O Diário do Grande ABC de hoje cometeu uma das maiores barbaridades editoriais da história ao sonegar aos leitores o que praticamente toda a mídia publicou ontem e publica hoje – as anunciadas 600 demissões na fábrica da Bridgestone, em Santo André.
A Bridgestone é uma das cinco maiores fábricas de impostos de Santo André. E a maior de empregos industriais.
O Diário está preso a uma proteção (e a uma insistente promoção) generalizada que coloca o prefeito Paulinho Serra numa redoma de sucesso. Essa é a razão de tamanha insensatez.
Acontece que o prefeito Paulinho Serra não tem culpa nesse cartório de notas tristes. Seu pecado não está no passado. Paulinho Serra não viveu como homem público o passado de desindustrialização de Santo André. Seu erro é o presente em forma de prefeito resistente aos alertas.
Vou explicar abaixo a razão de uma coisa e de outra coisa. Muito melhor que engendrar esquema de seletividade informativa.
MUITO DIFERENTE
Deixar de publicar com o devido destaque (e o devido destaque é a manchetíssima, ou seja, a principal manchete de primeira página) o que é mais um capítulo da quebra de competitividade econômica de Santo André, em particular, e do Grande ABC, como um todo, não é a melhor política editorial.
Melhor dizendo: é a pior política editorial de uma publicação que está justamente no 65º aniversário de circulação.
Se a fábrica da Bridgestone estivesse em São Bernardo ou em São Caetano, a manchetíssima do Diário do Grande ABC seria automática, tanto quanto foram as saídas de Ford e da Toyota, entre outras.
Mais que isso: a repercussão seria continuada, dia após dia. E sempre vinculando a derrocada aos dois prefeitos. O que seria igualmente injusto.
RELAÇÕES CONFLITIVAS
O que separa uma coisa da outra é que o Diário do Grande ABC está amarrado à Administração Paulinho Serra, enquanto bate sem tréguas nos prefeitos Orlando Morando e José Auricchio Júnior.
Esses mesmos prefeitos foram contemplados com relacionamentos mais amistosos no passado.
Seria uma cretinice sem tamanho se este jornalista que se diz e prova que é o ombudsman do Grande ABC (e que já o foi em dois períodos do próprio Diário do Grande ABC, entre outros cargos) não chamasse a atenção para a aberração que constatou hoje de manhã, assim que recebeu o exemplar impresso do jornal mais tradicional da região.
Já imaginava que pudesse ocorrer uma edição mitigatória à imagem de Santo André. Não é mesmo agradável ter de publicar que 600 trabalhadores vão engrossar a fila de ex-empregados industriais na região, sobretudo no território de um prefeito endeusado.
Daí, entretanto, sonegar a informação, ou seja, não dar sequer uma linha, quando a manchetíssima era obrigatória, é algo digno dos anais do Tabajara Futebol Clube.
BOA VIZINHANÇA
O Diário do Grande ABC já assinaria um atestado de vizinhança boa demais com o prefeito Paulinho Serra se o assunto não fosse levado à manchetíssima, ou seja, se ocupasse área menos nobre. Ao ignorar uma questão tão grave, assinou atestado de imprevidência editorial.
E vejam que a situação posta, ou seja, de demissões na Bridgestone, não pode jamais estar relacionada às políticas constatadamente frágeis do prefeito Paulinho Serra no campo de Desenvolvimento Econômico, como estamos cansados de afirmar e provar --- ao contrário da omissão do Diário do Grande ABC.
Paulinho Serra, assim como Orlando Morando em São Bernardo e José Auricchio Júnior em São Caetano, está muito distante em termos de importância como agente incriminatório do esvaziamento industrial da região, sobretudo no estoque de empregos industriais.
PASSIVO INEXORÁVEL
A situação está apenas transbordando em volume sempre inquietante. O passado de inconformidades competitivas no setor industrial do Grande ABC é a melhor e mais justa explicação.
No caso da Bridgestone de Santo André o que temos é um enredo mais que conhecido. Uma linha de produção específica, de pneus para veículos de passeio, perdeu a corrida de resultados competitivos de uma companhia multinacional com fábricas em vários países e que tem no painel de controle de custos todos os quesitos de ponderações que prestigiam os acionistas.
Esse é o capitalismo globalizado. Goste-se ou não, e deixando a hipocrisia de lado, qualquer investidor ou poupador quer ver o produto de seus rendimentos lastreado por sucesso financeiro. A Bridgestone é uma fábrica de pneus que, para seguir ativa, sabe que não pode ser confundida com Madre Tereza.
