Vou ser breve o quanto puder para tentar traduzir o que penso tendo como base o livro Meias Verdades (como usar a mídia para vender ilusões) que lancei numa noite de 2003 para 800 convidados, à frente que estava da revista de papel LivreMercado.
Poderia produzir nova versão sobre o comportamento da Velha Imprensa. Já pensei nisso, mas dificilmente vou levar adiante. O tempo nos ensina que em determinadas situações é muito melhor aproveitar o que resta da corrida contra o relógio biológico do que malhar em ferro frio. Chega o que já faço diariamente nesta publicação digital.
O resumo da ópera entre Meias Verdades e os últimos e novos tempos da Velha Imprensa é a deterioração estúpida em meio a melhorias informativas. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
MAIS QUE ANTES
Quero dizer com isso, aparentemente contraditório, é que a parte boa da Velha Imprensa é muito melhor que antes, mas a parte ruim da Velha Imprensa é infinitamente pior e mais caudalosa que antes.
A parte boa são os jornalistas e colaboradores de várias áreas que ocupam colunas específicas de especialidades variadas e não carregam o tom ideológico e partidário. São poucos em relação aos exércitos de militantes travestidos de colaboradores, mas são mais, muito mais, que antes, porque eram quase nada.
A parte ruim é que a Velha Imprensa segue errando como sempre porque errar faz parte do jogo da informação não bem- apurada até mesmo devido à complexidade da função e a forças de interesse não identificadas de imediato.
METÁSTASES INSANÁVEIS
Essa Velha Imprensa, entretanto, acrescentou camadas irremovíveis de partidarismo e ideologia. São metástases insanáveis.
Logo abaixo vou fazer uma breve lista dos males que a Velha Imprensa pratica à exaustão desde que, principalmente, se reuniu em torno do Consórcio de Imprensa, ótima iniciativa voltada a estabelecer contraponto informativo às manobras do governo de Jair Bolsonaro diante do flagelo do Coronavírus, mas que, em seguida, se tornou bandeira multicolorida e multitemática de perseguição insana.
O Consórcio de Imprensa dominado direta e também indiretamente pela Velha Imprensa e que ultrapassou as quatro linhas do gramado sanitário é uma barbaridade de erro estratégico que fez murchar ainda mais a densidade de leitores de papel nestes tempos de dispersão digital.
UNILATERLISMO DEMAIS
Quando escrevi Meias Verdades em 2003, a Velha Imprensa cuidava de jornalismo sem o descaramento unilateral de hoje. Prevalecia noticiário comedido. Reservavam-se às páginas de editoriais, ou seja, do pensamento oficial da Velha Imprensa, os devidos reparos. Lula da Silva exaltado nas páginas do noticiário virava vilão da página três do Estadão e da Folha, por exemplo.
Na maioria dos casos que apontei em Meias Verdades como reparos e simbolismos de escorregadelas da atuação da Velha Imprensa, imperou-se o apontamento de erros informativos, de incoerências, de inconformidades.
Havia, claro, interesses inconfessos em jogo, mas eram tempos em que a Operação Lava Jato não constava do horizonte de desmascaramentos dos subterrâneos mais cabeludos da política. Contava-se com a contribuição deliberada ou negligenciada da Velha Imprensa. A mesma Velha Imprensa que publicava matérias enaltecendo as contribuições eleitorais das grandes empreiteiras, por exemplo, sem ser dar conta ou fingindo que não se dava conta do preço dos repasses, descoberto mais tarde por Sérgio Moro e sua turma.
CASE EMBLEMÁTICO
Vou reproduzir um dos 27 cases de Meias-Verdades, de 2003, para traduzir o tom que utilizei ao ir aos meus arquivos de papel e produzir aquela obra quase que por acaso. Está à página 145 o case em questão, sob o título “Quando ingenuidade e chutometria dão as mãos”:
A revista Veja de 7 de abril de 1999 ofereceu o seguinte título aos leitores: “O incrível aconteceu”. No subtítulo, a frase: “Diante da fuga das fábricas, o ABC abre postos no comércio e nos serviços para substituir as indústrias que sumiram”. Agora acompanhem alguns trechos selecionados da reportagem:
“Está acontecendo algo muito interessante na região do ABC, o principal polo industrial do País, localizado em São Paulo. As cidades que a compõem estão aparentemente renascendo das cinzas. Nos últimos 10 anos, um êxodo sem precedentes levou embora mais de 1.000 empresas de médio e grande porte e eliminou mais de 200.000 postos de trabalho. Para se ter ideia, o ABC perdeu uma de cada quatro fábricas ali instaladas. Pelo menos até agora, Santo André, São Bernardo e São Caetano, respectivamente o A, o B e o C, estão superando a crise de maneira notável. Santo André está conseguindo manter os investimentos. Sobraram recursos até para concluir as obras do primeiro parque 24 horas do Brasil. São Bernardo foi uma das recordistas em fábricas perdidas. Ainda assim, a arrecadação da cidade cresceu mais de 25% em números reais nos últimos 10 anos. Apesar do êxodo, São Caetano conseguiu manter o volume de arrecadação de impostos. “Não somos mais a terra de oportunidades, mas também não naufragamos como se previa. Quem sabe podemos ainda surpreender”, diz o prefeito de São Bernardo, Maurício Soares.
