Imprensa

Capas: quase mil páginas de
um Grande ABC esperançoso

DANIEL LIMA - 10/08/2021

Nesta que é a segunda etapa do Projeto Reportagem de Capa, o foco está entre os meses de abril a agosto de 1997. É a revista LivreMercado, que circulou no Grande ABC durante praticamente duas décadas (de março de 1990 a janeiro de 2009) em fase de exposição do melhor jornalismo regional do País. LivreMercado continua tão diferente hoje quanto o era até então frente às publicações regionais. Uma linhagem de interpretação das informações que não se encontra. E quando se encontra há enviesamentos cada vez mais burros.  

Com esta segunda etapa, chega-se ao total de 954 páginas impressas daquela publicação (antecessora de CapitalSocial) em 10 edições agora contabilizadas, além de 95 páginas especificas de Reportagem de Capa.  

Esse resgate é uma oportunidade especial à compreensão do momento em que vive o Grande ABC, bem como do passado que antecedeu o lançamento de LivreMercado em formato tabloide. Reservarmos a essa reconstrução histórica apenas a fase-revista (do ponto de vista plástico) de LivreMercado, entre novembro de 1996 a janeiro de 2009.  

Antes desse período, em formato tabloide e sem a caracterização tradicional de Reportagem de Capa sobressalente, LivreMercado era também revista de fato, no conteúdo. E plantou a cada edição grande parte do que em formato revista amplificou.  

Originariamente voltada à Economia do Grande ABC, a cada nova edição LivreMercado incorporou outras atividades. A sociedade do Grande ABC como um todo passou a ser alvo. Tanto que a criação do Prêmio Desempenho Empresarial em 1994 multiplicou o foco a outras áreas e se tornou um referencial explícito da configuração robusta que se propagou.  

Acompanhem cada texto de abertura do Projeto Reportagem de Capa de LivreMercado entre março e agosto de 1997. Agora são 10 no total. Na semana que vem será exibida a matéria principal das edições de setembro, outubro, novembro e dezembro de 1997 e de janeiro de 1998.   

 

De bem com o Estado 

 DANIEL LIMA  

Reportagem de Capa – quatro páginas 

Edição de março de 1997 – 100 páginas 

A Câmara Regional do Grande ABC, lançada com pompa e circunstância dia 12 de março no Teatro Cacilda Becker, em São Bernardo, é o divisor de águas da história político-institucional da região. A nova e suprema instância de poder, que paradoxalmente nem formalização jurídica reúne, estabelece claro limite entre o passado de desintegração regional e de alheamento do Estado e o presente de fertilidade de manobras para recolocar o trem nos trilhos. Em inflamado discurso, o governador Mário Covas, uma das muitas autoridades presentes, não só assumiu a mea culpa dele e de antecessores por dedicar ao Grande ABC tratamento equidistante como também condicionou o desenvolvimento do Estado ao crescimento da região. Covas pode até ter exagerado, para agradar a plateia, mas os novos fatos indicam que já se foi o tempo em que Grande ABC e governo do Estado trafegavam em sentido contrário. O Estado, como nas brincadeiras infantis, estendeu o dedo mindinho e está de bem com a região. Não convém perder essa oportunidade. Tanto que a Câmara Regional já está em plena atividade organizacional. Grupos e subgrupos temáticos, recheados de representantes públicos municipais, sindicais, comunitários e empresariais, preparam diagnóstico profundo da situação socioeconômica, insumo com o qual o Grande ABC jamais se preocupou de forma coordenada. Mesmo com as limitações de dados de uma região que sempre desprezou a pesquisa, a meta é alcançar até julho o que o secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, Emerson Kapaz, prefere chamar de Acordo do Grande ABC. Certamente ressabiado com o desgaste que a expressão Pacto do Grande ABC provocaria, porque explicitaria o que está embutido na proposta, isto é, negociações que podem representar perdas corporativas para inadiáveis ganhos comunitários, o secretário estadual preferiu cunhar a etapa decisiva do processo com expressão mais amena. A aproximação de enamorados entre o Grande ABC e o governo do Estado, o qual resolveu fazer da região símbolo de ações regionais articuladas que pretende esparramar por todo Estado de São Paulo, deve-se principalmente ao próprio Emerson Kapaz. Foi ele quem, em março do ano passado, num encontro promovido pelo Fórum da Cidadania no auditório da Fairway, em Santo André, anunciou a formação da primeira Câmara Regional do Programa de Desenvolvimento e Competitividade do Estado (PDC). É verdade que o projeto demorou para decolar e chegar ao irreversível comprometimento da noite de 12 de março último. Mas não se pode culpar o secretário por isso. Ele sofreu com o desinteresse demonstrado pelos prefeitos que recentemente deixaram os Paços Municipais. Kapaz sentiu na pele, em agosto do ano passado, no Sesi de Santo André, o grau de inapetência dos Executivos para o projeto de revitalizar a região. Os prefeitos Newton Brandão e Walter Demarchi quase transformaram o encontro promovido pela assessoria de Kapaz, pelo Fórum da Cidadania e pelo Consórcio Intermunicipal numa tarde dedicada a amenidades. Quem sabe até num ambiente de despedida de solteiro.  

