Economia

Entenda por que vizinhança da
Capital é desastre regional (2)

DANIEL LIMA - 07/12/2022

Preste muita atenção ao seguinte enunciado: sempre que alguém aparecer na praça regional para enaltecer o setor de serviços do Grande ABC e desfilar suposta potência tecnológica, feche os ouvidos. Se precisar, reze ou ore para que o porta-voz de ilusões seja iluminado. Faça um descarrego, se necessário. Você estará prestando um serviço de cidadania a quase três milhões de habitantes.  

A desindustrialização do Grande ABC ao longo de 40 anos não é um desastre isolado. Diferentemente da vizinha São Paulo, o setor de serviços da região não agrega valor suficiente para compensar mesmo que em parte as riquezas que se escafederam. 

Na primeira vez que ouvi e dei muita atenção e procurei meter o bedelho no assunto e fui em frente para ficar sempre atento sobre o futuro do setor de serviços no Grande ABC meu interlocutor era o então prefeito de Santo André, Celso Daniel.  

PERSPECTIVA TRAÇADA  

O maior prefeito regional do Grande ABC ponderava, há 25 anos passados, que era preciso adensar e aperfeiçoar, quando não desenvolver uma cadeia de serviços de valor agregado em Santo André. A perspectiva valia, claro, para todo o Grande ABC. 

Os dados deste século, mais precisamente de 2021, mostram com crueza implacável o quanto estamos perdendo essa disputa por recomposição do tecido econômico do Grande ABC. O quanto, para ser mais preciso, continuamos a ser Gata Borralheira ante a Cinderela Capital. 

Do total de receitas da cidade de São Paulo no ano passado, a qual chamo de PIB Público, 31,64% têm as digitais do PIB de Serviços. No Grande ABC representado por cinco municípios (Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não entram e não fazem falta a comparações) são apenas, em média,13,20% de participação do PIB de Serviços no PIB Público.  

IMENSIDÃO DE ATIVIDADES  

PIB de Serviços é uma imensidão de impostos que direcionam análises sobre o perfil de cada ente da Federação, no campo público.  

Há precisamente 59 divisões de atividade econômica sob o guarda-chuva do PIB de Serviços, reunindo Comércio, Alojamento/Alimentação, Transportes, Serviços Financeiros, Comunicação, Atividades Imobiliárias e serviços prestados às empresas, Administração Pública e outros serviços.  

Essa dinâmica do PIB de Serviços dá muito do tom econômico a qualquer localidade. Quanto mais PIB de Serviços incidir no PIB Público, mais se caracterizaria o fortalecimento de receitas orçamentárias.  

É nesse jogo que o Grande ABC envelhecido, desindustrializado e encalacrado perde feio para a Capital vizinha, pujante e avassaladora. 

FUTURO CHEGOU  

A pergunta que faço é o que isso significa para valer e sem malabarismos semânticos. Ou seja: como traçar o destino do Grande ABC que tenha como linha-mestra as atividades de serviços, principalmente voltadas às áreas de tecnologia?  

Ora, a resposta seria a mesma de um quarto de século atrás, na entrevista que fiz com Celso Daniel num ônibus fretado para levar torcedores do Santo André a um jogo com o Grêmio Sãocarlense, no Interior do Estado: ou encontramos essa saída, ou poderemos ter complicações no futuro. 

Como se sabe, o futuro sempre chega. Mesmo que não tenha chegado além de dois anos para Celso Daniel.  

E os resultados são a prova do crime da insensibilidade, principalmente de gestores públicos que insistem em compartimentar e municipalizar o Grande ABC.  

RESTO DO RESTO  

Ficamos com o resto do resto do PIB de Serviços, de empregos de baixos salários e tudo o que isso representa. São Paulo é também nossa irrefreável madrasta. 

Dos R$ 73.828.833 bilhões do PIB Público de São Paulo, R$ 23.362.606 bilhões estão relacionados diretamente com o PIB de Serviços. No Grande ABC de Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema e Mauá, dos R$ 12.083.966 bilhões de PIB Público, apenas R$ 1.474.686 bilhão prendem-se ao PIB de Serviços.  

A participação relativa em cada endereço expressa a diferença: 31,64% na Capital e apenas 13,20% no Grande ABC. Os cinco municípios da região representam 23% dos habitantes da Capital. 

FAÇA AS CONTAS  

Quem quiser fazer uma continha simples para saber o resultado em forma de PIB de Serviços de cada município, levando-se em consideração o resultado per capita, basta dividir os valores registrados pelo total de moradores.  

