Essa é uma pergunta que vale um milhão de dólares porque é uma pergunta que exige muita reflexão, além de muito conhecimento, muita dose de divindade, para não dizer de abracadabra e, quem sabe, até trato com satanás.
Como não tenho nada de divino exceto muita oração, como tampouco flerto com o diabo, como meus conhecimentos e minhas reflexões perdem muito peso relativo diante dos outros dois fatores, essa é uma pergunta sem resposta. Fico na condição de torcedor organizado, à falta de sociedade organizada.
O que posso adiantar é que os sofríveis 14 anos do PT Federal no Grande ABC, tema sobre o qual já me debrucei inúmeras vezes (ao contrário de outras mídias da região e mesmo de fora, que ficam só no dia a dia fastfoodiano) teriam sido menos tenebrosos com Celso Daniel.
Mas a distância entre tragédia daquele período e algo menos elasticamente danoso não seria tanta e tampouco alteraria o quadro. O PT Federal teria fracasso praticamente do mesmo jeito no Grande ABC.
BARRA PESADA
Tudo porque os estragos macroeconômicos provocados pelo PT, sobremodo no período de Dilma Rousseff, aqueles dois anos (2015-2016) da maior recessão da história do País, e, com folga, a maior e mais contundente desde o descobrimento do Grande ABC, aqueles estragos, dizia, são inconciliáveis com qualquer verbete do vernáculo pátrio que pretenda amenizar a situação.
Por isso, nem Celso Daniel com o brilho estelar que todos devem reconhecer acima de intolerâncias destes tempos, nem Celso Daniel teria reduzido as ruínas a ponto de não termos sofrido tanto.
Convém lembrar à audiência mais jovem que Celso Daniel morreu em janeiro de 2002 e Lula da Silva foi eleito presidente após três tentativas frustradas em outubro do mesmo ano.
CAOS E TRANFORMAÇÃO
Os oito anos anteriores de Fernando Henrique Cardoso foram estrepitosamente destruidores para o Grande ABC, mas fizeram muito bem ao País como um todo com o legado fiscal contra populismos desvairados que acabaram por emergir com os petistas após o primeiro mandato de Lula da Silva. A farra do boi de generosidades estatais foi abundante. E contratou a recessão dilmista.
Nada muito diferente do que o envelhecido Lula da Silva do quinto mandato petista pretende reeditar, a começar por pressões contra a política fiscal cautelosa do Banco Central.
Celso Daniel teria um papel de destaque no governo Lula da Silva. Seria ministro de Planejamento. Mas estava caminhando para concorrer ao governo do Estado naquele mesmo ano, segundo disse José Dirceu, o chefão petista, conforme está no documentário da Globoplay que tratou do assassinato do petista.
Fosse o PT, apenas o PT, somente o PT, ter ficado órfão de Celso Daniel, as perdas já seriam extraordinariamente danosas. O problema é que o Grande ABC e especialmente Santo André sofreram mais.
TROCA OBRIGATÓRIA
O PT Federal deu um jeito de substituir Celso Daniel por um então prefeito de Ribeirão Preto, Antônio Pallocci, que, longe de rivalizar as destrezas do assassinado, contava com jogo de cintura suficiente para participar de tudo que todos sabem de que participou. Não que Celso Daniel não houvesse permitido coisas semelhantes também no Paço Municipal.
Não vou tocar num fio de cabelo da memória de Celso Daniel no campo extra político porque já cansei de escrever sobre os motivos que o levaram ao outro mundo.
Tudo foi mais que esclarecido, embora de vez em quando apareça alguém que quer arrumar subterfúgio para ferir a suposta honra petista. É pura perda de tempo e burrice.
PASSIVOS DEMAIS
O PT tem tantos passivos éticos, morais e criminais que Celso Daniel retirado de um crime absolutamente comum só desclassifica as provas provadas da Lava Jato, as quais jamais fizeram qualquer relação com o assassinato propriamente dito.
Mas voltemos ao que interessa. Celso Daniel fez muita falta ao PT Federal porque entre outras virtudes tinha uma plataforma de reformismo regional que a agremiação de Lula da Silva jamais atacou para valer.
Até um Ministério das Cidades foi criado, mas nada que representasse o que seria com Celso Daniel. O que falar então do Conselhão, que Celso Daniel introduziu na Prefeitura de Santo André e, principalmente, no Grande ABC com a Câmara Regional. Algumas políticas públicas lançadas em Santo André acabaram reformatadas, é verdade.
NOVAS GERAÇÕES
A nova geração de moradores, de formadores de opinião e de tomadores de decisões do Grande ABC precisa ser levada a refletir sobre a importância de Celso Daniel para a regionalidade. Foram alguns anos de bons resultados porque instilou na sociedade desorganizada algo desprezado ao longo dos tempos.
Mas é sempre importante dizer para que não confundam ações com resultados. Celso Daniel morreu de morte matada sem levar à consagração o que propagou. O retrocesso é estonteante.
FICÇÃO E REALIDADE
O Grande ABC ficcional é avesso ao Grande ABC material. A maioria dos mandachuvas e mandachuvinhas adora falar em regionalidade mas praticamente nada faz nesse sentido. Exceto na busca de votos.
