Economia

Entusiasmo exagerado com
os investimentos na região

DANIEL LIMA - 17/02/2022

A fome pantagruélica de buscar nacos de alguma coisa, de qualquer coisa, para dourar a pílula econômica do Grande ABC vem do passado e se manifesta sempre em declarações de oportunistas de plantão. Basta dar uma brecha, qualquer brecha, e lá estará o propagador de milagres saído de laboratórios de marqueteiros irresponsáveis.  

Nem tudo que parece ouro nos valores de investimentos privados no Grande ABC é ouro de fato – muitas vezes são porções de areia movediça que se acrescentam às camadas já postas. Tampouco investimentos públicos mudam a roda do destino, também na maioria dos anúncios.  

Vou mais longe: observados detalhadamente, os investimentos são fontes de preocupação. Nem sempre são o que parecem ser, mesmo que sejam o que parecem ser em algumas tonalidades e especificidades. 

DIREÇÕES ERRÁTICAS  

Completamente à deriva como território supostamente único, porque é isso que se explicita na expressão “Grande ABC”, os sete municípios locais trafegam tropegamente em direções individuais erráticas quando se trata do pote de ouro chamado Economia.  

O último e único timoneiro que tentou colocar a embarcação em ordem unida de adaptação aos novos tempos que chegaram e se tornaram mais dolorosos foi Celso Daniel. O petista criou instâncias regionais que os sucessores desprezaram mas que a mídia, quando tem interesse político, exalta como poção milagrosa.  

Na verdade, verdade verdadeira, todos seguem o mesmo figurino de improvisação e de reação mal-ajambrada. Não há planejamento que saia das digitais próprias.  

SÓ INFRAESTRUTURA  

Nesse caso, a exceção do ponto de vista de infraestrutura logística é o prefeito Orlando Morando, de São Bernardo. Mas logística tem limitações. Muitas limitações como ingrediente de transformações viscerais.   

Ainda não substituíram o cérebro humano e o arsenal de conhecimentos que os especialistas detêm como matriz de organização, planejamento e iniciativas.  

No caso dos investimentos privados, são todos ações exógenas, ou seja, de fora para dentro e praticamente sem a intermediação dos municípios. Não existe nenhuma força-tarefa regional destinada a colocar ordem na casa de informações estatísticas.   

Quanto muito, acerta-se uma quebra de imposto aqui, outra ali, uma obra nas proximidades, essas coisas. Planejamento estratégico, nem pensar.  

Vamos direto ao caso da flexibilidade do conceito de investimentos produtivos no Grande ABC.  

Em recente balanço do Clube dos Prefeitos, ficção da ficção chamada Grande ABC, detectou-se que a maioria dos dinheiros em obras, tecnologias, processos e tudo que possa ser empacotado como inversões nas plantas industriais, foi diretamente para as montadoras de veículos.  

E no outro lado, de comércio e serviços, dos conglomerados de mercadistas, quando não de centros logísticos que ocupam antigas áreas industriais.  

DISTORCENDO VISÕES  

Essa análise está menos preocupada com os valores monetários em si e mais com conceitos. Até porque valores monetários sem comparativos com outros municípios e regiões são valores monetários vazios.  

O que separa os casos de investimentos produtivos, ou seja, no setor industrial, no Grande ABC e na quase totalidade dos municípios paulistas (há uma agência estadual que contabiliza esses dados, mas as informações são deficientes) é algo como água e óleo. 

Vou explicar: no Grande ABC, as montadoras e grandes autopeças investem para aumentar a produtividade dos fatores. E empresas mais produtivas têm entre as características de transformações a redução do quadro efetivo de trabalhadores.  

Vem de longe essa metamorfose constante na região. Basta observar a quebra gigantesca do quadro de trabalhadores industriais. Os especialistas usam léxico estrangeiro para definir o conceito que, aportuguesado, é preto no branco de desemprego estrutural.  

INTERIOR GANHA  

É ótimo que as grandes empresas automotivas e em alguma outra atividade se dediquem a elevar a produção e a rentabilidade, mas não se deve comemorar os resultados desses investimentos com o ufanismo das primeiras décadas de industrialização da região, quando as montadoras aqui fizeram paragem.  

Esse quadro também é bem diferente do que se oferece em todas as atividades industriais no Interior do Estado, e mesmo na Grande São Paulo. Nesses locais, investimentos se traduzem em novas plantas industriais que, por sua vez, mais enxutas e produtivas, geram empregos. E mais riquezas. 

Notaram, portanto, que para uma mesma expressão econômica (investimentos industriais) há rubricas diferentes?  

Por essas e outras, o melhor mesmo é observar a linha do tempo e os dados agregados para checar sem paixão a possibilidade de um casamento perfeito entre investimentos, empregos, valor adicionado, potencial de consumo e outros ingredientes que fazem parte do coquetel de Desenvolvimento Econômico no sentido humanístico desejado.  

ORFANDADE DE DADOS  

No Grande ABC, que tenham conhecimento os leitores que eventualmente superestimam os poderes públicos municipais, não há absolutamente nada, nada vezes nada, que conduza a qualquer tipo de avaliação minimamente esclarecedora.  

A mais independente e apetrechada fonte histórica de dados econômicos do Grande ABC chama-se CapitalSocial, herdeira de LivreMercado. É lastimável que assim o seja. A exclusividade mesmo que comprovadamente respeitável é uma dor dolorida para quem gostaria de contar com alternativas complementares e contraditórias.  

Mas a desilusão forjada pela apropriação indevida e imprópria, para não dizer deturpadora do conceito de investimentos, não está encapsulada no setor industrial. 

