O Grande ABC do emblemático 11 de Setembro norte-americano é um Grande ABC de um 11 de Setembro praticamente eterno, a partir dos anos 1980. Há acumulado de macroproblemas que formam o que chamaria de Sete Torres da Perdição, de tamanhos e dimensões diferentes entre si mas todas de valor agregado destruidor. Somos um 11 de Setembro sem freios.
A diferença maior em relação ao 11 de setembro original, das Torres Gêmeas, é que a gravidade regional não chama a atenção externa porque somos um grão de areia no mapa-múndi socioeconômico. Para piorar a situação, internamente subestimamos as causas e os efeitos. Somos uma província que renunciou à realidade dos fatos históricos.
As Sete Torres da Perdição de um outrora Grande ABC pujante, rico, de intensa mobilidade social, referência de dinamismo econômico, esses emblemáticos monumentos metafóricos são consequências de uma engrenagem insidiosa que a mídia em geral, local e nacional, ignora. Mais que isso: presa ao passado do desconhecimento e ao presente de interesses inconfessos, chega até mesmo a aplaudir.
Vou ser breve entre outras razões porque os leitores mais assíduos de CapitalSocial e também de LivreMercado, ou seja, de mais de três décadas contínuas de análises, têm conhecimento amplo.
Torres da Perdição
Os mais novos consumidores dessas informações, entretanto, precisam se atualizar. Até mesmo para entenderem, entre outros pontos, que fracassos individuais numa terra em permanente esfacelamento econômico é o resultado lógico de um regime em que a meritocracia resiste de forma reticente, desafiadora.
Veja quais são as Sete Torres da Perdição do Grande ABC:
1. Movimento Sindical.
2. Guerra Fiscal.
3. Doença Holandesa Automotiva.
4. Abertura Econômica.
5. Assassinato de Celso Daniel.
6. Trecho Sul do Rodoanel.
7. Complexo de Gata Borralheira.
Fica a critério do leitor construir a hierarquia de valoração dos quesitos listados. Já expressei opinião respaldada por números que o Movimento Sindical está na raiz da Sete Torres da Perdição. Mas seria injustiça, burrice e estupidez desprezar ou mitigar os demais vetores.
Há um imbricamento natural que coloca as sete torres em forma de um condomínio de explicações. Só existiria uma aberração maior que desprezar os sete pontos listados: acreditar que um, qualquer um, pode ser descartado.
Os acadêmicos socialistas de meia tigela retiram o movimento sindical da relação. São loucos varridos. Goste-se ou não, as reivindicações mais que justas e os exageros mais que comprovados estão na origem histórica e nos desdobramentos das iniciativas trabalhistas.
Vamos então a brevíssimo comentário sobre cada uma das Torres de Perdição do Grande ABC:
MOVIMENTO SINDICAL
Disparado o tiro da revolta sindical no fim dos anos 1970, com o então operário Lula da Silva e seus seguidores, o Grande ABC passou a viver dualidade muitas vezes subestimada: a contraface da busca de dignidade principalmente no chão de fábrica foi a violência retórica e prática no mesmo chão de fábrica. As hostilidades ao capital não foram circunstanciais. O sindicalismo de uma CUT que emergiu em seguida foi durante muito tempo ferramenta ideológica de confronto. Não é preciso fixar juízo de valor sobre o movimento instaurado. Há fatores positivos e negativos no campo estritamente econômico corporativo, mas a pregação era mesmo anticapitalista. Basta lembrar que outros territórios, menos sindicalizados, passaram a usufruir de vantagem comparativa à atração de empresas industriais. Pagamos o preço salgadíssimo da desindustrialização ditado pela competitividade espacial.
GUERRA FISCAL
A guerra fiscal entre municípios e Estados, incentivada inclusive pelo governo paulista, explodiu praticamente na mesma raia do sindicalismo bravio do Grande ABC. A competição se tornou insana. O pioneirismo industrial tornou-se desvantagem para o Grande ABC. O passivo de beligerância dos trabalhadores incentivados pelo sindicalismo não se sustentou como compensação à qualidade da mão de obra superior. O tempo provaria que o Grande ABC já não detinha mais a liderança no ranking de produtividade do trabalhador. Distante disso. Os investimentos direcionados especialmente às regiões de Campinas, Sorocaba e São José dos Campos atraíram mais tecnologia e mais gente qualificada em treinamento. A cultura industrial do Grande ABC se tornou menos relevante na equação final, porque carregava a contaminação sindical.