No cômputo geral, a Capital reúne população quatro vezes maior que o Grande ABC dos cinco municípios. Já no PIB de Serviços, o Grande ABC não passa de 5,94% do total registrado pela Capital.  

Se você teve o capricho de chegar ao PIB de Serviços per capita dos seis municípios em questão, sempre considerando a Receita Total do ano passado, deve ter registrado resultado que coloca São Paulo com R$ 1.884,63 mil.  

Agora pegue Santo André, que, desindustrializada de forma mais acentuada que os demais municípios locais, conta com 18,70% de PIB de Serviços no PIB Público. São R$ 538.284,85 milhões no ano passado. Dividindo-se o valor pela população de 723.889 habitantes, chega-se ao resultado per capita de R$ 743,60 mil.  

Os demais municípios da região que constam desse estudo tiveram comportamento relativo semelhante ao de Santo André. Exceto São Caetano.  

SÃO CAETANO MELHOR  

No caso de São Bernardo, o total do PIB de Serviços no interior do PIB Público é de R$ 590.951,07 milhões que, divididos por 849.874 habitantes, resultada em PIB de Serviços per capita de R$ 695.34 mil.  

São Caetano dos tempos do prefeito Luiz Tortorello foi quem primeiro e praticamente isoladamente descobriu o veio de serviços, com uma espécie de guerra fiscal para tentar salvar a pátria municipal.  

Resultado em 2021? Participação de 13,50% do bolo geral do PIB Público. Do R$ 1.747.538.263 bilhão de Receita Total, ou seja, de PIB Público, R$ 235.992.768 milhões estão no compartimento do PIB de Serviços. Quando se divide o valor pelos 162.763 moradores, o PIB per capita da atividade é de R$ 1.449,91 mil. O maior da região.  

TORTORELLO EM AÇÃO  

Quando o prefeito Luiz Tortorello teve a iniciativa de romper o pacto regional liderado por Celso Daniel para equalizar impostos municipais no Grande ABC, o objetivo divisionista estava conectado a surfar na onda da guerra fiscal do setor, deflagrada por Barueri, cidade da Grande São Paulo.  

O PIB de Serviços de Barueri, em 2021, correspondia a R$ 1.702.611 bilhão no interior do PIB Público em forma de Receitas Totais de R$ R$ 4.004.449 bilhões. Ou seja: a participação relativa de Serviços é de 42,50%. Maior, inclusive, que os 31,64% da vizinha Capital.  

O PIB de Serviços per capita de Barueri, considerando-se a população de R$ 279.704 habitantes, chega a R$ 6.087,19 mil. Muito acima dos R$ 556,90 mil dos cinco municípios do Grande ABC. Mais de 10 vezes superior, para ser preciso.  

ARROGÂNCIA PROVOCATIVA  

Com uma porção de arrogância, apenas para que não se esqueçam dos números: o Grande ABC está na pré-história do setor de serviços quando confrontado com Barueri. Perdemos, como região, a noção de uma desigualdade que faz toda a diferença no campo econômico e social.  

Esse roteiro não chegou a ser traçado exatamente dessa forma por Celso Daniel há 25 anos. Ele, Celso Daniel, estava de olho em pegar carona na grandeza econômica de São Paulo no setor de serviços. Não chegou a nominar Barueri naquela entrevista sobrerrodas. Talvez não fosse necessário.  

Diadema e Mauá, que completam a representação do Grande ABC, têm resultados mais modestos.  

A participação relativa do PIB de Serviços dentro do PIB Público de Diadema é de 13,50%, mas de baixo valor per capita: dos R$ 1.376.575 bilhão de PIB Público, apenas R$ 109.336.653 milhões são de PIB de Serviços. O que representa apenas R$ 254.537 mil para cada um dos 429.550 mil habitantes. 

A mesma equação feita tendo em conta os resultados de Mauá, beneficiária do Polo Petroquímico, significa que do total do PIB Público de R$ 1.227.006 bilhão registrado em 2021, R$ 120.866793 milhões correspondiam ao PIB de Serviços. Resultado per capital quando se considera a população de Mauá de 481.725 mil habitantes? Exatamente R$ 250.904 mil. Nada menos que 40 vezes menos que a líder Barueri.  

Para completar, não esqueça da recomendação, quase um apelo por cidadania responsável: quando ouvir alguém do setor público ou do setor privado ou da sociedade em geral alardear que nosso futuro está nas atividades de serviços, é melhor não acreditar. Mais que isso: desconsidere. Até que o Grande ABC acorde para valer. O que é muito improvável. Perdemos o rumo, o prumo e a vergonha reformista. 



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