 

Trator na CTBC 

 DANIEL LIMA 

Reportagem de Capa – seis páginas 

Edição de maio de 1997 – 100 páginas  

Não adianta espernear. A notícia é desagradável, mas a CTBC, Companhia Telefônica da Borda do Campo, uma das vacas sagradas do regionalismo do Grande ABC, está com os dias contados para ser privatizada. A queda do presidente Ademir Spadafora, executivo que personalizava a cultura da empresa e o orgulho do Grande ABC à frente da companhia é o primeiro estágio da transferência da CTBC para o acervo da Telesp, que será seguido pelo arremate de megacorporações. Daí em diante, o que se terá provavelmente seja um modelo de privatização cultural com a região. A volta à origem não guarda qualquer relação com os tempos quase românticos de meados da década de anos 50, quando grupo de empresários ligados ao Rotary Clube de Santo André, irritados com a ineficiência da Companhia Telefônica Brasileira, empresa canadense que detinha a concessão da área, resolveu criar a CTBC. O que se descortina para os próximos tempos é um jogo para profissionais que transformam grandes investimentos em lucrativos negócios. Telecomunicações viraram sinônimo mais apurado de poder, de domínio de informações, de compactação de espaço, de miniaturização do planeta. E a CTBC, única companhia regional sob domínio do Estado, no caso da Telesp, Telecomunicações de São Paulo, que detém a maior parte de suas ações ordinárias (com direito a voto) e da Telebrás, a holding que controla o setor no País, está inserida no contexto de privatizações em massa. A queda de Ademir Spadafora e de três dos quatro diretores técnicos não guarda relação mais intestina com privatização como a que deverá se consumar no ano que vem. Seria superestimar o governo federal imaginar planejamento de tão longo prazo. Pesou mesmo para a rasteira diretiva às vésperas de 1º de maio o que mais o Estado sabe produzir: engenharia político-partidária para manter o jogo do poder sob controle nas votações do Congresso Nacional. Se vai dar certo é outra história, mas que o trator do Ministério das Comunicações passou pela Avenida Portugal na noite em que a assembleia geral de acionistas — diga-se Telesp e Telebrás — pegou Spadafora de calças curtas, disso não se pode duvidar. Tanto que o único executivo que sobrou, Dellinger Mendes, que ocupa a diretoria econômico-financeira, é profissional de confiança do ministro Sérgio Motta. Ademir Spadafora perdeu a presidência e provavelmente até se afaste da empresa em que construiu brilhante carreira de 35 anos porque a recomposição de forças de sustentação do governo Fernando Henrique Cardoso não leva em conta nem a eficiência administrativa numa estatal e muito menos a representatividade política da região, que, como se sabe, é reduzida em quantidade e esforçada em qualidade. A abstenção do petebista Duílio Pisaneschi na votação para aprovar a emenda da reeleição de Fernando Henrique Cardoso teria sido a gota d’água que transbordou o copo de paciência do ministro. Quem entende que já se passaram alguns meses desde que Pisaneschi preferiu enfrentar a irritação do governo a avaliar a candidatura de Celso Daniel à Prefeitura de Santo André, possivelmente adiando por mais quatro anos o sonho de virar prefeito, subestima a resistência da mágoa do ministro e desconsidera que Pisaneschi fora a ponte que alçou Spadafora à presidência. Os outros três executivos que caíram também tinham sustentação política de deputados. Mas igualmente tombaram nesse jogo de xadrez político-eleitoral. O xeque-mate não poupou João Batista Serroni de Oliva, diretor de Serviços de Telecomunicações, Ézio Barbosa Cintra, diretor de Engenharia, e Paulo Vieira de Souza, diretor administrativo.  

