Economia

Emprego é o maior desafio
de São Bernardo neste século

DANIEL LIMA - 08/02/2022

Uma marca famosa e respeitável como a da FGV (Fundação Getúlio Vargas) pode encantar o provincianismo do Grande ABC, mas não passa pelo crivo de quem escreveu “Complexo de Gata Borralheira” há 20 anos que se completarão em abril próximo. Já são duas décadas e tudo se agravou. 

A projeção de que São Bernardo poderia contar com até 230 mil novos empregos nesta temporada é digna de uma das maiores lorotas do século. Nem valeria a pena ser destrinchada. Mas o faremos por dever de ofício.  

Assim caminha a humanidade e o humanismo. Tratar bem a informação, indo além do fastfoodismo, é uma obrigação que se impõe entre as cláusulas pétreas desta publicação.  

GESTÃO E COMPETIÇÃO  

É preciso separar as coisas para que uma coisa (potencial de emprego) e outra coisa (gestão do prefeito Orlando Morando) não sejam atiradas no mesmo balaio de gatos de contradições. A conexão automática entre uma coisa e outra precisa ser relativizada. E devidamente esquadrinhada. Sob pena de se cometerem injustiças avaliativas.  

A criação ou a potencialização de novos 230 mil empregos em São Bernardo não se converterá em realidade nos próximos 100 anos, quanto mais num único ano, este ano da graça de 2002. 

A gestão do prefeito Morando tem tudo para ficar na história da administração pública do Grande ABC como o equivalente ao regionalismo implementado pelo prefeito Celso Daniel nos últimos anos da década de 1990. Ou seja: Orlando Morando, na toada em que vai indo, será o Celso Daniel da Infraestrutura Econômica.   

O andar da carruagem do emprego com carteira assinada em São Bernardo (como de resto no Grande ABC) tem estado mais para marcha fúnebre. Ano após anos, com alguns ciclos muito breves de recuperações parciais, o estoque de emprego cai permanentemente.  

ESTOQUE DECIDE  

Estoque de emprego é o que deve servir de marcador da quantidade de carteiras assinadas em qualquer endereço. É o que se obtém ao longo dos anos, com contratações e dispensas. A variação anual para baixo ou para cima dá ideia circunstancial do que ocorreu na temporada. Comparações que levem em conta uma linha de tempo mais longa fazem a diferença a análises.   

Então, chegamos onde pretendíamos. A linha de tempo (e de estoque de emprego formal) é inteiramente desfavorável a São Bernardo.  

Não há condições técnicas e ambientais de negócios para um salto que chamaria de extravagante. Tampouco discreto.  

A Fundação Getúlio Vargas faz relações públicas com coisa séria. O que não condiz com a história de instituição mais que preparada para decifrar o mundo econômico. 

São Bernardo não gerará nem em um século inteiro a quantidade de empregos projetada pela Fundação Getúlio Vargas para este ano. Não existe milagre. 

O estoque de emprego formal de São Bernardo em dezembro de 2020 chegava a 246.846 profissionais em todas as áreas. Anotaram o número? Como praticamente dobrar o que vem lá de trás, cumulativamente? 

DÉCADAS DE CONSTRUÇÃO  

Décadas e décadas de construção do tecido econômico no campo de postos de trabalho não seriam sintetizadas numa temporada. Tampouco em dezenas de temporadas nestes novos tempos em que emprego é uma raridade por causa de, entre outros pontos, novos modelos tecnológicos de inserção no mercado de trabalho.  

Um balanço dos últimos sete anos do emprego com carteira assinada em São Bernardo (de janeiro de 2015 a dezembro de 2020) dá a exata dimensão da lorota que ganhou manchetes e manchetíssimas de jornais e revistas desde o fim do ano passado.  

Nesse período de sete anos São Bernardo acumula a perda líquida de 40.219 postos de trabalho em todos os setores. Repito: 40.219.  

