Nestes tempos sombrios que têm no dia de hoje a possibilidade de o ambiente nacional agravar-se ainda mais, não custa destrinchar de passagem, muito de passagem, algumas tipologias consagradas, mas geralmente pouco observadas do jornalismo profissional em diversas plataformas, mas principalmente na Velha Imprensa.
Não entendam Velha Imprensa como somente os grandes conglomerados de comunicação, cujos braços se estendem a redes digitais.
Velha Imprensa é todo o jornalismo profissional dirigido por velhos caciques nacionais, estaduais, regionais e municipais.
Todos, efetivamente todos, compõem as mesmas páginas de um manual de comportamento corporativo e de classe que não deixa dúvidas quanto à multiplicidade de interesses específicos em jogo.
SEMPRE A DEMOCRACIA
Em nome da democracia velha de guerra, o jornalismo profissional acoberta ou pratica barbaridades em forma de informação. Não se dá ponto sem nó.
A isenção diante de fatos consumados ou de fatos negados é uma raridade. A contaminação é inerente à prática do jornalismo profissional no Brasil.
O contraponto ao jornalismo profissional que segue a rota da prevaricação ética e moral são as redes sociais.
Por mais imprecisos, desbocados, ofensivos e tudo o mais que os diabólicos aparelhinhos portáteis destilam de uma sociedade que ganhou voz -- e isso não pode ser negado -- as novas plataformas de comunicação social são um sopro à contenção e também à repetição impune das mazelas do jornalismo profissional.
APARELHINHOS TERRÍVEIS
Já imaginou o mundo sem esses aparelhinhos maquiavélicos e as caudalosas ressonâncias de frases como a de William Bonner, referindo-se à estapafúrdia virgindade criminal do ex-presidente Lula da Silva? Quantos exemplos mais poderiam ser citados?
A verdade é que as manipulações da mídia profissional já não ficam impunes. O que é um grande avanço incrementado pela tecnologia.
Até então, ou seja, até o advento das maquininhas diabólicas, os grandes conglomerados de comunicação ditavam o ritmo cultural do País. Não chegamos ao fundo do poço por acaso.
Agora é diferente. Máscaras caem diariamente. Correm-se riscos pelos excessos. Há quem prefira a acomodação de falsas unanimidades.
BREVÍSSIMO MANUAL
Acho que esse brevíssimo manual, feito assim de supetão, apenas para colaborar inclusive na identificação do que se consome nestes dias tenebrosos, vai servir para alguma coisa.
Repito que se trata de um escrutínio da tipologia de comunicação sem aprofundamento.
Entretanto, é suficientemente objetivo para que os consumidores de informação possam confirmar suspeitas, possam abrir os olhos, possam descobrir veredas antes jamais imaginadas.
Poderia ter construído uma família mais frondosa de exemplares comportamentais da mídia profissional, mas acho que os cinco pontos listados em seguida são suficientes ao entendimento e à compreensão do que se passa nestes tempos.
1. JORNALISMO DE RELAÇÕES PÚBLICAS
2. JORNALISMO DE CUMPLICIDADE
3. JORNALISMO CORREGEDOR
4. JORNALISMO ACHACADOR
5. JORNALISMO OMBUDSMAN
JORNALISMO DE RELAÇÕES PÚBLICAS
É uma extensão, em forma de comunicação supostamente social, da linha administrativa do Poder Público. Não se observa, jamais, qualquer ponderação quanto ao que se leva ao consumidor. Tudo é uma maravilha. É a voz oficial que se impõe em forma de notícia. O mundo de Relações Públicas do jornalismo é a oficialidade sem retoque. O contrário é banido, quando não demonizado ou perseguido. Qualquer outro possível lado das informações não consta dos enunciados jornalismo de Relações Públicas. É o terraplanismo poderosíssimo. É um jogo de cartas marcadas.
JORNALISMO CÚMPLICE
Aqui a questão é outra. O que se configuraria inicialmente como Relações Públicas ganha novo e viciado tempero, que são relações incestuosas entre as partes envolvidas. O que parece ser apenas e unicamente uma linha editorial edulcorada, de suporte nada discreto ao poderoso de plantão, ganha fortes condimentos de companheirismo no pior sentido do verbete. Uma parceria que resiste à transparência. A cumplicidade é um jogo de bastidores, de reciprocidades de diversas formas. Tudo em nome de uma governabilidade mascarada de efeitos colaterais ruinosos à sociedade.
JORNALISMO CORREGEDOR
Nem sempre o que parece como prática de jornalismo de correção de anomalias de fato o é. O jornalismo Corregedor é incisivo, exaustivamente impactante, mas tem uma finalidade específica, de um jogo morde e assopra bem combinado, que parece ser o que não é de fato. O jornalismo Corregedor geralmente tem endereço certo, porque trata desigualmente os iguais, ou seja, trata o alvo com severidade seletiva, sobretudo agentes públicos O que vale para um não vale para outro. O jornalismo Corregedor parece independente, comprometido com a ética e a cidadania, mas não passa mesmo de uma bifurcação entre o interesse privado e o controle do público.
