Economia

Professor-doutor é escalado
para manipular a Economia

DANIEL LIMA - 14/02/2023

Nesse calendário de datas aleatórias para desembrulhar o pacote de enfrentamentos às tentativas de manipulação da desindustrialização do Grande ABC,  o embate que mantive com um professor-doutor da PUC, há 22 anos, é um dos exemplos mais singulares do quanto se tenta turvar a realidade do Grande ABC.  

O leitor que não se ater a essa temática (ou seja, a desindustrialização como ferramenta de guerra indecente para ludibriar o distinto público que depende de informações corretas para não comprar gato por lebre) estará fadado no futuro, que pode ser hoje, a bater com a cara na porta de decepções. 

Deixar de lado em qualquer avaliação a situação atual do Grande ABC, baqueado ao longo dos anos pela desindustrialização, é algo como comprar um ingresso para assistir a um show de grande artista e dar de cara com um principiante desconhecido e sem talento algum. Os prevaricadores éticos não levam isso em conta. Jamais levaram. E odeiam quem os enfrentam.  

ALERTA MÁXIMO  

Tratar com seriedade o empobrecimento do Grande ABC deveria ser regra sagrada e quem sabe até mesmo tornar-se pacto de responsabilidade social acordado por forças institucionais e corporativas . 

Manipuladores perversos estão à solta mesmo nestes dias. Conhecemos alguns abutres disfarçados de empresários, por exemplo, que já fizeram e continuam a fazer misérias com a credulidade de contribuintes que também são consumidores,  quando não eleitores. 

Também no setor público são fluviais as águas que correm em direção a anseios políticos e partidários que aviltam a verdade comprovada.   

Manter os sinais de atenção é obrigação de cada um porque a sobrevivência num ambiente como o do Grande ABC, em continuada fragilidade indispensável.  

MAQUININHAS DIABÓLICAS  

Somente nos últimos anos no Brasil   -- goste-se ou do principal agente público que deflagrou o ambiente de desconfiança geral e irrestrita – a sociedade como um todo, mesmo longe de ser organizada, deu-se conta de que há impostores, malandros e muito mais nas praças.  

As maquininhas diabólicas em forma de smartfones botaram para quebrar. O custo relativo de fake news tão condenado pela Velha Imprensa mambembe é quase nada perto do despertar de uma cidadania que, escolhas ideológicas à parte, descobriu-se viva.  

A guerra de versões mesmo com artilharias pesadamente abusadas será sempre melhor que a versão única em forma de verdade com que brasileiros conviveram durante décadas. Viva as maquinas diabólicas.  

VEJA A DISPUTA  

Imaginem os leitores a situação em que me encontrava como jornalista à frente da revista de papel LivreMercado, antecessora de CapitalSocial, no confronto com um acadêmico que veio da PUC (Pontifícia Universidade Católica) carregando o título de professor-doutor? Corria o ano de 2001.  

À frente da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC (braço então valorizado na estrutura de regionalidade institucional que tinha o Clube dos Prefeitos como carro-chefe, então comandado por Celso Daniel), o acadêmico em questão, João Batista Pamplona, produziu um texto que negava a desindustrialização do Grande ABC.   

Mais que negar, tripudiava sobre este jornalista, a quem dirigiu um texto publicado originalmente na Gazela Mercantil, então o maior jornal de economia e negócios do País. 

Nada melhor, para entendimento completo, do que repetir agora o que o que fiz como diretor de Redação da revista LivreMercado, criada por mim em março de 1990 já sob inquietações provocadas pela desindustrialização.  

RÉPLICA A ARTIGO  

O que fiz, então? Publiquei nas páginas de LivreMercado a análise de João Batista Pamplona e, nas páginas seguintes, minha réplica. É o que repito agora.  

Pamplona foi um entre muitos agentes públicos e privados que, por interesses diversos, entre os quais o locupletar profissional, cansaram de mandar imprimir considerações fraudulentas sobre o estágio de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC.  

Jamais faltou uma mídia disposta a publicar material semelhante. Democracia informativa é isso. O problema é quando essa mesma mídia interdita o contraditório, oferecendo aos leitores apenas o lado adocicado artificialmente pelos bajuladores de plantão.  

Novos casos de fraudes informativas serão transpostas a estas páginas para mostrar o risco que representam infiltrados sempre à espreita como removedores de potencial mobilização que jamais se cristaliza para colocar o Grande ABC de volta aos trilhos do crescimento econômico.   