QUEDA PERMANENTE  

A participação do emprego industrial no emprego geral de São Bernardo nos sete anos aludidos caiu de 32,12% para 27,81%. Ou seja: quase cinco pontos percentuais. Eram 92.211 trabalhadores industriais em dezembro de 2014 e passou para 68.641 trabalhadores em dezembro de 2020. Perda líquida de 23.570 postos de trabalho no setor – ou 58,60% do total de baixas gerais no período. 

Traduzindo esses números: São Bernardo sentiu em sete anos a queda brutal do emprego industrial, que gera mais riqueza. Tanto gera mais riqueza que em dezembro de 2020 a média salarial do setor registrava R$ 5.896,10, enquanto a média geral, incluindo-se o setor industrial, não passava de R$ 3.869,27. Uma diferença de 34,37%. Não é pouca coisa. 

A mudança da matriz de emprego formal em São Bernardo foi acentuada nesses sete anos. A Capital Econômica da região ainda resiste bravamente na atividade industrial, mas perde tônus a cada temporada.  

Em 2014, do total de empregos formais, 42,13% tinham digitais na área de Serviços. Em dezembro de 2020 passou para 44,35%. Parece pouca a diferença, mas é muita porque também a atividade foi duramente atingida pela recessão dilmista e a estagnação temerista e bolsonaristas que se seguiram.  

PERDAS ECONOMICAS  

A dinheirama que deixou de ser contabilizada pela força de trabalho (e de desemprego) em São Bernardo nos sete anos a que recorro é mais que inquietante.  

Atualizando-se os valores a dezembro de 2020 pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a massa salarial em São Bernardo era R$ 301.456 milhões abaixo da registrada em dezembro de 2014. Uma comparação ponta a ponta, portanto.  

No intermeio, ou seja, entre os 84 meses cambiáveis entre si, o estouro da boiada da debilitação da massa salarial ganha números estratosféricos. Números que imporiam horas e horas de cálculos. Seria necessário, para a definição mês a mês do período, que se elaborasse planilha complexa. 

Sabe-se que no ano que acabou de acabar São Bernardo recuperou perto de 15 mil empregos formais perdidos, ou seja, foram recolocados no estoque histórico. Teremos detalhes sobre a qualidade e a quantidade desses postos de trabalho apenas nos próximos meses, quando o Ministério do Trabalho e do Emprego divulgar oficialmente os dados.  

A reação se deu principalmente em setores menos nobres. A indústria promoveu contratações em nível inferior à participação relativa no estoque geral. 

CELSO DANIEL DA INFRA 

Agora quem entra em campo e de forma breve é a gestão de Orlando Morando. Sem dúvida, candidatíssimo a maior prefeito em infraestrutura econômica na história do Grande ABC.  

Orlando Morando está produzindo obras viscerais à competitividade econômica de São Bernardo porque mexem com todo o emaranhado logístico comprovadamente comprometedor. 

Por mais que faça e é preciso que faça bastante para corrigir descuidos dos antecessores, Orlando Morando sabe que a concorrência é cruel.  

A Grande Osasco, que inclui Barueri, e a Grande Guarulhos, que ganhará o reforço do traçado Norte do Rodoanel, são impiedosamente mais qualificadas à atração de investimentos.  

ADVERSÁRIOS FORTES  

No caso da Grande Osasco, já está mais que comprovado com os dados deste século, que foi e continua sendo beneficiadíssima pelo trecho Oeste do Rodoanel. O trecho Sul foi um presente de grego para o Grande ABC.  

Talvez o maior feito de Orlando Morando à frente da Prefeitura de São Bernardo ao fim de dois mandatos seja ter contragolpeado o processo de liquidação do setor industrial e garantido posição de resistência consistente.  

Teria obtido mais resultados positivos se aliasse à capacidade gerencial de definir e construir artérias essenciais a essa mesma resistência uma equipe de planejamento econômico reestruturante. A Fundação Getúlio Vargas tem cacife para tanto. Menos como prestidigitadora de empregos. 



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