando se trata de deslizes editoriais próprios, prevalece o que se poderia chamar de Agência Obscuridade.  

Direções opostas  

Corro o risco de algum meliante fanático macular intervenções do ombudsman não autorizado com eventuais interesses político-partidários. Faz parte do jogo. O que me move mesmo é denunciar descontentamento com o nível de contaminação da política na economia nestes tempos de radicalismos.  

Vou me concentrar na manchetíssima da Folha de S. Paulo deste domingo. Mais propriamente no desdobramento da manchetíssima, ou seja, na reportagem publicada na página interna.  

O que se publicou na página interna foi antecipado na manchetíssima de primeira página: “País mais pobre e informal torna recuperação incerta”. A linha auxiliar, chamada linha fina, induz os leitores à interpretação maliciosa, porque fora do contexto histórico: “Bolsonaro traz instabilidade a cenário de precarização de empregos e alto endividamento público”.  

Imputa-se ao governo de plantão, com dois anos e meio de gestão econômica, depois de descalabros de décadas de antecessores esbanjadores, quando não corruptos, a responsabilidade por ser o Brasil o que é, um País desde muito tempo à deriva em desenvolvimento econômico. Aliás, o que ficará patente na voz de entrevistados na reportagem da Folha –todos desdenhados na manchetíssima e na manchete já mencionadas.  

Vou deixar de lado o texto da primeira página, que conduz à leitura da página interna. A manchete da página (“Mais miserável e informal, Brasil sob Bolsonaro prepara herança maldita”) é a condecoração dos antecessores e a criminalização econômica do atual presidente. Uma desfaçatez.   

A linha auxiliar da manchete completa o circo de horrores: “Subemprego, baixa produtividade e rombos travam crescimento do país”. A mensagem subliminar é clara: o Brasil era um paraíso antes de Bolsonaro chegar à presidência da República. Vamos aos contrapontos indispensáveis ao texto:  

Folha de São Paulo

 Apesar da recuperação prevista para 2021 e 2022, o mercado de trabalho na baixa renda deve manter tendência da última década de crescente informalidade. Segundo especialistas, essa será uma das principais travas à aceleração do crescimento e para o resgate de milhões de brasileiros que se tornaram miseráveis na pandemia. Na década passada, o Brasil teve o pior desempenho dos últimos 120 anos, empurrando os menos qualificados para a informalidade —área da economia que paga, produz e cresce menos, comprometendo sua evolução média. Na pandemia, mesmo o trabalho informal foi dizimado pela paralisia do setor de serviços, responsável por 70% do PIB (Produto Interno Bruto) e dos empregos, metade deles fora da formalidade. As principais ocupações desse segmento (trabalhadores domésticos e empregados do setor privado sem carteira, conta própria sem CNPJ, entre outros) perderam até 20% das vagas. Já os menos instruídos, majoritariamente informais e que não chegaram a completar o ensino médio, viram até 17% da renda desaparecer, segundo o Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas) com base em pesquisas do IBGE (Pnad e Pnad-Covid-19). 

CapitalSocial 

 A manchete da página é pulverizada, esquartejada e jogada no lixo nos primeiros parágrafos da reportagem. O empobrecimento do País vem de um passado inglório. A impressão que se passa com a dissonância entre manchete, linha fina e a abertura da reportagem é que dois profissionais meteram a mão na cumbuca, um relacionado à produção do texto, o outro, um editor desatento ao texto. É por essas e outras que, como editor, em frequentes inovações na revista LivreMercado, estendia a função do jornalista produtor da matéria a responsabilidade de sugerir o título e produzir a legenda. O risco é minimizado. No caso da Folha de S. Paulo e o histórico recente de abate ao presidente da República, tem-se a garantia de que não houve equívoco, mas propósito. Os leitores que se danem. E o ombudsman não autorizado é mais que certeiro na atribuição de fake news em forma de manchete, legendas e interpretação.  

Mais Folha de S. Paulo 

 Na retomada atual, ainda tímida e incerta pela falta da vacinação em massa, será necessário que a hoje metade da força de trabalho informal recupere melhores níveis de ocupação e renda para voltar a consumir e, assim, acelerar crescimento, investimentos e contratações. O estrago da pandemia no mercado informal não apenas ampliou a desigualdade —pois os mais ricos e escolarizados recuperaram a renda— como fez a pobreza extrema voltar ao patamar de meados dos anos 2000. No primeiro trimestre de 2021, os miseráveis (renda mensal inferior a R$ 246/mês) somavam 16% da população, ou 35 milhões de pessoas. Em 2019, antes da pandemia, eram 24 milhões na pobreza extrema, ou 11% do total. 

Mais CapitalSocial 

 Se entre os muitos erros cometidos pelo governo de Jair Bolsonaro na pandemia do Coronavírus (assim como muitos prefeitos e governadores) há algo que não se pode criticar, e os economistas nem ousam, é configurar o estágio de informalidade e pobreza às decisões da equipe econômica. O Brasil foi um dos Países que mais distribuíram dinheiro público para atenuar os estragos do vírus chinês. Tanto jogou dinheiro de helicóptero keynesiano que a queda do PIB foi muito menor do que projetam os mais renomados economistas --- e esteve muito abaixo da média de uma imensidão de países do mesmo grau de desenvolvimento. 