 

Mitos e fatos da

“desindustrialização” 

 *JOÃO BATISTA PAMPLONA - 19/06/2001 

 

Nos últimos 10 anos o setor industrial brasileiro sofreu profundas mudanças. Essas mudanças atingiram em cheio o Grande ABC, região eminentemente industrial e núcleo da industrialização brasileira. Os efeitos dessas transformações no mercado de trabalho regional foram dramáticos. Estimativas por nós realizadas com base na PED (Seade/Dieese) revelaram que ao longo dos anos 90 a indústria do Grande ABC eliminou cerca de 120 mil postos de trabalho. Isto fez com que a participação do setor industrial no total da ocupação da região caísse de aproximadamente 45% (no biênio 1988-1989) para algo em torno de 26% (em 1999). Essa redução brutal da ocupação industrial na região produziu aumento do desemprego e queda da qualidade do emprego.   

Em agosto de 1999, o desemprego no ABC atingiu o aflitivo nível de 23,1%. As ocupações geradas na década estavam essencialmente no setor de serviços, inclusive serviços domésticos, e eram de autônomos ou trabalhadores sem carteira assinada. Houve, assim, aumento da informalidade no mercado de trabalho. Em pesquisa divulgada recentemente pela Agência de Desenvolvimento do Grande ABC, estimou-se que as ocupações informais tenham crescido de 23% (início da década de 90) para algo como 32% do total das ocupações (no final da década).  

DIAGNÓSTICOS APRESSADOS    

Essa profunda crise no emprego industrial é responsável em grande parte por uma série de diagnósticos apressados que passaram a caracterizar o Grande ABC como uma região economicamente decadente, em vias de se desindustrializar e com perda contínua de importância econômica no cenário nacional. O ex-ministro Roberto Campos, ao longo dos anos 90, vaticinava a desindustrialização do Grande ABC, de onde as indústrias estariam emigrando em busca de climas mais market friendly, livres da agressividade sindical.   

Esses diagnósticos produziram o mito — aceito por quase todos, inclusive na própria região — do declínio industrial, da desindustrialização do Grande ABC. O equívoco desses diagnósticos está em tomar a profunda crise no mercado de trabalho como um sinal de desarticulação definitiva da base econômica. Também se enganam ao tomar problemas econômicos nacionais (a exemplo dos de natureza macroeconômica) como problemas econômicos regionais. As previsões sobre o Grande ABC confundem transformação do tecido industrial com esvaziamento do tecido industrial.  

DESEMPENHO INOVADOR    

Análises estruturais da economia da região feitas na Agência de Desenvolvimento Econômico, com base na reveladora e abrangente Pesquisa da Atividade Econômica Paulista (Paep) da Fundação Seade, demonstraram um quadro completamente diferente para a indústria regional. Quando comparada com a indústria de outras regiões do Estado de São Paulo, a indústria do Grande ABC apresentou de forma geral um desempenho inovador superior, revelando alto dinamismo. O indicador de inovação em produto e/ou processo no Grande ABC foi superior à média do Estado (em 20%).   

Nossas análises também mostraram que índices de transferência de estabelecimentos industriais dentro do Estado de São Paulo (inclusive Grande ABC) foram bastante baixos nos anos 90. O que houve intensamente foi um deslocamento de fases do processo produtivo e/ou de linhas de produtos. Dessa forma, as pessoas estavam muito preocupadas com o fechamento de plantas industriais, mas o que tinha de fato grande relevância eram as mudanças que estavam ocorrendo dentro das plantas industriais em funcionamento. Isto foi especialmente válido para o Grande ABC, onde os índices de deslocamento de fases do processo produtivo e/ou de linhas de produtos foram expressivamente superiores aos de outras regiões de São Paulo. No entanto, a região apresentou não só movimentos maiores de transferência (saída) como também de recepção (entrada). Muitos analistas não perceberam que quando as transferências são altas, mas as recepções também são, não há perda líquida de atividade industrial.   

PARTICIPAÇÃO MANTIDA   

Essa manutenção de atividade industrial (medida pela riqueza gerada e não pelo emprego) está claramente evidenciada nos dados de Valor Adicionado (VA) fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, que revelam que ao longo dos anos 90 a indústria do Grande ABC manteve sua participação (cerca de 15%) no total do VA industrial paulista.   

