Leio hoje no Diário do Grande ABC que o Shopping ABC está comemorando 25 anos de atividades. Não é bem assim. A troca de nome e novos proprietários não apagam a história que registra aquele conglomerado de lojas e de serviços como primeiro shopping do Grande ABC. E o primeiro shopping do Grande ABC a gente não esquece.
Seria uma aberração em todos os sentidos esquecer que o primeiro shopping a chegar ao Grande ABC se tornou vítima de esconderijo cronológico. Até porque, deixaria de ser o primeiro shopping. Outros chegaram logo depois.
Desde dezembro de 1987 o Shopping ABC, ex-Shopping Mappin, está instalado em Santo André.
Exatamente por conta das transformações sociais e econômicas que impactaram o Grande ABC ao longo dos tempos, mas principalmente nos anos 1990 de desindustrialização mais acelerada, o registro cronológico verdadeiro do primeiro shopping que a gente não esquece precisa ser reafirmado.
Passado importante
Não vou puxar a sardinha para a minha brasa, até porque a sardinha não é minha, tanto quanto a brasa. Mas participei dessa experiência do primeiro sutiã (melhor dizendo, shopping) naquele distante 1987. Trabalhava na sucursal da Agência Estado (que abastecia o jornal Estadão, o Jornal da Tarde e centenas de publicações no País) depois de ter deixado o Diário do Grande ABC após 15 anos.
Consta do arquivo de CapitalSocial aquela reportagem de dezembro de 1987 publicada pelo Estadão – e também uma reportagem complementar sobre os efeitos imediatos daquela inauguração, em fevereiro do ano seguinte. Faço questão de reproduzi-las logo em seguida porque há forte conexão.
Há alguns boçais que confundem memória com velhice. Fosse assim, a mídia em geral não daria espaços frequentes ao passado que precisa ser resgatado para que se compreenda o presente. Fosse assim, Ademir Medici, nosso emblemático e incansável devassador do passado, não seria o que é, ou seja, um jornalista que dispensa comentário. E legenda também.
Abalo geral
A derrocada dos centros comerciais convencionais em todos os municípios do Grande ABC, com cenários que lembram o terceiro-mundismo indiano, está aí para ser conferida.
A descentralização, a fragmentação e a subsistência de estabelecimentos rumo a bairros distintos é patente. Os shopping (juntamente com a chegada em massa de supermercados e agora de mercados de vizinhança com estrutura das grandes redes) revolucionaram o comércio de rua. E ganham de goleada.
O perfil de reprodução do que passou para o que precisa ser passado aos leitores no presente quando se trata deste site obedece à premissa de que há arrazoado histórico desta publicação, herdeira da revista de papel LivreMercado, cuja grandeza de elementos críticos não pode ser simplesmente descartada.
Mais que isso: precisa sim e vai continuar sim a ser capturada. Inclusive como método de aprendizagem a todos que se importam com os terrenos arrasados na geografia econômica.
Seguinte do seguinte
Mostar como foi a inauguração do então Shopping Mappin e o dia seguinte no sentido da matéria seguinte, de fevereiro do ano seguinte, é, portanto, uma questão de comprometimento social desta publicação.
Afinal, o que está ali nas linhas que produzi numa sucursal de uma grande mídia nacional é também o aprofundamento do ambiente regional naquele período.
Os textos que constam de CapitalSocial, fruto do trabalho deste jornalista e das equipes com as quais atuou, são textos que vão muito além do fastfoodianismo de registros inodoros. É análise embutida em forma de informação.
Quem prefere jornalismo que se esgota no dia seguinte e vira objeto de limpeza de tantas coisas, muitas coisas inclusive que refletem indigência cultural, deve clicar em outra freguesia.
Privada, não!
Não se trata de uma sentença editorial supostamente arrogante. É uma defesa prévia contra aqueles que, à falta de qualquer coisa, de tempo ou de disposição a sair da superficialidade, procuram desdenhar o que recebe de graça. São raros, claro.
E mesmo que fossem muitos, nada alteraria uma rota de encaixe editorial ancorada nas principais e mais respeitadas mídias internacionais.
Jornalismo que vai para a privada no dia seguinte jamais foi nossa praia. E jamais será.
Daí, reforço a importância de observar como foi ia chegada do primeiro shopping no Grande ABC, há 34 anos que se completarão em dezembro próximo, não os 25 comemorados pelo Shopping ABC por conta de prováveis condicionantes de ordem legal.