 

Espiritualidade 

Nos negócios 

 DA REDAÇÃO 

Reportagem de capa – seis páginas 

Edição de junho de 1997  

O movimento ainda está restrito a poucas empresas, considerando-se o universo brasileiro de empreendedores. Mas já é suficientemente numeroso para que se preparem holofotes que lhe dariam tratamento de estrela nos próximos tempos, sobretudo por causa do caráter excludente da globalização em que o mundo dos negócios se meteu. A inteligência espiritual ainda está longe da badalação que domina outro vetor de relacionamentos interpessoais e profissionais, a inteligência emocional, mas nem por isso deve ser desprezada. A cada dia novos missionários do espírito fortalecido somam-se àqueles que já dizem ter descoberto a espiritualidade como fonte indispensável entre equilíbrio racional e emocional. A flexibilidade do termo espiritualidade parece tão elástica quanto a potencialidade de a inteligência espiritual tornar-se tema obrigatório de quem busca resultados harmoniosos nos empreendimentos. O conteúdo religioso é realidade que não se pode esconder. E advém principalmente da explosão dos templos evangélicos no País. Só no Grande ABC, segundo especialista, o marquetólogo Durval Campinini, diretor do SMI, Sistema de Marketing em Igreja, com sede em Santo André, dobrou nos últimos 24 meses o número de templos. Massificação da palavra de Deus que tem o suporte dos evangélicos, cujas denominações ultrapassam três centenas. Há microigrejas espalhadas por todo Grande ABC. É uma febre que tem como vírus a mortífera combinação de estabilidade monetária e abertura das fronteiras às importações. Relacionar espiritualidade e religiosidade nos negócios é algo inquietantemente preocupante para a consultora Sônia Café. Extremamente cuidadosa sobre o assunto, ela ministrou recentemente a palestra Espiritualidade nos Negócios, na qual pela primeira vez no Brasil a palavra espiritualidade apareceu sem disfarces em evento público.  

 

Caímos na estrada da Internet  

para conhecer o mundo inteiro      

 ALEXANDRE SECCO 

Reportagem de Capa – sete páginas 

Edição de julho de 1997   

Se você é daquele tipo que despreza a tecnologia e acredita mais em caneta e papel do que em computador, esqueça este assunto e volte imediatamente a cuidar da vida. Deve haver uma pilha enorme de papéis esperando-o sobre a mesa. Aqui vai se falar de alguns entre os cerca de 400 mil internautas brasileiros que estão criando uma comunidade muito especial, que usa a tecnologia sem preconceitos para fazer negócios, namorar, discutir política e até interferir diretamente nas decisões do Poder Público. A Internet é feita com tecnologia de ponta, mas é usada por gente normal. Afinal, a rede é muito, muito simples: milhões de computadores ligados pelo telefone. Gente igualzinha a você, como aquele vizinho bom de papo ou aquela menina bonita do escritório, está na rede. É claro que a Internet também está coalhada de personalidades, digamos, mais especializadas. Nessa era da informática todo mundo tem um primo esquisitão que costuma usar com naturalidade uma lista sem fim de termos estranhos como java, browser, push, web casting, amazom.com, WWW, HTML, C++ e outros palavrões tecnológicos. Não é preciso entrar em pânico. Essa linguagem de experts serve pouco aos simples mortais. Ninguém precisa saber onde estão o rádio, o fêmur e o perônio para andar por aí. É bom ficar sabendo logo que cair na rede é questão de ligar o computador na tomada e o modem no computador. Mas que diabo é um modem!? Calma! Quem já viu um computador e sabe onde fica um botão normalmente denominado on, se nesse computador existe o tal do modem e se esse modem está ligado a um telefone… Shazam! A Internet está a um passo. Nesse mundo as coisas acontecem muito rápido. Tudo que se falava no mês passado sobre problemas técnicos e dificuldades de instalação não é mais verdade. Uma das coisas que explicam o surto da Internet — o Brasil é o segundo País nas Américas, depois do Peru, onde a rede mais cresce — é que o sistema tem se tornado simples. O negócio já está quase tão fácil como ver televisão. Por cerca de R$ 2 mil é possível comprar equipamento prontinho para surfar na rede que é só ligar na tomada mesmo. Esqueça de todas as bobagens sobre configurações e programações. É possível até comparar a Internet ao rádio e à televisão: fontes inesgotáveis de lazer e informação. Porém, o mundo da informática anda muito mais depressa. O tempo que a TV levou para ficar colorida é uma eternidade se comparado ao ritmo dos acontecimentos na Internet. Quem lida com computadores sabe que ontem mesmo a humanidade arrancava os cabelos na frente de programas baseados no sistema operacional DOS. Hoje, sob o Windows, o computador pode até entender a voz do dono. Outro detalhe importante é que a Internet não se resume a seu computador. Apenas se utiliza dele. Dessa forma, andar pela rede pode ser até mais fácil do que programar o videocassete. É questão de não se intimidar, de não julgar pelas aparências. É bem verdade que a maioria dos mortais sofre calafrios ao pensar em programar o vídeo para gravar a novela das sete na próxima quinta-feira. Em todo caso, não existe quem não conseguiu ligá-lo, ainda que isso tenha tomado a tarde de domingo.  