MAIS MEIAS VERDADES
Uma das razões que levaram o ABC a resistir à desindustrialização é o aumento da produtividade das empresas. Outro motivo que merece registro é que, graças aos programas de demissão voluntária e ao pagamento de indenizações por causa do êxodo, surgiu uma infinidade de negócios. Nos últimos 10 anos foram 20.000 novos empreendimentos no setor de serviços, entre franquias, serviços médicos e empresas de informática. O comércio e a prestação de serviços abriram cinco novas portas a cada dia. Há uma terceira razão para o ABC estar enfrentando sua crise com galhardia. Os grandes empreendimentos imobiliários, que antes se concentravam em São Paulo, decidiram apostar no potencial de compra dos habitantes do lugar. A rede de shopping centers aumentou e chegaram os grandes supermercados, que ajudaram um pouco a atenuar o impacto do desemprego”.
MAIS MEIAS VERDADES
A matéria de Veja é uma pérola de ingenuidade, de chutometria numérica e de desconhecimento microrregional e macroeconômico só parcialmente corrigido nos últimos parágrafos que, exatamente por terem sido atenuados na produção editorial, praticamente passam despercebidos. Quem acompanha com atenção a economia do Grande ABC pelas páginas de LivreMercado e CapitalSocial Online sabe o quanto de informação contraditória e vazia aquela reportagem exibe. Por isso mesmo não vamos detalhar ponto por ponto. A falta de conhecimento macroeconômico e microeconômico desconsiderou todas as armadilhas contidas em cada constatação da suposta efervescência do setor de comércio e serviços. Uma das quais, talvez a provedora de todas as demais: quando a massa salarial de riqueza industrial se esvai nas proporções em que se esvaíram no Grande ABC e quando mais empreendedores se lançam na disputa pelo naco comercial e de serviços, mais a competição se torna encarniçada e mais frustrações se avolumam com o fechamento em cadeia de negócios. A dificuldade do jornalista em lidar com informação econômica e o desejo explícito de vender uma mercadoria chamada Grande ABC sem o menor despudor colocam o material no limbo da marginalidade interpretativa. Esse comportamento é típico da mídia apressada, que tenta por telefone desvendar as nuances econômicas e sociais de uma cidade, de uma região, de um país. O Grande ABC construído pela Veja de abril de 1999 já não existia naquela data. Hoje, então nem pensar.
VOLTANDO AO PRESENTE
Leu? Agora volto ao presente e desfilo breve, apressada, mas supostamente clara relação dos males da Velha Imprensa nestes tempos, vários dos quais, como disse, vindos do passado e outros com o atestado de nascimento bastardo por conta de interesses contrariados:
1. Confluência à unanimidade demonizadora do presidente de plantão.
2. Brincadeira de esconde-esconde, que omite ou minimiza ações positivas da atual gestão federal com alquimias editorais mais que conhecidas. Adotou-se o princípio Ricuperiano (do então ministro Rubens Ricúpero) de que “o que é bom a gente fatura, o que é ruim, esconde”. No caso, o Ricuperianismo é reverso, ou seja, tudo que é bom para o Brasil é ruim para a Velha Imprensa.
3. Omissão ou mitigação de tudo que envolva os adversários do presidente de plantão. A ordem unida é transmitir aos consumidores de informações que o Brasil não tem passado nefasto, raiz da eleição do presidente de plantão.
4. Descaso deliberado à biografia de supostos estadistas que, por exemplo, estão à frente ou nos bastidores do movimento que produziu a chamada carta aos brasileiros. Somente o outro lado do balcão de informações ( apoiadores do atual presidente) ou jornalistas independentes) apontam as raízes do movimento que vão muito além de suposta defesa da democracia. Até porque democracia é conceito elástico, ao gosto de freguês.