A essa dinâmica estrutural da indústria no Grande ABC somam-se agora os ventos favoráveis da conjuntura macroeconômica brasileira. Superado o entrave cambial e iniciada uma relevante redução na taxa de juros, a atividade industrial regional dá importantes sinais de recuperação e está aquecendo o restante da economia do Grande ABC. No ano 2000, a indústria do Grande ABC não diminuiu sua participação relativa na ocupação regional. Houve até um pequeno aumento. Isto indica que a indústria da região reduziu, mas não perdeu sua capacidade de gerar postos de trabalho em conjunturas favoráveis.  

MANTENDO A FORÇA    

O desempenho favorável da indústria produziu expressiva melhora no mercado de trabalho da região em 2000 e em 2001. A taxa de desemprego média anual, que era de 21,4% em 1999, caiu para 18,7% em 2000 (redução de 12,6%). A qualidade das ocupações geradas também está melhorando. Entre fevereiro de 2000 e fevereiro de 2001 foram criados no Grande ABC cerca de 50 mil novos postos de trabalho com carteira assinada.   

O Grande ABC continua mantendo sua polaridade industrial. As mudanças dos anos 90 geraram de fato profunda reestruturação. Sua base industrial se transformou, mas continua preservada em sua capacidade de gerar riqueza. A atividade industrial no ABC é maior do que a do Estado do Paraná e é equivalente à do Rio Grande do Sul. Um setor industrial desta dimensão, que é diversificado, que é integrado e que se modernizou nos seus principais subsetores, guarda certamente um potencial nada desprezível. Os fatos evidenciam que a economia do Grande ABC — e em especial o seu tecido industrial — passou por extraordinárias transformações que, longe de esvaziá-la, a reestruturaram e a revigoraram, não obstante os custos sociais.    

* João Batista Pamplona é coordenador técnico de Pesquisas na Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC e professor doutor do Departamento de Economia da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo.  

 

Mitos e fatos da

desindustrialização 

 DANIEL LIMA - 19/06/2001 

 

Quem acredita que o Grande ABC preserva a capacidade de gerar riquezas industriais? Quem endossa essa posição manifestada pelo Coordenador Técnico de Pesquisas da Agências de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC, João Batista Pamplona? A afirmativa do professor doutor do Departamento de Economia da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo é uma das muitas imprecisões do artigo que assina nesta edição, depois de publicada originalmente na Gazeta Mercantil. Com o evidente propósito de parodiar a série Mitos e Fantasmas, que LivreMercado publica há muitos anos, João Batista Pamplona construiu um castelo de areia de argumentos sob o título original Mitos e Fatos da "Desindustrialização" do ABC. Embevecido pela proposta de agradar à plateia desatenta, em vez de paródia o acadêmico acabou por produzir uma farsa.   

O desmonte da fundamentação de João Batista Pamplona -- a  atividade industrial do Grande ABC teria sido preservada -- está nos números estatísticos da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, fonte que Pamplona simplesmente menciona, enquanto LivreMercado perscrutou. Comparando-se os números do Valor Adicionado registrado pelos sete municípios do Grande ABC em dois anos distintos (1995 e 1999),  chega-se à impressionante perda de 43,16%. Isto é: para cada R$ 100 produzidos pelo Grande ABC num 1995 imediatamente após a implantação do Plano Real, restaram apenas R$ 56,84 cinco anos depois, ano em que ocorreu a desvalorização do mesmo real.  

PERDAS MENSURADAS    

Em 1995 o Grande ABC gerou R$ 17,6 bilhões de Valor Adicionado, contra R$ 19,6 bilhões de 1999. Em valores absolutos houve crescimento de 11,17%. Entretanto, com o deflacionamento dos valores pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), conforme cálculos da ASPR Auditores Independentes, empresa que presta assessoria à LivreMercado,  a perda chega a 43,16%. A conta é simples: a inflação do período atingiu 54,33%. Tivesse -- como afirma João Batista Pamplona -- mantido seu tônus industrial, o Grande ABC teria gerado R$ 27,1 bilhões de Valor Adicionado em 1999, não R$ 19,6 bilhões.   

Bastariam esses dados para aniquilar as seguintes afirmações do dirigente da Agência de Desenvolvimento Regional. "Os fatos evidenciam que a economia do Grande ABC -- e em especial o seu tecido industrial -- passou por extraordinárias transformações que, longe de esvaziá-la, a reestruturaram e a revigoraram, não obstante os custos sociais" --- escreveu Pamplona em seu conto da carochinha. Seria impossível conciliar  reestruturação produtiva, redução do quadro de trabalhadores e fartos indicadores de empobrecimento da região sem que a base socioeconômica do Grande ABC não continuasse a passar por enxugamentos industriais.   