Também na área de comércio, principalmente de comércio, mais que de serviços, o impacto da aplicação do mesmo conceito raso de “investimentos privados” é muito mais preocupante que o registrado no setor industrial, este pelo menos produtor de riqueza.  

O setor comercial está cada vez mais dominado pelas grandes corporações. Mais e mais novos modelos de comércios de ganhos em escala dominam a geografia regional.  

INVASÃO COMERCIAL  

Cada vez mais supermercados e seus filhotes dominam a cena. Tomam conta dos melhores endereços, dos melhores corredores viários, dos locais mais densamente habitados. É um festival de competência corporativa que se reflete no predomínio massacrante de massa de consumidores. 

Tudo isso é muito bonito, interessante e vantajoso incialmente para os cofres públicos, mas causam estragos monumentais aos pequenos negociantes.  

A cada novo empreendimento dos grandes conglomerados, mais pequenos negócios sentem o peso da concorrência imbatível. A carnificina é metódica.  

Se no passado registrado nas páginas de LivreMercado combatemos a liberalidade com que os prefeitos de então recepcionaram os grandes estabelecimentos de consumo (os chamados supermercados) ao não estabelecerem regra alguma (mais que isso, os favoreceram) para disciplinar o uso e ocupação do solo de forma civilizada e equilibrada ao ecossistema socioeconômico (com se fez e se faz na Europa, por exemplo), nestes tempos não tem como segurar o desdobramento desses megaempreendimentos que chegam com lojas menores. E cada vez mais rentáveis.  

PONTAS COMPLEXAS  

Então, o que temos nas praças regionais e que os jornais exaltam como sinônimo de progresso, são duas pontas de lança em sentido contrário, e mesmo a ponta de lança em sentido supostamente favorável deve ser relativizada.  

Os investimentos industriais maciçamente nas plantas já existentes provocam desemprego em troca de maior produtividade e rentabilidade aos negócios das grandes corporações enquanto os investimentos comerciais destroem agora complementarmente o que restou de resistência da concorrência menos ramificada em organizações com força de negociação junto aos fornecedores, casos de mercados e supermercados.  

Quem acha que tanto uma coisa quanto outra não deve preocupar de forma algum os demais envolvidos nesse território, ou seja, os quase três milhões de habitantes, não sabe o tamanho radiativo dos danos causados pelos impactos gerados.  

O empobrecimento coletivo do Grande ABC aparece na maioria dos indicadores robustos, a começar pelo PIB, pelo Valor Adicionado, pelo andar de tartaruga do mercado imobiliário, pela corrente de trabalhadores informais, pelos pedintes, nas filas de desemprego.  

BOM PRATO SIMBÓLICO  

Quem recorrer ao passado noticioso do Grande ABC, até por volta do começo dos anos 1990, provavelmente constatará que eram raríssimas as noticiais que davam conta de suporte do Estado, em forma de municípios, no atendimento de pobres e miseráveis. Nem pensar em algo como o Bom Prato. Seria um vexame regional dar-se conta de que a mobilidade social atravancara.  

Havia mobilidade social na região. Neste século, entretanto, aumenta cada vez mais o caudal de deserdados em contraposição, vejam só, às robustas arrecadações do que chamo de PIB Municipal nos cofres públicos.  

Pelo andar da carruagem, não vai demorar para o Grande ABC contar com metade das moradias catalogadas como endereços de pobres e miseráveis.  

Hoje já temos uma Diadema e uma São Caetano somadas de endereços típicos de deserdados. E como não reagimos economicamente, até porque não fazemos nada para isso como conjunto de municípios, quem viver verá o quanto vão perder também aqueles que acham que não estão perdendo, mas que perdem sim a cada nova temporada.  

Um exemplo, para encerrar: basta ver há duas décadas como era a correlação de valores de residências semelhantes em bairros de classe média na região e no Interior do Estado --- e o que temos hoje.  

O esgarçamento socioeconômico do Grande ABC é geral e irrestrito. Os mandachuvas querem perpetuar e agravar a barbárie em forma de controle dos cordéis porque não têm compromisso social, exceto com seus grupelhos.  

O Clube dos Prefeitos é a maior aberração desse descalabro. Isso não significa que deva ser dinamitado. Uma profilaxia rigorosa é a única saída. E até agora nada se fez de efetivo nesse sentido.  

Os períodos de oxigenação do ambiente regional não passaram de brisas breves e insustentáveis. Mas há lideranças que insistem em mentir descaradamente.



Leia mais matérias desta seção: Economia

Total de 1894 matérias | Página 1

21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?
12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES
07/11/2024 Marcelo Lima e Trump estão muito distantes
01/11/2024 Eletrificação vai mesmo eletrocutar o Grande ABC
17/09/2024 Sorocaba lidera RCI, São Caetano é ultima
12/09/2024 Vejam só: sindicalistas agora são conselheiros
09/09/2024 Grande ABC vai mal no Ranking Industrial
08/08/2024 Festejemos mais veículos vendidos?
30/07/2024 Dib surfa, Marinho pena e Morando inicia reação
18/07/2024 Mais uma voz contra desindustrialização
01/07/2024 Região perde R$ 1,44 bi de ICMS pós-Plano Real
21/06/2024 PIB de Consumo desaba nas últimas três décadas
01/05/2024 Primeiro de Maio para ser esquecido
23/04/2024 Competitividade da região vai muito além da região
16/04/2024 Entre o céu planejado e o inferno improvisado
15/04/2024 Desindustrialização e mercado imobiliário
26/03/2024 Região não é a China que possa interessar à China
21/03/2024 São Bernardo perde mais que Santo André
19/03/2024 Ainda bem que o Brasil não foi criado em 2000