Afinal, se no futebol o São Paulo Futebol Clube faz do antecessor Floresta manjedoura da grandeza esportiva, se na mídia marcas e gestores foram alterados, como no caso do próprio Estadão, entre tantos, e se em tantas outras atividades o ontem é o carregamento do hoje, porque ao se tratar de primeiro shopping eu iria descartar a experiência de ter vivido aquelas emoções?
Tudo isso colocado, vamos reproduzir, portanto, o texto que escrevi para o Estadão e tantos outros jornais da Agência Estado naquele dois de dezembro de 1987 sob o título “Um Morumbi quase lotado para conhecer o primeiro shopping”. Mais abaixo, trato do segundo texto, complementar ao que se segue.
Quase um Morumbi lotado marcou a inauguração do Mappin Shopping ABC e, depois disso, diariamente, mais que um Pacaembu igualmente lotado passa pelas escadas rolantes do empreendimento que está revolucionando o setor de comércio e de serviços do ABC Paulista, região de dois milhões de habitantes e renda familiar média estimada em 7,5 salários mínimos/mês. As 100 mil pessoas que literalmente invadiram o Mappin Shopping ABC e as 60 mil que diariamente percorrem os 56 mil metros quadrados construídos fazem a alegria da diretoria da empresa. Afinal, trata-se da consagração de um meticuloso plano de expansão que tem como elemento socioeconômico da região, mas o divisor de águas que certamente inserirá a área comercial e de serviços do ABC num patamar mais moderno.
Mais inauguração
Se para a direção do Mappin os impactos iniciais da instalação de sua primeira loja de departamentos fora da Capital, tendo na orbita mais 44 lojas de terceiros, confirma todos os estudos de viabilidade desse projeto de US$ 50 milhões, para os centros comerciais tradicionais das sete cidades do ABC sobraram estilhaços. Fala-se em canibalismo comercial, tal a força de atração do Mappin Shopping ABC. Em Santo André, grupo de comerciantes já se movimenta para formar associação de classe para traçar estratégias de reconquista de consumidores que o glamour do Mappin levou.
Mais inauguração
Sérgio Orciuolo, gerente de marketing do Mappin, não vê motivos para desespero da concorrência. Pelo contrário. Prevê completa reformulação nas áreas comerciais tradicionais como fórmula de aumento da demanda de consumidores. Tal qual ocorreu no Itaim que, em 1984, ganhou a então quarta loja Mappin e, a partir daí, transformou-se num disputadíssimo centro de compras, com moderno portfólio de produtos. Tão disputado que o Mappin decidiu que, já em 1988, erguerá um novo shopping na área contigua à loja de departamentos. Investidores não faltam. Antes mesmo de Santo André transformar-se no sucesso que é.
Mais inauguração
O Mappin já faz as contas sobre as receitas em Santo André e os resultados são animadores. A loja já fatura perto de 80% do Mappin Itaim, a segunda do ranking, atrás da unidade da Praça Ramos. A previsão é que, passado o período de maturação, naturalmente de dois a três anos, o Mappin ABC avançará para o segundo posto, já que o estrato social dessa região de mais de cinco mil indústrias e quase 30 mil lojas comerciais é saudável mistura do público-alvo do Mappin Praça Ramos (classes C e D), com o Mappin Itaim (classes A e B).As lojas-ancora também participam do banquete do Mappin Shopping ABC, apesar de a produtividade de tráfego ser naturalmente baixa, dado o efeito novidade que consagra qualquer grande inauguração. Isto é: o índice de compra em relação à movimentação popular está aquém da média, o que será corrigido quando a intenção de compra prevalecer – raciocina Leonardo Kurcis, coordenador de projetos de expansão do Mappin.
Mais inauguração
Mesmo assim, quem mais está ganhando com a incessante lotação das escadas rolantes são as sete lojas destinadas à alimentação. Segundo Kurcis, a primeira semana foi suficiente par garantir o aluguel mínimo estabelecido em contrato. Um verdadeiro fenômeno, mesmo levando-se em conta que a maturação desse tipo de serviço é quase imediata. Diferentemente de bens de uso pessoal, de semiduráveis e duráveis que, nessa ordem, atingem em até três anos as metas pré-estabelecidas de comercialização. Todo o projeto de comunicação concebido por Sérgio Orciuolo para tornar a presença do Mappin no ABC Paulista acontecimento histórico será cuidadosamente complementado com constante busca de novidades, tendo a participação popular como força motriz.
