Não sei se morro de rir ou se me contenho em nome dos bons modos, mas não posso deixar de registrar a decisão do prefeito petista de Diadema, José de Filippi Júnior. Ele quer tirar do papel e passar para o site da Prefeitura a publicação de oficiais. O modelo é exatamente ou próximo do pretendido pelo presidente Jair Bolsonaro, mas vetado pelos congressistas.
Mais engraçado de tudo isso é que quem deu a notícia foi o Diário do Grande ABC que, dois dias antes, fizera festa para o desenlace em Brasília -- contrariamente à réplica de José de Filippi -- em apoio à emenda de veto do deputado federal Alex Manente. Comentei o assunto aqui, lembram-se? Manente foi herói num dia e Filippi vilão no outro nas páginas do Diário do Grande ABC.
A aproximação entre um presidente radicalmente de direita, com direito inclusive a cometer bobagens que ressuscitam velharias da política nacional, e um prefeito histórico de um partido de esquerda, é o que chamaria de ordem natural das coisas—embora cabeludíssimas para quem enxerga a política como exercício permanente de estupidez.
Excrecência informativa
Os atos oficiais (como acentuou a matéria do Diário referindo-se à decisão de José de Filippi) são em geral uma excrescência da democracia informativa, além de célula vital em muitas localidades à perpetuação de relações incestuosas entre mídia e poder.
O silêncio do Diário do Grande ABC nos dias seguintes (o veto pró-jornais foi festejado em editorial como essência de cidadania) é emblemático das rivalidades ditadas pelas concorrências mais que viciadas dos processos que definem os novos atores na impressão em papel de atos oficiais.
Tanto é verdade que o Diário do Grande ABC apontou diretamente o Diário Regional com sede em Diadema de beneficiário direto do esquema de licitação de atos oficiais da Prefeitura.
Mais que isso: o Diário do Grande ABC vinculou o sucesso eleitoral da família que dirige o Diário Regional como decorrente das relações estabelecidas entre mídia e poder ao longo de décadas.
Bastidores azeitados
Um estudo quem nem meticuloso precisaria ser sobre a realidade de jornais de pequeno e médio porte espalhados pelo País exporia tudo isso e muito mais. Os dutos que ligam o jornalismo impresso e os poderes municipais passam em larga escala por atos oficiais legalizados em licitações públicas. Tudo não passa de formalização de bastidores engendrados para acomodar o futuro na base de reciprocidades.
Começaram os leitores a entender a razão de este jornalista estar morrendo de rir diante do que se apresentou rapidamente em corroboração ao que expus anteriormente?
Não deu nem tempo de esquentar os motores de recalcitrâncias ao que escrevi para que um jornal se lançasse contra outro jornal por razões, vejam só, que o primeiro tanto glorificou.
Traduzindo: o Diário do Grande ABC vibrou com o veto antiatos oficiais do deputado Manente e em seguida, no noticiário que deu vez à interpretação, aplaudiu a decisão do prefeito de Diadema que, justamente, adotou uma medida cujo governo de Jair Bolsonaro viu ruir no Congresso Nacional.
Acordem, vereadores!
O que gostaria mesmo de ver e de sentir, quando não de festejar, seria uma iniciativa de algum vereador da região (vamos lá Ricardo Alvarez, vamos lá Joubert Minhoca, em Santo André) que pretendesse implantar a Reportagem Premiada que sugeri há seis anos. Certamente eles já sabem do que se trata, mas não custa repetir: busquem saídas legais, que existem, para que reportagens da mídia que denunciem irregularidades com provas no setor público sejam contempladas com um percentual de premiação em relação ao total subtraído com a mão do gato.
Vamos lá, vereadores. Cortem a farra dos atos oficiais do Poder Público nos jornais. Substituam essa malandragem mais que conhecida pela Reportagem Premiada. Tenham peito! Honrem seus mandados. Deixem de ser estuários de interesses do Executivo improdutivo ou abandonem o discurso unicamente partidário. Sejam, portanto, mais coletivos, mais comunitários, mais abrangentes.
Reportagem Premiada
Os leitores já imaginaram ou tentaram imaginar o quanto seria revolucionária a proposta de Reportagem Premiada caso seja aplicada pelos legisladores municipais do País, espalhando-se a outras esferas de poder?