JORNALISMO ACHACADOR
O jornalismo Achacador é a expressão do jornalismo Corregedor sem pudores, mas atuante de forma discreta. Um pode estar conectado ao outro, mas também podem ser independentes. Os agentes envolvidos fazem dos bastidores a arena preferencial. O esgotamento das armas do jornalismo Achacador nos bastidores vira jornalismo Corregedor.
JORNALISMO OMBUDSMAN
Esse é um jornalismo de otários, de quem leva a sério o compromisso com a informação. Doa a quem dor. Geralmente os agentes desse tipo de jornalismo quebram a cara no Judiciário, no Ministério Público e também nas instituições enraizadamente comprometidas com outros poderes. É uma modalidade, o jornalismo de Ombudsman, fadada ao esgotamento físico, intelectual e financeiro, porque nada há no horizonte que estimule a valorização explícita do modelo. A reprovação da minoria que controla os tentáculos dos podres poderes, de instituições parasitárias, é muito mais efetiva que a aprovação da maioria silenciosa, quando não temerosa, quando não interesseira.
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
Iria encerrar o texto de hoje por aqui, mas decidi dar rápida pesquisada. Busquei no arquivo desta revista digital o Planejamento Estratégico Editorial que preparei e entreguei à direção do Diário do Grande ABC em 2004, pouco antes de assumir a direção de Redação. Durei 11 meses no cargo. Foi uma experiência extraordinária. Um workshop consagrou um trabalho de equipe. Já repliquei a gravação daquele evento.
O que reproduzo em seguida é apenas um recorte do Planejamento Estratégico Editorial. O conjunto da obra reunia quase 100 mil caracteres.
Sou um macaco velho e teimoso que tem provas documentais para retirar de qualquer especulação eventuais ataques oportunistas. A imprensa com a qual sonho é muito diferente do que temos em todas as esferas.
Cinco anos para Diário se adaptar
aos conceitos de regionalidade
DANIEL LIMA - 03/03/2004
O relacionamento com público externo é uma equação que requer desprendimento. Nem sempre é possível detectar, mas geralmente é viável abortar inescapáveis problemas. Basta querer. Trata-se do distanciamento mínimo dos formuladores editoriais e dos responsáveis acionários pelo produto que vai às ruas e as fontes de pressão.
O apadrinhamento de pessoas e entidades é o desvio mais rápido para a acomodação editorial, seguida da desmoralização nem sempre impactante mas sem dúvida suficientemente danosa.
IMPRODUTIVOS, NÃO
Premiar agentes improdutivos com mistificações deliberadas ou acríticas destila indignação mesmo que silente no seio da comunidade que conhece mais de perto o oportunismo de atores que se aproximam da mídia apenas para levar vantagem.
Quando esses sanguessugas se cristalizam no poder midiático, acabam por definir o padrão ético-editorial da publicação. Se os improdutivos tomam tanto espaço, como será possível aos eventuais produtivos apeá-los do poder sem correr o risco de antagonizar-se com a mídia?
O Grande ABC vive momento especial demais para permitir a perpetuação dessa tradição arraigada no jornalismo nacional. É preciso dar vez ao reformismo sem, entretanto, cair no viés extremo de fabricar novos agentes. Os relacionamentos institucionais do Diário do Grande ABC — ou seja, as relações da empresa com o público externo formado por administrações públicas, entidades econômicas, legisladores, lideranças sociais e culturais, gestores e produtores acadêmicos, entre tantos — não podem ser confundidos com a linha editorial.
SEM CONFUNDIR
É verdade que uma coisa necessariamente não exclui a outra, mas também é fato que uma coisa pode contaminar a outra e destilar, como dissemos, o conceito de que mais importante do que fazer é fazer de conta que se faz, porque sempre haverá um veículo importante para sacralizar o pecado da omissão dissimulada e do despreparo escamoteado.
O jornal, como produto e como instituição, não pode, portanto, construir relações circunstanciais ou efetivas que afetem os insumos editoriais.
Dar oportunidade a todos para que participem de uma grande virada institucional do Grande ABC é ação prospectiva que tem o condão de zerar os déficits do presente e do passado.
ALERTA AOS ERROS
A vantagem de incrementar essa nova empreitada é que os erros acumulados deverão servir de lição. Somente um novo enquadramento editorial que dignifique quem tem garrafas para vender permitirá a reconstrução de relacionamentos entre as instituições mais importantes da região, provavelmente com o Diário do Grande ABC como catalisador dessas operações.
Nada, entretanto, que lembre o fracasso do Fórum da Cidadania, deliberadamente uma ação do jornal que, por não ter tido o controle estratégico recomendado, cometeu o desvio múltiplo de baixa representatividade, politiquismo partidário, afrouxamento institucional, entre outros problemas.
Tornar-se o centro nuclear das ações de restauração das forças econômicas e sociais da região não significa afirmar que o Diário do Grande ABC deve paternalizar as entidades.
