Economia

Mercedes-Benz escancara a
sordidez de uma região inerte

DANIEL LIMA - 05/04/2022

Para que o leitor possa entender o que vou tentar explicar e não caia na vala comum de concluir sem conhecer, é preciso saber de cara o seguinte: as férias coletivas que a Mercedes-Benz está concedendo a mais de cinco mil trabalhadores não têm nada a ver com o fechamento da fábrica da Ford, também em São Bernardo, em 2019, quando dispensou 2,8 mil funcionários -- sem contar os indiretos, terceirizados ou não. 

Essa distinção é fundamental para compreender o tom de indignação da manchetíssima de hoje, aí em cima.  

É um contraponto indispensável à avaliação da situação colocada pela mídia em geral com a profundidade interpretativa de uma lâmina d’água. 

O fechamento da Ford foi uma crônica anunciada ao longo dos anos entre outras razões, mas principalmente, porque as tensas relações entre capital e trabalho foram para a cucuia.  

CRISE CONSTRUÍDA 

O sindicalismo de viés socialista com proteção nacionalista de governos populistas entrou em crise e não houve condições de segurar a barra.  

As leis de mercado são contundentes: a competição mundial não perdoa os perdulários, os voluntaristas e os revanchistas.  

O capitalista é implacável. Mais ainda nos regimes autoritários, como o capitalismo de Estado da China, por exemplo, onde o bicho de salários aviltantes come.  

As férias coletivas na Mercedes-Benz são também uma crônica anunciada. Decorre da bagunça fomentada pela pandemia do Coronavírus no sistema de fornecimento global de insumos, peças e tudo o mais. Portos, aeroportos e estradas viraram um caos.  

CRISE MUNDIALIZADA  

A indústria mundial vive contratempos operacionais e agora sofre com a sobrecarga da guerra na Ucrânia. Botou-se mais pimenta malagueta no cardápio de complicações.  

Agora vou diretamente à explicação do tom utilizado na manchetíssima aí em cima.  

Há oportunistas de todos os calibres e nenhuma bala de prata de sensatez. A sordidez campeia onde a cidadania rareia. Aberrações são ditas com a naturalidade dos ignorantes juramentados e desprezadas com a naturalidade dos negligentes.  

Relacionar indigestas férias na Mercedes-Benz a supostas políticas industriais que o governo federal atual protelou ou não se importou em promover ou, então, endereçar ao prefeito de plantão em São Bernardo, Orlando Morando, a tipificação de um crime de descaso, são metades da mesma laranja de insensatez.  

Quanto à suposta ausência de política industrial localizadamente como origem no atual governo federal, tem-se a negação de uma realidade histórica sobretudo nos cromossomos em mutações no setor de transformação produtiva no Grande ABC e no Brasil como um todo. Estamos (região e País) caindo pelas tabelas desde muito tempo.  

DESINDUSTRIALIZAÇÃO GERAL  

A participação em números absolutos e relativos da indústria de transformação no PIB Nacional é cada vez mais pífia. Não passaria de 11% nestes dias. No Grande ABC desabou.  

E muito disso se deve, entre vários fatores, ao nacionalismo de baixo valor adicionado, ou seja, de um protecionismo que tem como peça-chave a elevadíssima carga tributária para sustentar a máquina pública em todas as esferas, além de olímpico desprezo a processos e tecnologia que gerem produtividade. Não bastassem fatores humanos, que começam no precário sistema de Educação.   

A politização de um fator conjuntural (ou seja, a crise de suprimento nas fábricas) está redondamente conjecturada e impressa no Diário do Grande ABC de hoje.  

VIÉS SINDICALISTA  

O diretor executivo do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Aroaldo Oliveira da Silva, responsabiliza o atual governo federal. Partindo de um sindicalista, nenhuma surpresa. Até porque Aroaldo é petista e tem o viés de trabalhismo estatista.  

O problema é que o mesmo Aroaldo também é titular da inútil Agência de Desenvolvimento do Grande ABC, braço direito do Clube dos Prefeitos num histórico de masturbação sociológica regionalista.  

Aroaldo Oliveira desconhece os fundamentos básicos da economia do Grande ABC. Foi escalado à maltrapilha Agência pelo condomínio político-eleitoral que tem o prefeito de Santo André, Paulinho Serra, como suposto comandante.  

