Duvido que você compraria ações do Grande ABC Sociedade Anônima se ações do Grande ABC Sociedade Anônima estivessem disponíveis no mercado. Eu não compraria.
E não compraria porque as 10 armadilhas que desfilei ainda outro dia como obstáculos que o Grande ABC enfrentou ao longo dos anos e ainda enfrenta são dissuasivas a investimentos.
O que proponho ao leitor é uma leitura atenta e, mais que isso, a mensuração de risco que as 10 armadilhas citadas impõem a uma avaliação comedida do futuro do Grande ABC.
CONCORRENCIA FORTE
Imagine o leitor uma Bolsa de Valores dos Municípios e Regiões Brasileiros. Essa Bolsa de Valores comportaria ações tanto municipais como regionais, ou seja, tanto de Estados como de municípios de interesses e configurações afins.
O Grande ABC seria uma das ofertas na praça, como a Grande Oeste (Osasco, Barueri e outros cinco municípios), a Grande Porto Alegre, a Grande Belo Horizonte, a Grande Campinas, o Vale do Paraíba é por aí.
Essa é, portanto, a Bolsa de Valores de Municípios e Regiões Brasileiros. Feita essa explicação, agora vamos aos finalmentes.
UMA GRANDE FURADA
O Grande ABC -- para quem conhece o Grande ABC -- seria uma grande furada. Claro que não se assemelharia à hecatombe da Americanas na Bolsa de Valores de São Paulo, porque aí seria demais.
Mas em termos de competitividade no mercado da Grande São Paulo, dos Estados e do País como um todo, os resultados deste século não deixam dúvidas. Estamos longe de oferecer retorno de capital e de confiança.
As 10 armadilhas que também podem ser chamadas de obstáculos são repetidas logo abaixo, agora com dois adendos: a avaliação curta e breve da trajetória de cada uma e uma sucinta avaliação de grau de risco.
GRAU DE RISCO
Convém explicar rapidamente o que significa grau de risco. As notas que atribuo a cada avaliação varia de zero a dez, sendo que dez é o caso atualmente mais grave, um obstáculo e tanto à valorização das ações do Grande ABC Sociedade Anônima.
Não avalio o grau de risco das 10 armadilhas apenas sob o ponto de vista histórico e sim às atuais circunstâncias. O que isso significa? Que o passado, em vários casos, possivelmente tenha sido mais grave do que o presente, mas o presente teve diluição relativa de peso em função de outros pontos de avaliação.
Acompanhe as maiores complicações do Grande ABC e entenda por que é muito arriscado apostar na Bolsa de Valores de Municípios e Regiões Brasileiros apenas por amor à região. Estamos fora do jogo de competitividade faz tempo. Veja as 10 armadilhas expostas há duas semanas:
GUERRA FISCAL.
PLANO REAL.
SINDICALISMO.
RODOANEL.
GOVERNO FHC.
PT FEDERAL.
DIVISIONISMO.
VIZINHANÇA CAPITAL.
MONTADORAS.
INSTITUCIONALIDADE.
GUERRA FISCAL
O peso está mais concentrado no passado como passivo do Grande ABC. Perdemos o bonde da guerra fiscal porque não tínhamos muito o que fazer. Onde foi possível fazer, como o caso de São Caetano no setor de serviços que tentou imitar Barueri, por exemplo, os resultados foram bons para o Município e ruim para a região como um todo. A guerra fiscal interna foi um inferno. E isso já vai fazer 30 anos. Guerra fiscal no setor industrial já instalado e consumado em muitos endereços do País é impraticável, porque semearia prejuízos entre empresas já instaladas em favor de novos empreendimentos. Todas as tentativas fracassam porque não têm sustentação legal e prática. Algum restolho de guerra fiscal, em forma de redução de custo do IPTU, por exemplo, não faz muita diferença. Resumo: não temos margem de manobra. Esse é um traçado interrompido. Nossos concorrentes ainda têm muito fôlego legal para nos impactar. Grau de risco: 7.
PLANO REAL
Lançado em 1994, o plano de estabilização da moeda acabou com a farra de ganhos financeiros estratosféricos. As empresas passaram um pente fino em todas as variáveis de improdutividades e desperdícios. O Custo ABC ficou mais evidente e transparente. E a competitividade ficou, portanto, mais árdua. Somando-se com a guerra fiscal e o recrudescimento do sindicalismo, não havia como descartar o êxodo da região. Aí os municípios tiveram de recorrer ao aumento da carga tributária própria. O Custo ABC se elevou ainda mais. O IPTU passou por vigorosos aumentos, corrigindo a defasagem e avançando sobre a inflação. Grau de risco: 8
SINDICALISMO
Houve arrefecimento nos últimos anos, até porque reivindicar numa região que segue contínuo processo de desindustrialização seria demais. Entretanto, o passivo histórico e o horizonte sempre inquietante por causa da cultura reivindicatória, com suporte político-institucional do Partido dos Trabalhadores, tornam o ecossistema trabalhista do Grande ABC um prato cheio à retirada sempre que é preciso prestar mais atenção nos custos operacionais. Grau de risco: 10
RODOANEL
Os dados são estarrecedores. Em duas décadas o Grande Oeste da Região Metropolitana de Capital (Osasco, Barueri e outros cinco municípios) ultrapassou e guarda imensa vantagem no PIB Geral diante dos sete municípios do Grande ABC. Os trechos Oeste e Sul são algozes da região. A cada temporada o Grande Oeste acumula mais vantagens na geração de riqueza. Perdemos o bonde da história. E tudo vai se complicar ainda mais quando o trecho Norte, de Guarulhos e vizinhança, estiver disponível. Grau de risco: 10.