ABERTURA ECONÔMICA
A Abertura econômica a partir do governo Fernando Collor de Mello, mas sobretudo no período pós-Plano Real, com a chegada do tucano Fernando Henrique Cardoso em Brasília, determinou a pá de cal a qualquer tentativa de recuperação econômica do Grande ABC. Mais que isso: afundou de vez as perspectivas. Pequenas e médias industrias familiares foram dizimadas por Fernando Henrique Cardoso. Um custo altíssimo de uma política industrial que privilegiou o capital estrangeiro das montadoras de veículos. O Grande ABC perdeu 100 mil empregos industriais nos anos 1990. Desse total, 80% durante os anos de FHC. O desmonte da estrutura industrial do Grande ABC atingiu em cheio o setor automotivo.
ASSASSINATO DE CELSO DANIEL
O 20 de janeiro de 2002 marcou o assassinato do prefeito Celso Daniel. A regionalidade que o petista construiu até onde foi possível abriu uma longeva trajetória de desmonte generalizado. Antes mesmo de morrer Celso Daniel sentiu na pele a dificuldade de amarrar as pontas desiguais e especificas de sete municípios que insistem em fingir que estão unidos. O espírito de regionalidade acima de paixões políticas e partidárias inspirou alguns adeptos, mas a massa de supostos formadores de opinião e tomadores de decisão é cada vez mais negligente. O municipalismo improdutivo prevalece. Há na praça, desde sempre, vigaristas que se autointitulam regionalistas. Não passam de usurpadores dos ideais de um Grande ABC rompedor de preconceitos e privilégios municipalistas. São espertalhões políticos e partidários premiados por uma mídia regional ignorante em economia e em sociologia.
COMPLEXO DE GATA BORRALHEIRA
Se do ponto de vista político, econômico e social o Grande ABC não encontra barreiras para seguir uma rota de fragilização indomável, o Complexo de Gata Borralheira age como amálgama. O contraditório sentimento de grandeza regional associado à periferia cultural e econômica da vizinha Capital embala o berço da inação continuada. Como se não bastasse, o advento de novas tecnologias de comunicação arrebenta para valer com muitos dos valores subjacentes e em degringolada da identidade municipal e regional. Quem tem acesso às redes sociais pode observar como a incidência de questões locais é infinitamente inferior às estaduais e nacionais. O gataborralheirismo de outros tempos era um sentimento regional menos insidioso, porque dividia o peso de uma dupla personalidade com a Capital do Estado. Agora, aplicativos ao alcance da mão, o gataborralheirismo é asfixiante. Vale mais um assalto em Araçatuba do que roubalheiras locais dos bandidos sociais conhecidos de todos.
TRECHO SUL DO RODOANEL
Saudado como a salvação da lavoura econômica da região, o Trecho Sul do Rodoanel se configura desde a inauguração, no início dos anos 2010, como extensão da predominante riqueza que se desloca ao entorno do Trecho Oeste, formado pela Grande Osasco. Os indicadores econômicos pós-inauguração dos dois trechos, exaustivamente mostrados aqui, revelam sequência de reveses do Grande ABC. São derrotas contundentes. A transferência de empresas industriais e de serviços também em direção à vizinha Barueri tornou o Grande ABC ponto desprezível a novos investimentos. O traçado do Rodoanel é um convite à deserção regional. Nossa logística interna, atenuada apenas agora em São Bernardo com obras do prefeito Orlando Morando, é uma afronta à competitividade econômica. Estamos encalacrados.
DOENÇA HOLANDESA AUTOMOTIVA
A excessiva dependência econômica do setor automotivo fez do Grande ABC do passado um ponto fora da curva de Desenvolvimento Econômico num País sempre a patinar. Mas o tempo tratou de transformar o que era ativo em passivo. A descentralização da atividade a partir dos anos 1990, sempre com a guerra fiscal a incentivar distorções, gerou enfraquecimento sem paradeiro. O setor automotivo representa algo como 50% do PIB Industrial do Grande ABC (os números são especulativos, porque faltam estudos aprofundados), mas não passa de 10% (agora medidos) do mercado nacional. A Doença Holandesa Automotiva impacta sobretudo São Bernardo e Diadema, mas se espalha aos demais municípios da região. Quanto mais sofre as durezas dos prélios nacionais, mais o Grande ABC se vulnerabiliza domesticamente. A retirada da Ford é café pequeno: ao longo de 40 anos o Grande ABC perdeu o equivalente a quase duas dezenas de fábricas da multinacional norte-americana em empregos formais. A desindustrialização da região não encontra barreiras.
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