A Administração do prefeito Paulinho Serra está pagando o pato, mas comete o erro crasso de passar recibo de algo que está na carteira de débitos de antecessores que ocuparam o Paço Municipal no século passado e muitos outros agentes econômicos e sociais: a demissão de 600 trabalhadores da unidade de pneus de passeio da Bridgestone, antiga Firestone, é tão irreparável quanto grave.
É o que iremos mostrar em seguida. Vamos participar como carona da entrevista que o Diário do Grande ABC publicou ontem com o secretário de Desenvolvimento Econômico de Santo André, Evandro Banzato.
A decisão da companhia multinacional custará uma nota preta às finanças do Município a cada temporada e elevará o estoque de desempregados industriais que procurarão se virar em outras atividades. Santo André é um endereço produtivo condenado ao enfraquecimento permanente.
A possibilidade de que Santo André despenque ainda mais no ranking de PIB per capita no Estado de São Paulo se acentua. Hoje Santo André ocupa a 168ª posição e a perspectiva de comemorar 500 Anos em 2053 caindo pelas tabelas está fundamentada nos dados deste século.
Santo André conta com apenas 11% de trabalhadores industriais quando se consideram todas as atividades no Município. Nos anos 1970 ultrapassava a 60%. A queda é relativa e absoluta.
Não há nada semelhante no Grande ABC. A desindustrialização é profunda. E só não é mais grave porque o Polo Petroquímico de baixa geração de empregos mascara perdas em outros setores.
Desde os anos 1980, cinco gigantescas cadeias produtivas praticamente desapareceram. Inclusive do setor de borracha, da Bridgestone.
DA RIQUEZA À EXCLUSÃO
Santo André há muito perdeu o fôlego de Viveiro Industrial que consta do hino oficial. Não custa repetir sempre que virou Viveiro Assistencial. Tanto que a mulher do prefeito se elegeu deputada estadual com votos de excluídos sociais, em profusão nas periferias.
O secretário de Desenvolvimento Econômico escolhido por Paulinho Serra é um homem sério, dedicado, mas não lhe fica bem puxar a sardinha de suposta compensação à tragédia utilizando a mesma linguagem triunfalista do chefe Paulinho Serra.
O que os leitores vão ler na sequência é minha participação como abelhudo necessário para que se coloque ordem no coreto de dissimulação da péssima notícia que estourou no começo da semana. E a péssima notícia não é novidade. O Grande ABC conhece intermitentemente o quanto custa ter se descuidado no passado que emitiu sinais graves de que a vaca da industrialização iria para o brejo do empobrecimento e da quebra da mobilidade de classes.
Como em várias outras situações, lacei uma entrevista (nesse caso do Diário do Grande ABC) para oferecer versão necessariamente diferente e sempre mais compatível com a situação regional.
DIÁRIO DO GRANDE ABC -- Secretário, qual sua avaliação do anúncio das cerca de 600 demissões na planta da Bridgestone em Santo André?
EVANDRO BANZATO -- Esse fato traz uma série de reflexões. A primeira questão é quantas empresas têm a prática de comunicar a dispensa de seus colaboradores com seis meses de antecedência? Além disso, há pacote de demissão voluntária, possibilidade de capacitação, de migração para outras plantas, e opção, por meio do poder público local, de qualificação, por meio do programa Escola de Ouro. Essa já é uma grande reflexão. A segunda questão é que não existe hoje, para que uma empresa seja competitiva, que tenha um grande mix de produtos. E era o que estava acontecendo com a Bridgestone. A empresa tem 168 plantas do mundo e uma das três maiores globais é a de Santo André, com 3.500 trabalhadores. E a única que tinha esse mix amplo era essa. Ou seja, a empresa estava perdendo competitividade. Para resgatar essa competitividade e reestruturar seus negócios na região e no Brasil, a empresa está dando um passo para trás para dar dois adiante. A Bridgestone quer avançar. A direção da empresa deixou claro para nós o compromisso com o mercado nacional, com a história que tem com Santo André e com o Grande ABC. A empresa está situada hoje em um dos maiores mercadores consumidores da América Latina. A ideia deles agora é, ao destinar para Camaçari (na Bahia) essa parte dos pneus para veículos de passeio, focar aqui em Santo André no mercado industrial e agro, com pneus para ônibus, caminhões e máquinas agrícolas. Isso é que o faz a Prometeon, concorrente deles, e é o que afirmaram que farão aqui conosco. Ainda que pareça uma notícia negativa em um primeiro momento, ficou claro para nós que esta planta vai receber em um futuro breve mais investimentos para que dentro desse novo layout a empresa possa seguir competitiva. São etapas. E esta é uma etapa de reestruturação.