Mais inauguração
A chegada do Mappin foi cientificamente preparada a partir de junho último com a realização de shows musicais obedecendo a figurinos sociais ou circunstanciais. Na modesta Diadema, por exemplo, promoveu-se um show na Praça Central com uma dupla sertaneja – Tonico e Tinoco – e também com Sérgio Reis, aplaudido por 20 mil pessoas. Em Santo André, um público jovem de 35 mil pessoas levou agasalhos e muita animação para ouvir Sandra de Sá e Capital Inicial, Beto Guedes e Titãs. No classe-média Clube Atlético Aramaçan, em Santo André, Ney Matogrosso foi o destaque em uma noite de sábado. No mesmo Aramaçan, a fina flor da sociedade do ABC participou de um chá beneficente. O Dia das Crianças, em São Bernardo, foi barulhentamente comandado por Sérgio Malandro. “Com essa programação, criamos o clima desejado para que o interesse e a aceitação da marca Mappin se consolidassem de vez” – lembra Orciuolo.
Mais inauguração
Agora inicia-se a segunda etapa, adaptada do esquema que deu certo no Mappin Itaim: o aproveitamento de áreas internas e externas para a realização de shows e eventos musicais, além de competições esportivas inicialmente destinadas a colegiais. Sem contar as audições clássicas nostálgicas de piano das 12 às 14 horas e das 19 às 24 horas. No saguão do Mappin, oferecendo apoio logístico especial para as lojas de alimentação, atingindo diferentes consumidores, como os executivos do meio dia e os casais e familiares da noite. As crianças têm playground à disposição e, a partir da semana que vem, quando o clima de Natal estará definitivamente instalado, uma fábrica de brinquedos com personagens da época estará em plena atividade, “Produzindo em cores e ao vivo”, como diz Sérgio Orciuolo, muitos itens que vão embasbacar a petizada. Para não frustrar a expectativa, sorteios de hora em hora vão assegurar a distribuição de produtos dessa inovadora fábrica.
Mais inauguração
Renato Ciorlia Filho, gerente de planejamento do Mappin, considera “um grande achado” o enraizamento da empresa no ABC Paulista. O Mappin ABC, percebe-se claramente, virou a menina dos olhos da diretoria executiva. Nem poderia ser diferente, porque além de ser pioneiro no setor de shopping o empreendimento materializa a experiência de 74 anos de atividades no setor varejista. Especialmente o Mappin ABC, distribuído em três pisos, coloca-se ao nível das melhores lojas de departamentos do mundo. A atualização do projeto tratou dos mínimos detalhes. Para exemplificar, enquanto os pisos são particularizados por produto, “tornando o ambiente de acordo com a casa do cidadão”, como diz Leonardo Kurcis, o teto ganhou um milagroso forro que, ao compactar o ambiente impede a dispersão de visão.
Agora, o dia seguinte
Para completar, resgato o texto que preparei para o Estadão e a rede de mídias da Agência Estado naquele 23 de fevereiro de 1998 (portanto há mais de 33 anos) e que tratou do que chamaria do dia seguinte à inauguração do primeiro shopping no Grande ABC, sob o título “Comércio vive nova fase de impactos”. É imperdível.
O setor comercial do ABC Paulista já não é mais o mesmo. Um misto de deslumbramento e susto modificou essa região de dois milhões de habitantes e o quarto potencial de consumo do País, atrás apenas de São Paulo, Rio e Belo Horizonte. O deslumbramento é da população, depois que, nos últimos meses, se instalaram em Santo André e em São Bernardo do Campo o Mappin Shopping ABC, o ABC Shopping Center e duas lojas do grupo McDonald’s e que, nesta quinta-feira, festejará a inauguração de uma loja Eldorado — um amplo hipermercado e um grande magazine. A constatação de que o ABC deixou o provincianismo no setor é o motivo do susto dos comerciantes tradicionais que acompanham atônitos o esvaziamento de tradicionais pontos comerciais.
Mais dia seguinte
Enquanto os novos empreendimentos dão sinais de vitalidade em pleno período de crise, a ponto de a loja Mappin ter desprezado os indicadores econômicos de retração e registrar o faturamento previsto para o período de normalidade, os varejistas mais antigos do ABC Paulista já se mobilizam. Eles buscam alternativas para recuperar consumidores conquistados pelos dois novos centros planejados de compra e pelas sempre disputadíssimas lojas do McDonald’s. Leonardo Kurcis, coordenador de projetos de expansão do Mappin, não vê motivos para desespero. Experiente, acredita que a deslocação do eixo comercial para novas áreas não provocará evasões insuperáveis nos redutos antigos. Mas não será por preocupação com o futuro de corredores comerciais tradicionais que o Mappin deixará de investir na loja de departamentos e no shopping construído quase na divisa de Santo André e São Bernardo.