GOVERNO FHC
Os oito anos do governo federal sob o controle de Fernando Henrique Cardoso desmantelaram completamente a ampla cadeia de empresas de pequeno e médio que davam suporte às autopeças ligadas diretamente às montadoras de veículos. Foi uma ruptura que ultrapassou todos os limites de responsabilidade social. O Grande ABC perdeu centenas de pequenas e médias industrias familiares, alijadas de uma competição em que vigorou o rebaixamento de alíquotas de importação às grandes empresas e a concorrência predatória. Oitenta mil empregos industriais foram para o ralo de deserções e mortalidade. Os rescaldos já não são relevantes, mas o passivo é irrecuperável. Grau de risco: cinco.
PT FEDERAL
O que parecia impossível no começo deste século, quando se encerrou o governo FHC, se tornou um pesadelo ainda maior nos 14 anos em que o PT dirigiu o governo federal. No período de oito anos anabolizados por commodities do presidente Lula da Silva a região reagiu industrialmente, com aumento do PIB e de emprego industrial com carteira assinada. Mas os seis anos posteriores de Dilma Rousseff, que, entre outros pontos, pegou a bucha de canhão de gastança de Lula da Silva, foram tenebrosos. O Grande ABC acumulou perde de 20% do PIB nos dois anos (2015-2016) de recessão da petista e até hoje procura saída para zerar uma conta que segue elevadíssima. Grau de risco: 10.
DIVISIONISMO
Eventuais vantagens comparativas que poderiam sensibilizar investimentos não encontram no Grande ABC nada que justifique a configuração de um regionalismo que de fato inexiste. A reunião de sete municípios cujos limites territoriais se confundem é um acidente geográfico repleto de ingerências emancipacionista, que retiraram a integralidade territorial no século passado sem oferecer respostas em ações conjuntas. O divisionismo do Grande ABC é pior que qualquer divisionismo que se prende a territorialidade de vizinhos. Agrava-se na medida que duas enfermidades se manifestam insistentemente: seus representantes fingem que se amam e que podem atuar juntos, mas, no fundo, são concorrentes prontos a furar os olhos de quem atrapalhar seus planos. Algumas ações cooperadas só se registram quando não resta dúvida de quem o ganho será mútuo mesmo. Grau de risco: 10.
VIZINHANÇA CAPITAL
A máxima de que o Grande ABC tem todos os ingredientes nocivos de competitividade da cidade de São Paulo e praticamente nenhuma das virtudes da cidade de São Paulo talvez seja a expressão-símbolo que explique o atravancamento do Desenvolvimento Econômico. A vizinhança da Capital é punitiva para o Grande ABC porque o gigantismo de oportunidades oferecidas pelo mercado da Capital torna o supostamente muito do Grande ABC não mais que pouco. Os investidores preferem mesmo ganhos de escala e a grife da vizinha poderosa. O Complexo de Gata Borralheira do Grande ABC em relação à Capital é a confissão tácita de uma pequenez identitária sem perspectiva de eliminação. Grau de risco: 10.
MONTADORAS
A Doença Holandesa Automotiva do Grande ABC, que ataca principalmente São Bernardo, São Caetano e Diadema, é um mal com origem na metade do século passado, com a chegadas das montadoras de veículos, e que vai se agravar na medida em que representar cada vez menos participação na riqueza regional. Afinal, o tempo passa e o Grande ABC não encontra alternativa para combater o esvaziamento industrial ditado sobremodo pelo setor automotivo. Nos seis últimos anos já apurados do PIB, contados a partir de 2014, registramos perda de 149 fábricas da Toyota na região, em forma de empregos formais industriais. A unidade da Toyota, fechada ano passado em São Bernardo, contabilizava 550 funcionários diretos. Fez-se estardalhaço com o anúncio de fechamento. O equivalente a 149 fábricas é um golpe irreversível e incontrolável. O Grande ABC será cada menos automotivo e por isso mesmo sentirá perda da musculatura econômica e social pelo menos durante mais uma década inteira. O que vai vir depois é outra conversa. Grau de risco: dez.
INSTITUCIONALIDADE
O Grande ABC é uma marca difusa, de baixa credibilidade, porque, entre outros motivos, não tem um foco estratégico de confiança como garantia de que é um endereço confiável. O divisionismo territorial gerou inconsistências de relacionamentos. Fracionou-se de tal maneira as relações internas, tudo praticamente dividido por sete e subdivididos por outros sete, que é impossível imaginar coalização de forças decididas a deixar o egoísmo municipalista de lado. O Clube dos Prefeitos raramente saiu do quadradismo de ineficiência. E agora, com o afastamento de São Bernardo e São Caetano, sofre choque anafilático que deverá se desdobrar em alguma transformação. Que, provavelmente, seguirá improdutiva. Grau de risco: dez.
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12/09/2024 Vejam só: sindicalistas agora são conselheiros