Cada vez mais -- principalmente os veículos impressos, que estão numa penúria de dar dó depois da chegada da Internet -- poderão somar receitas extraordinárias entre outras razões ou principalmente porque o que não falta na praça nacional é a matéria-prima que supriria os investimentos. Sim, estou me referindo à corrupção propriamente dita.
A Operação Lava Jato pegou os malandros depois das malandragens e mesmo assim só os malandros de alto coturno. Reportagem Premiada pegaria os malandros no nascedouro da malandragem, nas prefeituras. Ou alguém tem dúvida de que prefeituras, em geral, são o teatro de operações de imensas agendas de corrupção em Brasília e em tantos outros endereços?
Tratamento igualitário
Quando o presidente Bolsonaro tentou impor restrições à publicação em jornais de atos oficiais o interesse era outro, de cunho político-partidário, de retaliação, de tudo que se imagina quando se trata de político em busca da reeleição. No caso de Reportagem Premiada não tem conversa mole. É tratamento igualitário e republicano a todos os mandachuvas e mandachuvinhas do País.
Afinal, por mais que uma e outra mídias façam acordos que vinculam o editorial ao financeiro, sempre haverá mídias concorrenciais que partirão para cima de executivos vulneráveis.
Para tanto, e aí entram em campo mais uma vez os legisladores, é indispensável que a transparência pública seja para valer, não esse faz de conta de ombudsman oficial e outras modalidades falsamente transparentes.
Quem se habilita, quem se habilita? Vamos lá vereadores. Escalo de pronto Ricardo Alvarez e Joubert Minhoca, mas tantos outros podem entrar na lista. Todos os outros, para ser mais preciso. São quase 15 dezenas nos sete municípios do Grande ABC. Será que nenhum deles tem coragem de abrir essa porteira à higienização?
Reportagem do Diário
Para complementar, reproduzo na íntegra a matéria publicada no Diário do Grande ABC do dia 7 de junho sob o título “Filippi propõe fim à versão impressa de atos oficiais”:
O prefeito de Diadema, José de Filippi Júnior (PT), entregou à Câmara projeto que cria a versão eletrônica do Diário Oficial do município e coloca fim às divulgações de atos oficiais em jornal impresso da cidade que detém a hegemonia das publicações do Paço diademense há décadas. Pela proposta, o município passa a publicar os atos da administração, incluindo as autarquias, exclusivamente na internet, como informações sobre licitações, contratações realizadas, decretos editados e leis sancionadas, por exemplo. Há anos esses atos são publicados pelo jornal Diário Regional, com sede no município, que, por deter a maioria das publicações, guarda histórico de alinhamento com os governos na cidade, inclusive com os três primeiros de Filippi. Também há ligação política, já que a empresa pertence à família do ex-vereador Milton Capel, o mais longevo parlamentar da história da cidade – pai do hoje vereador governista Rodrigo Capel (Cidadania), Capel exerceu nove mandatos. O projeto deixa claro que o governo só publicará atos oficiais em jornal impresso quando “for legalmente exigível, ou ainda visando conferir maior impacto às publicações”. O governo alega que adotou a medida para economizar. “Como sabido, a publicação dos atos oficiais é obrigatória, e atualmente vem sendo realizada em veículo de imprensa contratado para tanto. Nesse contexto, a publicação eletrônica em Diário Oficial do município ensejará a redução dos custos com publicações, atendendo ao princípio da economicidade”, justifica a administração. No ano passado, as publicações da Prefeitura, do Ipred (Instituto de Previdência de Diadema) e da Fundação Florestan Fernandes só neste jornal impresso geraram saldo na ordem de R$ 600 mil. Na semana passada, o Congresso Nacional derrubou vetos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que, na prática, desobrigavam os órgãos públicos a promover a publicidade legal das administrações em veículos de comunicação impressos. O argumento oficial do presidente é o de que a norma em vigor causa prejuízos aos cofres públicos, mas o discurso contrasta com os frequentes ataques de Bolsonaro à imprensa. Com a derrubada do veto, a necessidade de publicação de atos oficiais em jornal impresso segue em vigor após promulgação.
Total de 1884 matérias | Página 1
13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)