Entra ano, sai ano e o Grande ABC sofre a intervenção de estranhos no ninho que acreditam que o ninho que visitam ainda é a galinha dos ovos de ouro industrial. Agora foi a vez da secretaria estadual de Desenvolvimento Econômico Patrícia Ellen, nas páginas de Entrevista da Semana do Diário do Grande ABC. A autoestima regional foi anabolizada. Um efeito rápido, de subsequentes sequelas institucionais. Muitos poderão dar vazão à ilusão.
Alguém precisa apresentar à jovem secretária o Grande ABC de verdade. O que ela dispõe na papelada da secretaria são fake news ou interpretações caolhas. Seria muito bom se ela estivesse certa.
Nem mesmo em 1990, quando a revista LivreMercado foi lançada já denunciando a desindustrialização regional, a entrevista de hoje do Diário do Grande ABC teria respaldo fático. Já ali, 31 anos passados, havia fundas razões à preocupação dos sensatos.
O que disse a secretária
Como sempre faço em situações em que a fidelidade absoluta da informação é a fonte da segurança máxima à compreensão dos leitores, vou repassar alguns trechos da entrevista ao Diário, nos quais Patrícia Ellen trata especificamente da economia do Grande ABC.
Diário do Grande ABC -- Mudando de assunto, o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC tem se reunido com empresas para encaminhar demandas ao Estado. A partir disso, pode resultar em algum programa aqui para a região?
Patrícia Ellen -- Sem dúvida. Estamos trabalhando nisso neste momento. A reunião com o Consórcio foi um sucesso. Nós temos uma frente de trabalho organizada com todas as subsecretarias, exatamente para montar alguns programas específicos para a região. As demandas maiores são na área de tecnologia e nos setores vocacionados que temos na região. Nós fizemos um mapa de quais são as necessidades de qualificação através das escolas técnicas, Etecs e Fatecs e também estamos trabalhando no programa de atração de investimentos na região através da Investe-SP. (...) O Grande ABC, inclusive, é uma das regiões que concentram maior quantidade de polos de desenvolvimento econômico. Do total de 14, nós temos 11 polos que são muito fortes na região. Além dos principais, como metal-metalúrgico e máquinas e equipamentos, nós temos inclusive trabalhado, através do Consórcio, no desenvolvimento das potencialidades em outros, como o polo de biocombustíveis, de papel e celulose, têxtil, químico, entre outros.
Diário do Grande ABC -- O Grande ABC perdeu muitas indústrias ao longo dos anos. O exemplo clássico foi a Ford, que saiu de São Bernardo em 2019 e depois acabou saindo do País. O governo do Estado sempre atua nessas questões. No caso da GM, que também ameaçou sair do País, foi feito o Incentivauto, que beneficia toda a indústria automotiva, e a empresa voltou atrás. Mas, com a questão da Ford teve algumas conversas, que não evoluíram. Há alguma solução para esse problema da desindustrialização? Até porque, nós vemos o número de empregos da indústria diminuindo e o de serviços aumentando.
Patricia Ellen -- O primeiro ponto é a redefinição de desindustrialização. Antes de entrar no governo, eu era presidente de uma empresa de tecnologia e saúde e muito do que a gente fazia era visto como serviço e não como produto. Até um carro hoje tem muito serviço, então é um modelo que agrega cada vez mais serviços aos produtos. É uma tendência global. O que nós precisamos no Brasil, e esse é o cuidado que temos com os polos de desenvolvimento, é garantir que não percamos valor agregado na nossa economia, não tenhamos uma saída de indústrias para um modelo de precarização de uma cadeia de valor menos sofisticada. O caso da GM é sim muito importante. Não queremos perder uma empresa que vá para outro lugar fazer a mesma coisa. A gente quer manter ela aqui. Agora muitas empresas estão refazendo a sua estratégia global e revisando a sua matriz e nós temos que estar preparados para dar o próximo passo de agregação de valor. O trabalho que nós estamos fazendo, por exemplo, com o polo aeroespacial – e o Grande ABC tem uma vocação interessante nessa área –, também é aproveitar essas habilidades para a área de saúde, de biotecnologia, que a gente sabe que vai ter um crescimento muito grande. O trabalho que temos que fazer não é pensar em desindustrialização e migração de indústria para serviços, mas aumentar a complexidade da nossa cadeia produtiva investindo em novas tecnologias de ponta. Por isso que o investimento em ciência e tecnologia é tão importante.