Mais Folha de S. Paulo  

 Segundo o Datafolha, entre os mais pobres, com até o ensino fundamental, 40% dizem estar faltando comida em casa. Desde agosto do ano passado, segundo a FGV Social, quase 32 milhões de pessoas deixaram a classe C (renda domiciliar entre R$ 1.926 a R$ 8.303). A maioria (24,4 milhões) desceu à classe E (renda até R$ 1.205) ou direto à miséria. Para a consultoria Tendências, as classes D/E, agora mais numerosas, devem amargar mais 15% de perda de renda neste ano, travando a recuperação via consumo das famílias —que foi, até a pandemia, o principal motor da economia. A alternativa seria o país crescer apoiado em maiores taxas de investimento e poupança. Mas ambas estão nos menores patamares desde os anos 1980. Como agravante, ao contrário das crises socioeconômicas na década de 1980 e início dos anos 1990, desta vez o Brasil não tem muita munição para resgatar os mais pobres via programas de transferência de renda —como fez com iniciativas focalizadas nos anos 1990 (governo FHC) e com o Bolsa Família nos 2000 (Lula). De 1980 para cá, a carga tributária, que financia esse tipo de programa, saltou de 24,5% como proporção do PIB para 35,2%; e a dívida pública bruta encostou em 90%. Os dois indicadores são os maiores na comparação com grandes emergentes e estão na raiz da atual crise fiscal brasileira —anterior à pandemia, quando o país vinha crescendo ao redor de 1% ao ano. "A dívida pública muito alta provoca uma insegurança que é transmitida para o dólar [no qual busca-se proteção], que pressiona a inflação [via importações], levando o Banco Central a subir os juros para segurar os preços. O resultado é uma atividade mais fraca e vagas de pior qualidade", diz Fernando Veloso, doutor em economia pela Universidade de Chicago e pesquisador do Ibre-FGV. 

Mais CapitalSocial 

 Veja que a crise estrutural que impacta o País é tão e longeva como a inapetência do Estado em dar conta do recado do desenvolvimento social – por uma série de razões, entre as quais a vocação transformada em materialidade de roubalheiras que a Operação Lava Jato combateu. Os principais indicadores sociais e econômicos são uma tragédia mais que consolidada. A pandemia expôs essa multiplicidade de passivos. O relato dos entrevistados vai sempre nesse sentido – e em conflito com o direcionamento pecaminoso das manchetes e linhas finas da Folha de S. Paulo. Uma espécie de estupro informativo.  

Mais Folha de S. Paulo 

 Veloso observa que, desde a recessão de 2014 a 2016, a geração de vagas tem sido predominantemente informal, o que produz "marcas duradouras" no mercado de trabalho, compromete a produtividade e o crescimento. "O que vimos a partir de 2017 foi um padrão de informalidade muito maior do que na saída de outras crises", diz, acrescentando que isso traz "um risco elevado de que o aumento na taxa de pobreza torne-se estrutural."   

Mais CapitalSocial 

 Está aí uma resposta irrebatível dos problemas brasileiros. A abrangente informalidade no emprego é um passivo que vem de longe e que contou com a mão na roda rumo ao desfiladeiro, entre outros pontos, de uma legislação trabalhista obsoleta, punitiva, excessivamente protetora e, também, incrementadora de desigualdades. Tudo isso, claro, sem contar os danos causados pelo governo Dilma Rousseff, que pegou a bomba do consumismo desenfreado do presidente Lula da Silva num período em que a demanda asiática por commodities assegurou enxurrada de recursos ao governo federal. A farra acabou porque não há farra que sempre dure.  

Mais Folha de S. Paulo 

 Para Marcelo Neri, diretor da FGV Social, trata-se de um "paradoxo" o Brasil ter hoje taxas altas de pobreza extrema e serviços públicos de má qualidade com carga tributária e dívida pública tão elevadas. "Temos por aqui uma espécie de Esgana: carga tributária da Espanha e serviços públicos e padrões de Gana." O economista afirma que, se a hiperinflação foi o grande problema dos anos 1980, o governo Jair Bolsonaro agregou às duas mazelas atuais (baixo crescimento e alta desigualdade) um enorme grau de instabilidade socioeconômica —o que é muito ruim especialmente para os mais pobres.  

Mais CapitalSocial 

 É um disparate a afirmativa de que “Jair Bolsonaro agregou às duas mazelas atuais (baixo crescimento e desigualdade) um enorme grau de instabilidade socioeconômica, -- o que é muito ruim especialmente aos mais pobres”. A reprodução da frase da reportagem é proposital para caracterizar uma sandice. Afinal, baixo crescimento e alta desigualdade não são propriedades da gestão de Bolsonaro, mas rescaldos do capitalismo de compadrios.  E instabilidade socioeconômica também é um artigo surrado dos antecessores que, Bolsonaro, aí sim, manteve ao escancarar conflitos subjacentes em outros tempos. 