A  PARTIR DE 1970  

A queda do Valor Adicionado do Grande ABC pesquisada por LivreMercado tem origem em meados de 1970 e se agravou continuamente, invadindo a década passada de abertura dos portos e de estabilidade monetária. A surpresa dos números da Secretaria da Fazenda do Estado está na profundidade das perdas industriais do Grande ABC no período contabilizado. O buraco é muito maior do que se imaginava. Evasão, miniaturização e desativação de unidades industriais são mais inquietantes do que os mais céticos poderiam imaginar.   

A queda do Valor Adicionado não surpreende porque o Grande ABC não consegue estabilizar desempenho em qualquer indicador.   O Índice de Potencial de Consumo medido pela Target Pesquisas sofreu corte de 23,5% nos últimos 11 anos. O ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que agrega peso considerável do Valor Adicionado (76% no total dos cálculos) caiu 29,79% entre 1995 e 1999, mesmo período de análise do Valor Adicionado. O PIB (Produto Interno Bruto) relativo ao Grande ABC no período de 1970 a 1996, segundo medição do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), órgão ligado ao Ministério do Planejamento do Governo Federal, emagreceu 37,6%. Ora, diante da fartura de contra-indicadores, a terapia da dissimulação de João Batista Pamplona só poderia ser interpretada como tentativa de evangelizar o triunfalismo.   

DESEMPREGO TAMBÉM    

Depois de registrar a perda de 120 mil empregos industriais (os dados, não detalhados, referem-se ao período de 1989 a 1997 e estão baseados em coleta do Ministério do Trabalho,  publicados à época com exclusividade por LivreMercado), João Batista Pamplona procura dissociar desemprego de refluxo industrial, como se os galpões desocupados ou subtilizados fossem ilusão de ótica de incorrigíveis pessimistas: "Essa profunda crise no emprego industrial é responsável, em grande parte, por série de diagnósticos apressados que passaram a caracterizar o ABC como uma região economicamente decadente, em vias de se desindustrializar, com perda continua de importância no cenário nacional"-- escreveu Pamplona em busca de escalpos de incompetência.   

Mais à frente, afirma: "Esses diagnósticos produziram o mito -- aceito por quase todos, inclusive na própria região -- do declínio industrial, da desindustrialização do ABC. O equívoco desses diagnósticos está em tomar a profunda crise no mercado de trabalho como um sinal de desarticulação definitiva da base econômica (...) As previsões sobre o Grande ABC confundem transformação do tecido industrial com esvaziamento do tecido industrial" -- disse Pamplona.  

MUITAS ACROBACIAS    

Como se verifica, o dirigente da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC faz verdadeiras acrobacias  interpretativas para compensar a ausência de dados que LivreMercado tem publicado à exaustão e, como agora, acrescenta novos condimentos a tempero bastante apimentado.   

Quando recorre à estatística, Pamplona revela destreza típica de quem se lança ao trânsito de olhos vendados. "Analises estruturais da economia da região feitas pela Agência de Desenvolvimento Econômico, com base na reveladora e abrangente Paep (Pesquisa da Atividade Econômica Paulista) da Fundação Seade, demonstraram um quadro completamente diferente para a indústria regional. Quando comparada com a indústria de outras regiões do Estado de São Paulo, a indústria do ABC apresentou, de forma geral, um desempenho inovador superior, revelando alto dinamismo. O indicador de inovação em produto e/ou processo no Grande ABC foi superior à média do Estado em 20%" -- garantiu Pamplona.  

CORRIDA DIFERENTE    

Essa é apenas uma parte da verdade que cerca a renovação tecnológica no Grande ABC. Pamplona omitiu o fato de que apenas um terço das indústrias da região (e que representam 80% do Valor Adicionado) investiram em processos e produtos no período da pesquisa (1995-1996). Isso significa que dois terços, formados sobretudo por pequenas e microindústrias, perdiam o bonde da renovação e aprofundavam ainda mais o fosso que as separava das grandes corporações. Pamplona também desconsiderou que os investimentos em tecnologia foram centralizados principalmente na indústria automotiva -- montadoras e autopeças de porte -- além da indústria química e petroquímica. Omitiu, principalmente, que por ter uma base industrial mais antiga que a de qualquer região do Estado, cujo processo de industrialização é mais recente e historicamente menos protegido -- e, portanto, mais moderno -- as maiores indústrias do Grande ABC lançaram-se compulsoriamente em maior escala à modernização de máquinas, equipamentos e processos.   