Contrapontos importantes
Tudo que a secretária estadual disse a respeito do Clube dos Prefeitos (Consórcio Intermunicipal) tem limitações profundas à recuperação econômica do Grande ABC. São medidas tópicas, epidérmicas, sem consistência reestrutural necessária e indispensável.
Enquanto as autoridades econômicas locais e do Estado não entenderem que soldagens não conterão vazamentos de produção, a derrocada seguirá adiante.
Possivelmente a secretária estadual jamais encontrará a potência anunciada de que o Grande ABC conta com 11 dos 14 polos de desenvolvimento econômico anunciados.
Trata-se de filmagem antiga, velha, sem respaldo estatístico. Cada vez mais o Grande ABC sobrevive do setor automotivo e também do Polo Petroquímico.
O segundo gera muito Valor Adicionado, que a secretária chama de Valor Agregado, mas fermenta baixa empregabilidade na principal cadeia de produção. O primeiro vem perdendo espaço cada vez maior na geoeconomia nacional, tanto em termos relativos quanto absolutos.
PIB versus PIB
Ou seja, a desindustrialização que também atinge o setor automotivo é latente. Soma-se à desindustrialização de outras fontes de produção ao longo de décadas. E enxurrada ladeira abaixo.
Não custa lembrar que nos 19 anos já contabilizados deste século, a carga tributária do Grande ABC no enquadramento do PIB Público supera largamente o PIB Industrial, ou seja, o PIB bom. O PIB Público do Grande ABC é ruim porque avançou relativamente no PIB Geral (que abarca todas as atividades), enquanto o PIB Industrial desabou.
Em 1999, base de comparação do desempenho regional, o PIB Público do Grande ABC (impostos municipais) correspondia a 20,14% do PIB Industrial. Dezenove anos depois a participação do PIB Público subiu para 34,41% em relação ao PIB Industrial. Em termos percentuais o PIB Público avançou nominalmente (sem considerar a inflação) 318,30%, ante 145,85% do PIB Industrial. A inflação do período, de 321,09% segundo o IPCA do IBGE (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) foi muito superior ao desempenho industrial. E em paralelo com os impostos municipais.
Modelo defasado
Na mesma comparação, envolvendo o Estado de São Paulo como um todo nos mesmos 19 anos, de 2000 a 2018, os 565 municípios geraram em média PIB Público de 30,39% em relação ao PIB Industrial na fita de largada e chegou a 47,27% na chegada temporal. No confronto do PIB Público e do PIB Industrial do Estado no período, a vantagem é da média do conjunto de mais de 500 municípios: 50,94% ante 69,96% do Grande ABC.
A secretária estadual fala de um ideal para o Grande ABC que é inatingível se não houver ampla reestruturação do modelo industrial que faz água há muito tempo.
Há uma imensidão de obstáculos que não se resolvem, nem mesmo amenizam o quadro, em parcerias com escolas técnicas e assemelhadas. É impossível mudar o rumo da história sem planejamento regional de consultoria especializada em competitividade. Algo que a Secretaria Estadual do setor está longe de ser. Até porque jamais foi e também não tem vocação para tal. Estabelecer meritocracia acima de junções político-administrativas não é tarefa fácil.
Empreitada difícil
A relevância da indústria aeroespacial no Grande ABC, mencionada pela secretária estadual, é tão consistente quanto a plantação de mandioca em terreno lunar.
O que se plantou na região durante a Administração de Luiz Marinho foi um projeto de desenvolvimento de um setor que por variadas razões não encontrou respaldo efetivo. Tanto que não pode nem ser mencionado como suposto polo de atividade produtiva. É um sonho que se desfez na medida em que outras regiões do Estado, vocacionadas e organizadas à empreitada, consolidam poderio econômico.
A ativa secretaria estadual de Desenvolvimento Econômico poderia auxiliar Grande ABC na medida em que engrossasse o coro em defesa de um planejamento competitivo liderado por especialistas de consultorias consagradas. Que não estão em qualquer uma das ramificações industriais do governo do Estado, exceto na linha de benefícios fiscais. O Estado pensa e age diferentemente da iniciativa privada. É do DNA público.
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