CRONICA ANUNCIADA
A raiz da perda de competitividade da Bridgestone em Santo André é extensa. Tanto abrange custo trabalhista como complexas operações logísticas. Sem falar dos custos tributários e da selvageria fiscal. A Bridgestone está em Santo André, mas o mundo da produtividade referencia suas atividades.
O que surpreende é que somente agora, em pleno início da terceira década deste século, a Bridgestone de Santo André comece a passar pelas dores mais agudas da miniaturização operacional.
Uma Reportagem de Capa histórica da revista LivreMercado, antes que esse século começasse, já colocava a questão de resiliência da fábrica de Santo André em xeque.
O então presidente da companhia, Mark Emkes, um dos raros executivos privados que deixaram saudade na região, gerenciou o processo de readequação do formato da fábrica com série de medidas que resultaram em equilíbrio concorrencial tanto na produção quanto na comercialização de produtos.
Mas o tempo passa na catinga da fumaça e o esgarçamento interno da produtividade no Grande ABC e o ecossistema de produção do setor sem limites geográficos determinaram alterações insuperáveis no rumo dos negócios.
FUGINDO DA RAIA
Fosse Paulinho Serra o prefeito o que sempre sugeri que fosse, ou seja, que enfrentasse a herança maldita que recebeu ao assumir o cargo em janeiro de 2017, teria reunido a imprensa ou ainda o faria o quanto antes para, após reunião com a direção da Bridgestone, mostrar as dificuldades encontradas para evitar a debandada daquele setor de produção.
Como esperar isso de um prefeito que se esmera em dourar a pílula com políticas varejistas no campo econômico e social e que conta com o suporte midiático não só do Diário, mas também de outros veículos de comunicação para tentar desacreditar aqueles que, críticos independentes, o alertam seguidamente sobre os rumos de Santo André?
Vê-se, pelo caso da Bridgestone, paradoxalmente, porque Paulinho Serra não tem nada a ver com o desenlace, que o protecionismo deslavado não é o melhor conselheiro. Santo André precisa de um choque de tratamento sem viseiras.
É O CAPITALISMO
Nada disso, entretanto, pode ser contabilizado nessa operação específica de desmonte da divisão de pneus de passeio da Bridgestone.
A transferência da produção à Camaçari, na Bahia, preenche praticamente todos os requisitos corporativos exigidos pelos acionistas e pela lei natural de sobrevivência na selva do capitalismo.
A alternativa é o socialismo mais que conhecido de guerra – e que deve ser escorraçado por quem tem juízo.
O capitalismo de mercado ainda é a melhor entre as piores invenções da humanidade. O capitalismo de Estado, como o chinês, cobra o preço da liberdade.
Tampouco, a transferência da fábrica de pneus de passeio da Bridgestone deve ser catapultada à responsabilidade do governo estadual ou ao governo federal, como alguns radicais o fazem.
DESINDUSTRIALIZAÇÃO
A empresa não está deixando o País. Apenas se utiliza do livre arbítrio corporativo para dar no pé. A maré em Santo André e no Grande ABC como um todo segue restritiva ao setor industrial.
Essa história começou há mais de 40 anos e não tem data para terminar. O passivo que vem do passado não passou integralmente pelo ralo da purificação capitalista.
Talvez o que deva servir de lição ao prefeito Paulinho Serra, já que não tem mesmo culpa nesse cartório de demissões e perda de Valor Adicionado, é que um gestor que pretende ficar para a história de Santo André será visto na Santo André 500 Anos, levando-se em conta a toada dos últimos seis anos, como mais uma vereda de insolvência estratégica administrativa. Celso Daniel será sempre um fantasma inalcançável.
BLINDAGEM INOCUA
A blindagem pretendida pelo Diário do Grande ABC é inócua. A influência editorial do jornal é de baixa magnitude. Aparelhos portáteis que abrem o mais amplo acesso ao noticiário em geral impedem qualquer tipo de seletividade mais grave. Ao pretender proteger o prefeito, o Diário do Grande ABC o lança à fogueira incriminatória inapropriada.
O que temos na primeira página do Diário do Grande ABC (e consequentemente nas páginas internas) é uma das modalidades de fake news que os supremos magistrados jamais conseguirão entender ao pretenderem restringir a liberdade de expressão nas redes sociais.
Sim, a omissão do Diário do Grande ABC é uma modalidade de fake news porque se utiliza de protecionismo para vender a ideia de que Santo André está a salvo de sacolejadas industriais. Justamente Santo André, o endereço estadual que mais se desindustrializou nos últimos 40 anos.
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12/09/2024 Vejam só: sindicalistas agora são conselheiros