A alternativamente era a completa perda de competitividade e o desaparecimento, que atingiram em cheio as sempre sacrificadas e discriminadas unidades de menor porte. Comparando o processo de modernização do Grande ABC e do Interior do Estado, seria algo como medir o grau de desgaste físico de dois maratonistas de idades contrastantes, um na plenitude dos 20 anos e outro já sexagenário.  

QUEDA DE PARTICIPAÇÃO    

Outro tropeço de João Batista Pamplona: "Essa manutenção de atividade industrial (medida pela riqueza gerada e não pelo emprego) está claramente evidenciada nos dados de Valor Adicionado fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, que revelam que ao longo dos anos 90 a indústria do Grande ABC manteve sua participação (cerca de 15%) no total do Valor Adicionado industrial paulista" -- afirmou.   

O representante da Agência de Desenvolvimento Econômico erra ao tangenciar dados de Valor Adicionado que LivreMercado esmiúça. A participação relativa da indústria do Grande ABC se reduz a cada ano. O Valor Adicionado do Grande ABC em 1995 correspondia a 13,7% do total registrado pelo Estado de São Paulo (R$ 17,6 milhões de R$ 138,7 milhões arrecadados pela Secretaria da Fazenda), enquanto cinco anos depois, em 1999, caía para 9,81% (R$ 19,7 milhões de R$ 200,9 milhões do Estado). Não se trata, como se observa, de uma simples queda, mas de salto no abismo.  

AFAGO FÁCIL    

Todo o restante da louvação de João Batista Pamplona torna-se, então, desconexo. Inclusive incursões sobre a taxa de desemprego, porque utiliza dados de fonte de informações que não do Ministério do Trabalho, mencionadas na abertura do artigo. Como os dados do Ministério do Trabalho são resultado de metodologia mais segura que os da Fundação Seade (carteiras assinadas contra ocupação captada por meio de entrevistas pessoais por amostragem) qualquer correlação que se faça correrá o risco de confundir laranja baiana com banana baiana.    

De resto, o poderio industrial do Grande ABC ainda é tão pronunciadamente respeitável quanto o fato de que também musculatura a olhos vistos num processo que longe está de se esgotar, considerando um feixe de razões esmiuçadas permanentemente  por LivreMercado.   

Na verdade, o professor doutor do Departamento de Economia da PUC-São Paulo transmitiu a impressão de que fez o possível para parecer especialista numa prova de fundo da economia regional, mas se revelou mesmo um aprendiz dos 100 metros rasos. Não é descartável a possibilidade de ter deixado escapar fôlego e habilidade por ter preferido o afago fácil de quem não entende do riscado ou de quem acredita que estudos voltados para a economia do Grande ABC estão esterilizados contra implicações políticas e institucionais.   

GRANDES PERDEM    

Uma espécie de clube dos municípios que registram mais de R$ 1 bilhão de Valor Adicionado, selecionado por LivreMercado com base em dados oficiais da Secretaria da Fazenda do Estado, comprova as perdas que atingiram o Grande ABC. Nenhum dos cinco municípios que constam da lista deixou de sofrer derrotas quando comparados os números deflacionados de 1995 e1999. São Caetano que se vangloria do crescimento da área de serviços em contraposição à deserção industrial é submetida à prova de que sem indústria o empobrecimento é compulsório. Em 1999 a administração do prefeito Luiz Tortorello contava com Valor Adicionado 69,75% inferior aos 12 meses de 1995. São Bernardo perdeu 40,27%, Santo André 28,09%, Diadema 33,67% e Mauá 43,18%. Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não estão na elite do Estado, mas também perderam receitas. O caso de Ribeirão Pires é mais grave, porque até mesmo em valores absolutos, isto é, não deflacionados, caiu na classificação.   

Dos 32 municípios do Clube do Bilhão do Valor Adicionado, apenas nove aumentaram arrecadação, sempre considerando a inflação do período. São José dos Campos, a capital do Vale do Paraíba, é o endereço mais expressivo: saltou 51,11% em termos reais e alcançou a vice-liderança, atrás apenas da Capital, que perdeu bem menos que a média do Grande ABC (14,48%) no intervalo de cinco anos. Uma indicação de que a cidade de São Paulo está-se recompondo mais rapidamente que o Grande ABC das dores da desindustrialização que ainda não se exauriu, como comprova a frequência com que o Interior recebe investimentos de companhias paulistanas.   

