Economia

Administrar São Bernardo é
bem mais complicado. Entenda

DANIEL LIMA - 24/03/2022

O que você vai ler em seguida jamais foi escrito aqui ou em lugar algum do mundo. Não gostaria de dizer isso, mas digo até mesmo para me recriminar. É aquela coisa de dizer mais ou menos o seguinte: “está bem, você descobriu a pólvora, mas por que não descobriu antes?”.   

Um regionalista como eu não estrebucha diante de suposta contradição quando afirma que o prefeito Orlando Morando faz muito bem em administrar São Bernardo com determinado grau de independência do conjunto dos municípios do Grande ABC.  

Pode parecer um contrassenso dizer que Orlando Morando faz muito bem, até determinado ponto, que não deve mesmo perder o sono com a regionalidade.  

Burrice seria ser coerente no erro, porque coerência não significa atestado de correção inabalável.  

Um bandido social que nasce, cresce e morre bandido social teve um percurso coerente.  

Se um bandido social virar mocinho social já não seria coerente. Mas certamente mais respeitado.  

Também é coerente um mocinho social que nasceu, cresceu e morreu mocinho social. Nesse caso, o mocinho social é admiravelmente coerente.  

VAREJO E ATACADO  

Meto-me nessa seara porque ainda recentemente escrevi que São Bernardo independe em larga escala do Grande ABC para reagir economicamente. E reafirmo agora com base em outra perspectiva. 

Naquela oportunidade me referia especialmente às obras de infraestrutura que estão fazendo a diferença em logística em São Bernardo.  

Orlando Morando é um prefeito varejista, mas também atacadista.  

Prefeito varejista soma votos. Prefeito atacadista abre as janelas do futuro aos sucessores.  

Diferentemente das obras de infraestrutura em Santo André (parte do trecho intermunicípios da Avenida do Estado e um complemento de ações no Cassaquera), as de São Bernardo atacam para valer o entupimento generalizado dos principais corredores viários e escancaram as portas a externalidades territoriais.  

CELSO DANIEL LOGÍSTICO  

Não exagerei num texto em que afirmei que Orlando Morando está para a regionalidade da infraestrutura econômica do Grande ABC assim como Celso Daniel está para a regionalidade institucional do Grande ABC.  

São situações diversas, mas positivas no sentido de que achamos um veio de novidade neste século em que os prefeitos da região se comportaram e se comportam com fundas limitações imaginativas e operacionais.  

Agora, vamos ao que interessa: Orlando Morando e qualquer gestor público de São Bernardo tem mesmo que contar com certo grau de independência da inútil organização coletiva do Clube dos Prefeitos. Afinal, se confiar nos demais parceiros de jornada para mover as peças que tem de mover, acabará fracassando. Levará um xeque-mate do destino 

Detentor do maior PIB Geral do Grande ABC, também por força de contar com o maior PIB Industrial do Grande ABC, São Bernardo é, vejam só, o Município mais vulnerável no mapeamento desse bicho de sete cabeças que somos na economia.  

DOENÇA HOLANDESA  

Tanto é vulnerável às circunstâncias principalmente macroeconômicas que, por mais que procure intensificar medidas de caráter produtivo (que ainda estão longe do que imagino) sempre haverá enorme pedra no meio do caminho.  

A indústria automotiva de São Bernardo é a Doença Holandesa de São Bernardo. Ou seja: está aí tanto para o bem como para o mal, dependendo do quadro nacional e internacional.  

O peso do setor automotivo em São Bernardo jamais foi rigorosamente medido, até porque a perscrutação seria aventura estatística.  

O Valor Adicionado, que mede a geração anual de riqueza, ultrapassa a linha de fundo do gramado automotivo propriamente disso. Espalha-se por outros setores industriais, de comércio e serviços. Dá para especular sobre isso, mas afirmar categoricamente, não.  

GLÓRIA E CADAFALSO  

O setor automotivo é uma gloria nos bons tempos e um cadafalso quando a biruta de consumo de veículo resolve mudar de direção.  

Por essas e outras a medição da capacidade de direção econômica de um prefeito de São Bernardo, qualquer que seja o prefeito, é sempre uma tarefa complexa quando contraposta a titulares de outros municípios locais.  

Quem decidir comparar com os demais municípios menos dependentes de um único setor produtivo correrá o risco de cometer deslize.  

Políticas públicas com viés produtivo de Orlando Morando são tremendamente superiores às dos demais prefeitos, mas os resultados nem sempre espelham essa realidade.  

São os veículos (a produção de veículos) que decidem em larga escala o resultado final de uma temporada.  

E as diretrizes nacionais e internacionais do mundo dos negócios automotivos passam a léguas de distância das operações locais.  

ATENÇÃO REDOBRADA  

Uma pandemia como a que temos há mais de dois anos causa estrangulamentos dolorosos no fornecimento de peças e sistemas de produção no labirinto de abastecimento industrial. 

Não bastasse ser dependente demais do setor automotivo, São Bernardo sofre também como o ônus do sindicalismo que, à parte os benefícios, deixou manchas que estão longe de se dissiparem.  

A imagem de São Bernardo no campo trabalhista não é das melhores. Contrapõe-se em grau inquietante às vantagens também existentes e que agora se robustecem com ações logísticas.  

Também não custa lembrar que a guerra por novos investimentos em São Bernardo oferece um paradoxo.  

Trata-se do seguinte: embora seja detentora do melhor sistema logístico na região, longe do encalacramento de Santo André e São Caetano, principalmente, a construção do Rodoanel Mário Covas se converteu em presente de grego esmiuçado nesta publicação.  

Numa comparação breve, mas providencial com Santo André, a atenção do prefeito Orlando Morando precisa ser redobrada em relação a Paulinho Serra.  

POLOS DISTINTOS  

A vulnerabilidade de São Bernardo é diametralmente oposta à realidade de Santo André, que tem larga produção relacionada ao Polo Petroquímico, dividido com Mauá.  

O setor químico-petroquímico está longe de embutir a ebulição dos negócios automotivos. São produtos diferentes. O Polo Petroquímico e as empresas satélites não sofrem, portanto, os rigores dos prélios tanto quanto as automotivas.  

Ser prefeito econômico de São Bernardo é como comandar um time grande, sujeito à cobrança permanente da mídia e das redes sociais. 

Ser prefeito econômico de Santo André é algo como dirigir um Bragantino Red Bull, ou seja, sem as pressões do cargo.  

Paulinho Serra também conta com a vantagem adicional de, além de sofrer menos instabilidade provocada por fatores externos, os produtos químico-petroquímicos são infinitamente menos instáveis e, principalmente, mascaram continuamente os desajustes de outras atividades fabris em Santo André e em Mauá.  

A desindustrialização continuada em Santo André é pouco notada porque o peso químico-petroquímico prevalecente no campo fiscal e trabalhista escamoteia as demais atividades e também, claro, a ineficiência do Poder Público. A estabilidade gera comodismo. 



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