LIBERDADE
Pelo contrário: nosso regionalismo recomenda que as instituições se sintam livres de amarras que eventualmente as embalem incondicionalmente e as coloquem, portanto, a salvo de restrições e correções de rumo.
Tivesse o Fórum da Cidadania dispensado o hierarquismo do Diário do Grande ABC, cujos vários representantes tutelaram reuniões de forma muitas vezes explícita, outras vezes implícita, provavelmente não se teria desperdiçado o mecanismo até então mais interessante de reação organizada da comunidade.
Mesmo considerando-se que o Fórum da Cidadania se reduziu a apenas um ou dois representantes de cada entidade e que não demorou quase nada para a esfuziante usinagem inicial virar sucata.
FRACASSO EDITORIAL
A osteoporose econômica do Grande ABC, que perdeu 39% do PIB industrial ao longo dos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, é a prova cabal de como o Diário do Grande ABC fracassou editorialmente no suposto exercício de atuar como guardião da comunidade, como expressa o mote “100% Grande ABC”.
Pior que a perda econômica que só a Editora Livre Mercado detectou e martelou incessantemente é a omissão do jornal em, mesmo com uma afiliada denunciando os descasos econômicos locais, regionais, estadual e federal, manter linha editorial amorfa, defensiva.
TOXIDADE
Ora, isso é a mais irritante prova de que o relacionamento que o Diário do Grande ABC mantinha — e ainda mantém — com a comunidade regional, sobretudo os tomadores de decisão, não valem um tostão furado.
Denunciamos à frente da Editora Livre Mercado, em sucessivas matérias, a letargia dos agentes econômicos, governamentais e sociais. Nada que repercutisse na consciência dos responsáveis editoriais do Diário do Grande ABC.
Ou se trata de muita incompetência ou os interrelacionamentos beiraram o estapafúrdio, com o jornal se obrigando a omitir-se em assunto tão escandalosamente candente.
CRISE MAIOR
De qualquer forma, a crise econômica é mais localizadamente profunda no Grande ABC do que em qualquer outro território do País.
Mostramos em análises impressas na revista e também nos três livros que escrevemos nos últimos dois anos as razões dessa diferença.
Fundamentalmente a resposta se prende à nossa matriz automobilística. O terremoto macroeconômico que desabou sobre nossas cabeças nos entregou de bandeja o retrato fiel de nossas instituições, todas forjadas no período de riqueza compulsória.
Não temos capacidade de reação individual ou coordenada porque as entidades políticas, econômicas, culturais e sociais ainda navegam nas águas passadas dos tempos de glória de investimentos em profusão nesta região. Suas estruturas estão corroídas.
NOTA ZERO
Quando muito, essas organizações funcionam como escritórios de prestação de serviços aos associados. Nota zero, entretanto, como organizações preparadas para o jogo da interlocução produtiva com quem decide a sorte de cada um dos 2,4 milhões de habitantes da região.
Aplaudimos aventureiros locais e visitantes que nos colocam na boca um torrão de ilusão e execramos os poucos que ousam botar a boca no trombone porque estão cansados de esperar por medidas corretivas. Aos primeiros, lantejoulas; aos segundos, tomatadas e batatadas.
É esse Grande ABC traumatizado pelas políticas econômicas que se seguiram à abertura comercial e inerte em suas representações econômicas, políticas, sociais e culturais que olham para o próprio umbigo, que exige uma nova arremetida editorial.
MORIBUNDO
É preciso fazer acordar e vitaminar esse moribundo. E não será com novos lances de compadrios que veremos esse corpo quase inanimado ganhar musculatura de atleta depois de período de tratamento cuidadoso, meticuloso, monitorado pelo bom senso.
Ou aplicamos uma nova fórmula de entendimento dos papéis que devem cumprir os agentes individuais e coletivos que compõem o tecido regional, ou estaremos adiando a autópsia de que certamente não haveremos de escapar diante do estouro da boiada da globalização.
O jornalismo politicamente correto praticado há tempos pelo Diário do Grande ABC — em larga escala assemelhado a outras publicações diárias — não pode reincidir na queda no buraco negro de confundir alhos de entidades de vigorosa representatividade com bugalhos de entidades representativas no sentido burocrático do termo.
RETALIAÇÕES
Críticas que se façam a organizações sociais, econômicas e políticas do Grande ABC ainda são confundidas com retaliações pessoais. No nosso caso, até mesmo velhos amigos acabaram se afastando de nosso convívio porque imperou a responsabilidade social inerente do jornalismo.
É muito mais cômodo o apadrinhamento dos amigos e dos conhecidos, mas essa fórmula se comprovou nefasta para a região. Quem perde tanta riqueza em poucos anos e se mostra incapaz de qualquer reação — pior do que isso, a maioria procurou esconder a realidade em cada esquina de desemprego e em cada fábrica abandonada — há muito já entregou a rapadura do compromisso com a seriedade e a dignidade.
Nossas entidades de classe econômica, política, social e cultural estão vegetando. Mas, com a proteção do jornal, sempre se sentiram, ou pretendiam fazer-se crer, no melhor dos mundos.
Total de 1877 matérias | Página 1
29/10/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (27)