 

O voo da esperança 

 DANIEL LIMA  

Reportagem de Capa – seis páginas 

Edição de agosto de 1997 

Para entender o que acontece com a região depois do foguetório da definição dos 31 pontos prioritários do plano estratégico da Câmara do Grande ABC, inédita integração das comunidades empresarial, social e sindical, além de administrações públicas municipais e estadual, talvez a melhor sugestão seja a linguagem figurada. Supondo que o Grande ABC seja um avião já cansado de guerra, só restavam duas saídas: ou se deixava vencer pela fadiga do material, em forma de deserções industriais, vazio institucional e ausência de alternativas econômicas que agreguem valor, ou mobilizava passageiros, tripulantes e mecânicos para a troca da fuselagem desgastada, recondicionamento dos motores e elaboração de um plano de voo que o levasse a zonas de não-turbulência. A Câmara Regional representa a segunda hipótese. Mas isso não significa que os mais de 2,3 milhões de passageiros devam desapertar os cintos. A nova viagem está apenas começando e, a bem da verdade, o roteiro que aponta 31 embarques é apenas rascunho que tanto pode ser aperfeiçoado como virar sucata. Tudo depende do que vai acontecer de agora em diante com as novas reuniões. Na fase preliminar, que culminou com a aprovação das 31 propostas em concorridos encontros no auditório da Universidade Metodista de São Paulo, em São Bernardo, não houve maiores embates. Mas nada impede que daqui para frente se coloquem divergências conceituais à mesa de debates. A não ser, evidentemente, que o objetivo máximo desses encontros, que já se realizam há quatro meses e que envolvem mais de 300 participantes, muitos dos quais voluntários, seja a obtenção de um Acordo do Grande ABC que contemple unanimidades burras, dessas que harmonizam todas as divergências sem, entretanto, garantir soluções. Preliminarmente, a apuração das prioridades do Grande ABC é uma vitória da metropolização regional, da economia e da sensibilidade social. Jamais em toda história as administrações públicas dos sete Municípios se deram as mãos com tamanha intensidade. Mesmo com um prefeito recalcitrante como Luiz Tortorello, ausente nos dois dias de debates na Umesp mas representado pelo secretário de Finanças, o que se viu foi o entusiasmo de participação do Consórcio Intermunicipal liderado por Celso Daniel, prefeito de Santo André e sem exagero o grande condutor político regional. Também a sociedade civil se fez presente com entidades sociais, empresariais e sindicais. É verdade que predominaram na formulação provisória dos temas-eixos da Carta do Grande ABC que deverá estar pronta até setembro os agentes públicos, isto é, funcionários das Prefeituras, com disponibilidade de tempo remunerado e que acabaram dando o toque prevalecente de social em boa parte do grupo de propostas. Esse perfil deu certo tom de romantismo em vários dos pontos privilegiados no documento aprovado na Metodista, mas não lhe retirou a seriedade. Além disso, o governo do Estado e agora legalmente comandante da aeronave mais uma vez deu aval e colaboração. O próprio governador Mário Covas abriu o cerimonial na Umesp e cunhou uma expressão típica dos técnicos de futebol — “ganhar ou ganhar” — para sintetizar o que pensa sobre o futuro do Grande ABC. O secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, Emerson Kapaz, de novo bateu cartão na região. Nem poderia ser diferente, porque deu o pontapé de início desse jogo integracionista ao ser convidado pelo Fórum da Cidadania, em março do ano passado. Dalí em diante, liderou o processo pelo lado do governo estadual. Outro secretário estadual, Walter Barelli, do Emprego e Relações de Trabalho, também somou prestígio na Metodista. Até Fábio Feldmann, secretário de Meio Ambiente e motoqueiro que dribla o rodízio de veículos que ele próprio criou, fez rápido pronunciamento no dia do encerramento dos debates.



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