Aí as vantagens comparativas de dois milhões de eleitores num reduto estreito em termos de dimensões territoriais e espesso em densidade demográfica é o sonho da produtividade de recursos de financiamentos.
Possivelmente Celso Daniel governador ou ministro não teria perdido o contato afetivo e administrativo com o Grande ABC.
Diferentemente portanto de todos aqueles com os quais dividiu a administração da Prefeitura de Santo André durante seis dos últimos 10 anos de três mandatos, Celso Daniel não teria se perdido nas brumas da atomização de interesses nacionais.
OITAVO PREFEITO
Celso Daniel teria sido o oitavo prefeito do Grande ABC a bordo de qualquer cargo estadual e federal.
Contrariamente à baixíssima possibilidade de Celso Daniel amenizar os problemas na região provocados pela gestão de Dilma Rousseff, quando a indústria automotiva entrou em parafuso, a regionalidade teria ganhado forte impulso institucional sem que necessariamente isso mudasse o quadro geral.
O modelo de regionalidade na Grande São Paulo provavelmente teria sofrido mudanças estratégicas.
Não vou nem falar da diferença que um Celso Daniel em patamar superior da hierarquia política e administrativa dos prefeitos do Grande ABC poderia contribuir em termos de ajustes no Clube dos Prefeitos.
CONVERSA BOA
Aliás, sobre isso, pouco tempo antes do assassinato, conversamos a respeito e ele abriu um sorriso de satisfação à reiterada sugestão de que um Conselho Consultivo para valer, não esses embustes que o Clube dos Prefeitos criou, poderia forjar novos tempos.
Anteriormente, assim que assumiu o segundo mandato na Prefeitura de Santo André, em 1997, cumpriu a promessa feita a este jornalista e criou a primeira Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC. Chamou (heresia das heresias petistas) um representante da livre-iniciativa para o comando da secretaria – Nelson Tadeu Pereira, executivo da Rhodia.
Tenho muito orgulho de ter convivido profissionalmente com Celso Daniel durante muitos anos, embora frequentasse muito pouco a Prefeitura de Santo André.
COMANDO EXEMPLAR
Celso Daniel era um extraordinário comandante de equipes. Somava discrição, concessões, estimulo e controle focal e cronológico absoluto das iniciativas.
Valorizava todos os participantes de um encontro de secretários, por exemplo, e tinha capacidade rara de filtrar desperdícios verbais de objetividade técnica.
Nunca havia pensado em fazer esta incursão sobre Celso Daniel neste século no Grande ABC, até que ontem de manhã, durante os 80 minutos de pernas nas ruas, fixei-me no assunto.
Caminhar com minhas cachorras durante 40 minutos é uma jornada reflexiva da qual não abro não. E mais recentemente decidi voltar a correr nas ruas, depois do passeio com as cachorras, e lá se vão mais 40 minutos. Ontem foram, portanto, 80 minutos sobre a importância da ausência de Celso Daniel. Outro dia conto que tenho menos dificuldades de equilíbrio físico-corporal para correr do que para andar. Coisas da vida.
Só não pensei algo durante a caminhada seguida de corrida sobre Celso Daniel que estou pensando agora, enquanto dedilho estas linhas.
O QUE SERIA?
Afinal, e se Celso Daniel vivo estivesse agora, ocupando um cargo claramente de destaque do governo Lula da Silva?
Quais seriam as possibilidades de Celso Daniel auxiliar o governo federal e retirar da minha frente a desconfiança de que vamos viver quatro anos terríveis?
O PT não aprendeu as lições, segue ultrapassado em conceitos macroeconômicos e gerenciais e enfrenta, como todos os demais partidos, um mundo diferente, de redes sociais que liquidaram o monopólio nefasto da Velha Imprensa.
Acho que Celso Daniel teria muito menos possibilidades de fazer o que tanto imaginava em 2002 porque agora em 2023 o bicho de controvérsia pega a todo mundo com todo tipo de jogo de conflitos em campo.
Entretanto, mesmo assim, seria possível alguma coisa se movimentar em direção a um ponto de conexão com um futuro menos problemático nas grandes metrópoles, especialmente na Região Metropolitana de São Paulo de 22 milhões de habitantes, que é a soma de todo o Estado do Paraná e do Estado do Rio Grande do Sul.
METRÓPOLE LOUCA
Aliás, é sobre isso que pretendo conversar com o governador Tarcísio de Freitas, que está chegando num terreno que já deu o que tinha de dar de bom e de ruim e precisa, como todos sabem, ser fertilizado com novas ideias pragmáticas.
Estivesse vivo, Celso Daniel provavelmente já me teria ouvido onde quer que estivesse, no Estado ou em Brasília, e provavelmente nem precisaríamos trocar palavras para chegar aonde pretenderíamos. Bastaria um olhar de confiança e de reciprocidade quanto ao entendimento da importância da metrópole paulista, vital ao equilíbrio social e econômico do Grande ABC.
Tão vital que nas duas últimas décadas a cidade de São Paulo agravou ainda mais nossas precariedades. E agravará ainda mais quando um ramalzinho do metrô aqui chegar e quando o rastaquera do BRT também estiver funcionando. Os gataborralheiras do Grande ABC comemoram tanto uma coisa quanto outra, quando deveriam ser comedidos, agradecidos mas igualmente precavidos. Celso Daniel entenderia o que estou escrevendo.
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21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?