Mais dia seguinte
Pelo contrário: os resultados de vendas (mantidos em segredo) indicam que há demanda reprimida no setor de lazer e recreação. Por isso, dentro de seis meses o centro de compras deverá comportar duas salas de cinema e áreas reservadas para prática de boliche e pista de patinação. Até mesmo sala de teatro integra os planos de expansão. O Mappin Shopping ABC vai entrar para história do ABC Paulista como o detonador das transformações que já vislumbram. Além de ter despertado investimentos de outros grupos, o Mappin Shopping ABC provocou inesperado aquecimento no setor imobiliário. A tendência à verticalização é pronunciada.
Mais dia seguinte
O metro quadrado nas regiões próximas ao Mappin, ao Eldorado, ao ABC Shopping Center, saltou de preço. O presidente da Associação Comercial e Industrial de Santo André (Acisa), Tite Girelli, destaca o fato como relevante: “Já que a especulação do mercado financeiro não conseguiu paralisar inteiramente o ABC”. Girelli é um dos empresários preocupados com estratégias que fortaleçam o setor comercial do ABC. “O Mappin trouxe para cá mais que a consolidação de sua tradição e de sua força de venda, mas a necessidade de os comerciantes locais prepararem-se para a competição”.
Mais dia seguinte
Por enquanto, a preparação está apenas na retórica. Comerciantes da Rua Oliveira Lima (o principal corredor comercial de Santo André) da Marechal Deodoro (o polo comercial convencional mais vigoroso de São Bernardo) e das vizinhas cidades Diadema, Mauá e São Caetano, buscam saídas para a nova concorrência instalada. As vendas caíram perto de 50% em janeiro, segundo dados da Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Mauá e da Associação Comercial e Industrial de Diadema. Além da concorrência mais organizada e de maior poder de marketing, pesou sobremaneira no faturamento das empresas a tendência popular de se gastar o mínimo possível nesse período de inflação elevada e poupança rentável.
Mais dia seguinte
A intensa campanha de inauguração e de sustentação do Mappin no ABC atrai também grande número de consumidores da Zona Leste da Capital. Pesquisas do próprio Mappin, com base nas chapas de veículos estacionados em suas áreas, indicam que o público-alvo extrapola os 2,5 milhões do ABC. E a perspectiva é de que o comércio planejado do ABC vai atingir outras áreas quando o sistema de trólebus e o anel viário da Grande São Paulo estiverem completos. Foi exatamente por acreditar nessas variantes que a Lopes Consultoria de Imóveis decidiu instalar-se ano passado em São Bernardo, invadindo um território imobiliário até então exclusivo de empresas regionais.
Mais dia seguinte
Se o poder de fogo do Mappin Shopping ABC e também do McDonald’s foi capaz de convulsionar o mercado comercial do ABC, a expectativa é de que a partir desta quinta-feira o também poderoso grupo Eldorado colocará a região ainda mais nítida no foco de atração. Se os pequenos e médios comerciantes instalados em corredores convencionais estão perdendo com as novidades, há quem pegue a carona dos empreendimentos para aumentar vendas. É o caso do Center Shop São Bernardo, inaugurado há seis anos numa das extremidades da Avenida Pereira Barreto, a via de ligação entre Santo André e São Bernardo onde o Mappin e o Eldorado estão construídos.
Mais dia seguinte
Primeiro centro planejado de compras do ABC, o Center Shop São Bernardo, com 59 lojas, temia pelos novos vizinhos. Tanto que procurou o combate publicitário, anunciando para valer no mesmo período da campanha de inauguração do Mappin. Três meses depois, segundo José Sérgio Medina Braga, administrador contratado pela Norcenco, proprietária do shopping, os resultados dos lojistas entusiasma. Aumentou a frequência de consumidores em pelo menos 30%. “Foi só um susto imaginar que perderíamos com o Mappin. Estamos mais vivos do que antes” – afirma o administrador.
Mais dia seguinte
Também o recém-inaugurado ABC Shopping Center, em São Bernardo do Campo, próximo ao Km 18 da Via Anchieta, a mil metros do Center Shop São Bernardo e a dois mil metros do Eldorado, faturam em cima da explosão comercial dos centros planejados de compras no ABC. Os 150 lojistas estão atravessando estes tempos de crise sem acusar as mesmas baixas do comércio convencional. Dois cinemas, pequenas áreas de lazer e lojas bem-dispostas e em pleno período de promoções de vendas asseguram movimento intenso, principalmente à noite e aos fins de semana.
Total de 1894 matérias | Página 1
21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?