Paulinho Serra faz qualquer negócio para conquistar eleitores. Há muito vive de beijos, muitos beijos, com representantes do PT. Fez um acordão de paz e progresso interno para os dois grupos que se refestelam na Prefeitura de Santo André.  

PT EXCONJUGRADO  

Conservadores de Santo André, pessoal do Bairro Jardim e entorno, vão às redes sociais indignados com a candidatura de Lula da Silva à presidência e fingem que não sabem o que acontece às barbas municipais. Paulinho Serra e sua turma se divertem.  

Pior que ter um chefe da Agência de Desenvolvimento Econômico que mistura as bolas e destila desconhecimento macroeconômico mundial, é não ter à frente do Clube dos Prefeitos uma alma viva sequer que, nesta altura da competição, chame uma entrevista coletiva e apresente cenários mais que prováveis sobre os estragos já causados e que continuam na alça de mira da crise internacional.  

Mais que isso, aliás: que se movimente para mostrar as possibilidades de o Grande ABC encetar ação coordenada para, num futuro próximo, beneficiar-se da mais que tendência, da já em fase de efetiva reconstrução de cadeias produtivas de abastecimento em macrorregiões nacionais, abandonando-se os riscos geopolíticos e epidêmicos da globalização.  

Para quem não sabe, mas deveria saber, até mesmo para que não tome análises formuladas aqui por perseguição a agentes públicos, convém lembrar que o Clube dos Prefeitos sob a patetice administrativa de Paulinho Serra virou uma casa da sogra, comandada nos bastidores por agentes de Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo, ex-ministro de Lula da Silva e ex-secretário de João Doria.  

Por conta disso, acabou de sair um secretário-executivo alienígena e chegou outro. É assim que funciona a roda de interesses da direção do Clube dos Prefeitos.  

A questão não central não é suposta invasão de domicílio por forasteiros, como alguns querem fazer crer. Quem veio de Guararapes jamais cometeria essa barbaridade avaliativa. A questão é exclusivamente de competência.  

Forasteiro no sentido de produtividade pode ser qualquer um, nascido, criado ou desembarcado aqui.  

O processo de desindustrialização do Grande ABC é tão insidioso quanto longevo. Vem do começo dos anos 1980, aos primeiros sinais de combates entre sindicalistas e empresários.  

As pequenas indústrias familiares foram varridas do mapa regional ao som macabro de duas sinfonias: o antagonismo sindical de cunho ideológico exacerbado e políticas econômicas do governo Fernando Henrique Cardoso, da metade em diante da última década do século passado.  

Somente nos anos 1990 foram destruídos mais de 100 mil empregos industriais com carteira assinada, dos quais 85 mil ao fim do governo Fernando Henrique Cardoso. 

SITUAÇÕES DISTINTAS 

A personalização do desastre econômico do Grande ABC, retirando-se do mapa de compreensão fatores históricos que influenciaram decisivamente os dados tenebrosos, é uma explícita manifestação de radicalismo tosco.  

A derrocada regional é uma obra coletiva que tem participação relevante sim dos agentes públicos, privados e da sociedade do Grande ABC.  

Entretanto, colocar esses vetores todos no mesmo balaio da crise conjuntural que impacta o setor industrial, e particularmente as montadoras do Grande ABC (outras como Scania e General Motors já acusaram o golpe do vácuo de suprimentos no ritmo da cadeia de montagem de veículos e peças) na conta corrente negativa do governo federal e mesmo de um prefeito específico é uma aberração. À falta de argumentação, vamos ao linchamento.  

Só não pode ser catalogada como aberração injusta a atuação do prefeito de Santo André. Paulinho Serra deveria, fosse ativo de fato, liderar o processo de recuperação da economia regional à frente do Clube dos Prefeitos.  

É ali, apesar de todos os pesares de marasmo, quando não de bancarrota organizacional, que está o terreno ainda fértil à sensibilização dos agentes econômicos e sociais em busca de mudanças. 

O que se tem nestes tempos de pandemia e seus efeitos desastrosos é um Clube dos Prefeitos dando provas seguidas do intervalo abissal que o separa de medidas profiláticas.  

Como esperar algo diferente no setor produtivo (um diagnóstico coletivo, envolvendo as lideranças dessas montadoras e de autopeças ajudaria sobremaneira a preparar o terreno aos impactos que já vieram e continuarão a vir) se no enfrentamento ao Coronavírus o Clube dos Prefeitos conseguiu a proeza de equiparar os indicadores de mortalidade ao Distrito de Sapopemba?  



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