ESTADO PERDE    

As perdas do Grande ABC e de outros municípios estão relacionadas ao Valor Adicionado do Estado de São Paulo, mas haverá adicional de perdas se as análises se estenderem ao País, porque no mesmo período (1995 a 1999) os paulistas perderam em termos reais 9,49% de Valor Adicionado. Isto é: os R$ 138,7 bilhões de VA registrados em 1995 seriam 9,49% superiores aos R$ 200,9 bilhões verificados em 1999. É a consequência da guerra fiscal.   

Os números do Valor Adicionado reforçam as conclusões de LivreMercado sobre as perdas registradas em outros indicadores (PIB, ICMS e Potencial de Consumo) pelo Grande ABC e Grande São Paulo e a quase totalidade dos municípios que lideram regiões paulistas, casos de Campinas, Sorocaba, Ribeirão Preto, Bauru, São José do Rio Preto, entre outros. A conclusão é a mesma de sempre: o setor industrial está se dirigindo cada vez mais às proximidades dos grandes municípios paulistas, preferencialmente não distantes demais da Região Metropolitana de São Paulo. Essa operação pode ser traduzida como a capacidade estratégica de escolher área longe dos problemas das deseconomias das metrópoles, mas perto das vantagens do consumismo metropolitano.  

DADOS ALARMANTES    

O executivo Roney Costa, da Delta Auditores Associados, empresa com sede na Capital, ficou surpreso com os dados analisados por LivreMercado. Espécie de caixeiro-viajante de empresa especializada em aumentar receitas tributárias dos municípios, Roney Costa não tinha ideia de que a desindustrialização do Grande ABC fosse tão acentuada. "Quase 50% de perdas do Valor Adicionado é realmente muito para uma região porque, basicamente, esse indicador revela a capacidade econômica de qualquer localidade" -- afirma com a experiência de quem viaja permanente para o Interior do Estado.   

O conceito de Valor Adicionado, explicado por Roney Costa, não deixa margem para dúvidas quanto à importância do indicador como instrumento de medição da temperatura econômica. "Valor Adicionado é o total de vendas de uma empresa menos o valor de compras de matérias-primas, produtos de terceiros e serviços. Traduzindo: é o somatório de salários, impostos, juros e lucros adicionado ao processo de produção pela própria empresa. Isso tudo mede a contribuição da companhia no processo produtivo de um determinado produto. Nunca chega a 100% porque as matérias-primas são compradas por terceiros" -- explica o especialista. Que completa: "Quanto maior o Valor Adicionado, maior a contribuição da empresa. Empresas com pequeno Valor Adicionado são vulneráveis aos ciclos econômicos e às mudanças de mercado".   

BAIXA COMPENSAÇÃO    

Para o Grande ABC que nos últimos anos perdeu força industrial, mas ganhou muitos investimentos nos setores comercial e de serviços, os números do Valor Adicionado são ainda mais preocupantes, porque evidenciam que a compensação longe está de alcançar ponto de equilíbrio. Ary Silveira, sócio-diretor da ASPR Auditores Independentes, de Santo André, engrossa o coro de preocupação: "Desde 1996, quando começamos a acompanhar e a analisar a divulgação oficial do IPM (Índice de Participação dos Municípios) do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), da Secretaria da Fazenda do Estado, observamos queda real ano após ano, culminando com a perda do segundo lugar no Estado, que era ocupado por São Bernardo, para a cidade de Guarulhos.   

De 1996 a 2000, a queda real do IPM ultrapassou a 27%. Se voltarmos ao tempo, em 1976, o resultado é estarrecedor, pois enquanto Mauá e Diadema melhoraram seus índices, São Bernardo, São Caetano e Santo André perderam 41%, 50% e 65%, até 2000. No caso de Santo André, é como passar a receber um salário de menos da metade. Portanto, o empobrecimento decorrente da desindustrialização da região é incontestável" -- afirma o economista. Ary Silveira lembra que o peso do Valor Adicionado na definição da estrutura de distribuição do ICMS alcança 76%. Na sequência entram população, receitas próprias dos municípios, áreas inundáveis, entre outros pontos.   

Para Ary Silveira, a argumentação do professor João Batista Pamplona de que a perda de postos de trabalho poderia não levar à queda do Valor Adicionado teria sentido com a implementação de processos de automação da produção, com possíveis aumentos da produtividade. "Mas com os números disponíveis, não há como contestar as perdas. O problema só não é maior devido a grandes investimentos na área comercial e de muitas novas empresas de serviços que se instalaram na região" -- completa Ary Silveira. 



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