5. Partidarismo e ideologia tomaram conta do barraco da Velha Imprensa. A Folha de S. Paulo virou um aparelho negacionista à liberdade de informação. Nem disfarça, embora tente, o quanto subjuga os leitores mais esclarecidos. Uma péssima estratégia porque pautas legitimamente defendidas se perdem em meio ao nevoeiro de manipulações.
6. Pesquisas eleitorais viraram cabo de guerra para manipular a linha editorial da Velha Imprensa. A suposta cientificidade dos números do Datafolha, por exemplo, é uma linha auxiliar, quando não linha-mestra, de megapauta de desgaste programado e insistente do presidente de plantão.
7. O colunismo sob encomenda consiste em contar com colaboradores geralmente bem nutridos intelectualmente, mas que atuam na retaguarda editorial de mão única. Não faltam colunistas com passado inglório na economia a ditar regras como se ostentassem notabilidade irretocável. Um ex-ministro de Dilma Rousseff é um craque em desenhar o futuro fiscal e econômico do País que ele, vejam só, ajudou a afundar e a provocar o impeachment da petista. Outro, que deixou o cargo com quase 100% de inflação mensal, aparece como mestre da matéria. No vale-tudo unilateral da Velha Imprensa e seus arredores, um Casagrande qualquer vira moeda valiosa.
USOS E ABUSOS
Poderia aumentar consideravelmente a lista de usos e abusos da Velha Imprensa, mas fico por aqui.
Produzir uma nova versão de Meias Verdades não seria algo excepcional e mesmo tão desgastante. Meus arquivos contam com dezenas de cases que configuram agressões do direito sagrado de informar com correção, mesmo se tendo em vista que é impossível não errar.
O erro deliberado é o erro mais insidioso da profissão, porque carrega uma imensidão de ônus moral e ética. E é isso o que se assiste desde que a Velha Imprensa, a imprensa do Consórcio de Imprensa, mas não só do Consorcio de Imprensa, pratica sem pudores. Como se o passado não fosse suficiente, embora menos grave, como agente contaminador da atividade.
CASOS EXEMPLARES
Vivi nos últimos tempos duas experiências que me colocaram frente a frente com a decadência da Velha Imprensa.
Faltou pouco para que fosse apontado como o autor do tiro que quase me tirou a vida num pet shop. A cobertura da Velha Imprensa de papel, replicada no mundo digital, foi uma combinação perfeita de preguiça e desprezo à verdade dos fatos, sob o véu diáfano de suposta neutralidade.
A outra experiência se deu no depoimento ao UOL sobre o Caso Saul Klein, manipulado, deturpador, esquartejado tanto quanto as forçadas de barra para criminalizar alguém sem uma única prova material.
Felizmente, salvou-se com louvor, o documentário do Caso Celso Daniel. Os produtores Marcos Jorge e Bernardo Renno confluíram com extrema competência em direção aos fatos com o lubrificante do contraditório mais que esclarecedor e desmascarador. Um espetáculo de profissionalismo que a Velha Imprensa provavelmente jamais alcançou, mas do qual se distancia vexatoriamente.
TODOS OS CASES
Para completar, e para matar a curiosidade dos leitores, seguem os títulos dos cases do livro Meias-Verdades.
1. Quando a guerra fiscal está à sombra de tudo.
2. Produtividade máxima, deserdados esquecidos.
3. Produção industrial sobe apenas nas estatísticas.
4. Emerson Kapaz projeta lucros para quem investir.
5. São Paulo vira paraíso de puro triunfalismo virtual.
6. ABCzar, gosto duvidoso de obra nunca realizada.
7. Uma promessa que FHC jamais cumpriu.
8. Crescimento do PIB é festival de equívocos.
9. Metropolização petista desaparece com eleição.
10. Quando mais empresas significam mais problemas.
11. Crônica anunciada do setor automobilístico.
12. TV por assinatura só explode nas estatísticas.
13. Versões e buracos em excesso no comércio.
14. Quando o liberalismo lambe o assistencialismo.
15. Emprego ao sabor de alquimias metodológicas.
16. Câmara Regional não passa de grande blefe.
17. Quando a interpretação fica no banco de reservas.
18. Fórum da Cidadania, da nobreza ao patético.
19. Até Bill Clinton surge para salvar a região.
20. Quando ingenuidade e chutometria dão as mãos.
21. Impostos municipais e paroquialismo analítico.
22. Grande São Paulo de números e de fatos.
23. Omissão e saudação aos grandes carrascos.
24. Investimentos de acordo com fontes de informação.
25. Seletividade de tempo estrutura manipulação.
26. Nova Vera Cruz, seis anos de encenação.
27. Fatiamento de estudos dá margem a equívocos.
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