Mais Folha de S. Paulo 

 Segundo Pedro Loureiro, professor na área de estudos latino-americanos na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, o atual momento brasileiro tende, além de piorar a taxa de pobreza, a aumentar a desigualdade. "Em um cenário sem crescimento, alguém tem de cair para que o outro melhore." Não apenas, mas no Brasil em particular, o resultado da pandemia tem sido uma recuperação em forma de "K": o emprego tem reagido lentamente para todos os grupos, mas, enquanto os mais qualificados e ricos voltaram ao nível de 2019, os menos escolarizados e pobres permanecem 20% abaixo. 

Mais CapitalSocial 

 Desde a derrocada do PT com Dilma Rousseff e consequente impeachment, a deterioração do ambiente econômico é uma constante. Não se trata, portanto, de algo que caracterize o momento como marco de complicações. Confundir o “momento” com o “histórico” é um crime informativo.  

Mais Folha de S. Paulo 

 O economista Naercio Menezes, do Insper, lembra que os 10% mais ricos no Brasil concentram 1/3 do consumo total. E que mudanças de comportamento dessa faixa no consumo —mais home office; menos idas a lojas e restaurantes— podem ter impactos duradouros no emprego de funções menos especializadas, como faxineiros em escritórios, vendedores e garçons. Segundo a FGV, quase sete em dez empregos já estão em setores com baixo conteúdo tecnológico, com salários 40% abaixo da média nacional. "E, quanto mais tempo os jovens permanecerem desempregados, mais sua trajetória profissional será afetada, diminuindo a produtividade e salários no futuro, empurrando-os para a criminalidade e aumentando a desigualdade de renda", diz Menezes. 

Mais CapitalSocial 

 Mais uma vez a reportagem da Folha de S. Paulo confunde o passado recente e o passado remoto com o presente na tentativa de caracterizar o Brasil como um espetáculo horroroso de decadência econômica e social abrupta, pautada pelas desídias do atual governo. Além disso se enaltece a chamada classe média gerada pelo governo Lula da Silva como verdade que não resiste aos fatos. Jamais aquele extrato social que ganhou impulso de rendimentos durante a farra das commodities se caracterizou como classe média convencional, que vai muito além de vetores financeiros. Criou-se uma falsa classe média como ferramenta de marketing e que não resistiu à recessão petista. 

Mais Folha de S. Paulo  

 Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, os anos à frente no Brasil podem ser "trágicos", com o governo Bolsonaro deixando uma "verdadeira herança maldita" para o próximo presidente ou para si mesmo, caso seja reeleito. Vale lembra que, além de a criação de subempregos ter praticamente dobrado nos últimos seis anos, a taxa de desocupação acima de 10% já se arrasta por mais de meia década. "Isso fragiliza qualquer economia e fica muito difícil para as pessoas voltarem ao mercado formal, tornando o subemprego algo permanente, perpetuando a pobreza e a desigualdade." 

Mais CapitalSocial  

 A expressão “década perdida” foi utilizada e é utilizada pela Folha de S. Paulo desde muito tempo e, inclusive, na reportagem. “Verdadeira herança maldita”, na expressão do economista, é uma corruptela do que vem estruturalmente do passado. Que cai em contradição quando afirma que a desocupação acima de 10% se arrasta por mais de meia década.  

Mais Folha de S. Paulo 

 Samuel Pessôa, economista da FGV-Ibre e colunista da Folha, tem uma visão um pouco mais otimista, embora diga que o Brasil "parece ter se casado com a mediocridade". Segundo ele, desde o final de 2020, notícias positivas na economia surpreendem, sobretudo no início de 2021, quando muitos apostavam que o país recairia na recessão. Para Pessôa, 2022 pode ter "uma cara de 2002", quando a economia reagiu positivamente, inaugurando um ciclo de crescimento baseado no boom nos preços das commodities que o Brasil exporta —algo que se repete agora em menor escala, por enquanto. No começo dos anos 2000, quando o real também estava muito desvalorizado, esse boom foi crucial para o Brasil consertar suas contas externas e acumular cerca de US$ 350 bilhões (R$ 1.855 trilhão) em reservas —o que hoje garante certa tranquilidade nesse front. "No final, as coisas devem ir se arrumando, mas dentro de nossa mediocridade. O sonho de que o Brasil poderia se tornar algo grande, porém, parece ter desaparecido", diz Pessôa. 

Mais CapitalSocial 

 É praxe da Grande Mídia avessa ao governo federal de plantão deixar para o fim da fila informações de entrevistados que se colocam mais explicitamente contrários aos pressupostos condenatórios de pautas encomendadas. No caso específico dessa reportagem, outros entrevistados marcharam na contramão das pretensões da Folha, mesmo assim foram claramente metabolizados pela ânsia transformadora. A ausência de contextualização econômica para caracterizar a realidade atual do emprego no Brasil tem por objetivo tratar a situação atual, fortemente influenciada pela pandemia, como uma exceção num mar de grandes conquistas dos antecessores no Palácio do Planalto. 



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