CAPITALSOCIAL – É notável o esforço dialético do secretário do prefeito Paulinho Serra para repetir a cantilena de Paulinho Serra. E essa cantilena é tentar vender a imagem de que Santo André não segue vivendo a eliminação de empregos e de empresas e, em grau muito inferior, elevando a produtividade. A mão de obra industrial de Santo André precisa se adaptar à perda de competitividade de plantas que sofrem com a queda de competitividade por uma série de razões, entre as quais a logística, a distribuição de produtos, e o custo relativamente caro dessa mesma mão de obra. A unidade produtora de pneus de passeio da Bridgestone está sendo levada para a Bahia porque a Bahia tem o que Santo André não tem, ou seja, um custo relativo de produção compatível com o mercado de pneus de passeio no restante do mundo, salvaguardando-se todos os indicadores. O que se registra em Santo André por unidade produzida torna-se mais comum nas atividades indústrias da região como um todo: é preciso abrir mão de produtos de menor valor agregado para suportar os custos sobressalentes de produção e distribuição. Supostos novos investimentos na fábrica agora mais enxuta da Bridgestone vão significar mais desemprego porque é preciso ajustar os ponteiros internacionais de custo.
DIÁRIO DO GRANDE ABC -- Significa que Santo André pode aproveitar mais esse mercado?
EVANDRO BANZATO -- Totalmente. A Agrishow (em Ribeirão Preto) movimentou R$ 13,3 bilhões em máquinas e equipamentos. Se tem máquinas, tem pneus. E se tem pneus, tem mercado importante estratégico, que é o da borracha, e que está muito presente em Santo André. Dentre nossa política de desenvolvimento econômico, desde 2017, nunca vamos pecar por omissão. Nessa ação de desligamento, o poder público também está presente para trazer todas as ferramentas para quem quiser empreender. O que fica claro é que dá para mitigar isso, colocar de volta no mercado e prestar esse apoio. Esse trabalho em conjunto da empresa, Prefeitura e sindicato é muito importante.
CAPITALSOCIAL – O secretário não pode dizer o que precisa ser dito e o que precisa ser dito é que cada vez mais a Bridgestone será menos importante às finanças tributárias da cidade e muito menos ainda uma fonte confiável de emprego formal. Quando se considera que a Bridgestone está entre os cinco maiores contribuintes da Prefeitura e detém o maior estoque de trabalhadores, vê-se que a situação é muito gave.
DIÁRIO DO GRANDE ABC -- E de que maneira o poder público pode auxiliar esses trabalhadores que foram desligados?
EVANDRO BANZATO -- Nós estamos em contato com o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), e junto com a Prefeitura, colocar um serviço de treinamento e capacitação com esses trabalhadores que serão desligados. A gente já está fazendo isso.
CAPITALSOCIAL – O Sebrae não faz milagres. A capacitação de trabalhadores que serão desligados não terá qualquer vínculo com o acumulado de conhecimento na fabricação de pneus de passeio porque os empregos da atividade estão indo para a Bahia e não existe nada assemelhado na região. Quem conhece os cromossomos de produção de chão de fábrica sabe o quanto é complexa a migração a novas funções produtivas. Como em tantas outras situações, industriários em grande maioria vão se virar em ocupações informais ou com carteira assinada em atividades que precisarão de aprendizado e adaptação, submetendo-se a faixas salariais muito abaixo.
DIÁRIO DO GRANDE ABC -- O que fazer para que a indústria da borracha, especificamente no Grande ABC, possa crescer ainda mais?
EVANDRO BANZATO -- Esse é um momento de a gente acionar nossos deputados federais para se debruçar sobre a reforma tributária, porque isso impacta diretamente todas as cadeias. Se a gente quer discutir a nova industrialização, temos de falar de chips, mobilidade elétrica. E os deputados precisam falar disso.
CAPITALSOCIAL – Vai-se perder tempo com a suposta participação de deputados. Eles jamais se preocuparam com a recolocação de trabalhadores ou descoberta de novos filões produtivos. Isso é tarefa para consultorias especializadas sempre desprezadas pelo Poder Público. A decisão passa obrigatoriamente por redesenho de atividades produtivas em Santo André.
DIÁRIO DO GRANDE ABC -- Então esse foi o momento de perder agora para a ganhar depois?
EVANDRO BANZATO -- Para a empresa, essa foi a leitura. É perder momentaneamente para continuar ganhando. E quando a gente falar em ganhar é ver ganhar toda a nossa região. Santo André pode se tornar um grande polo de pneus agrícolas. Isso é possível. O mercado agro já é um mercado importantíssimo para o Brasil e a tendência é crescer ainda mais. O Brasil detém as melhores tecnologias. Essas discussões são fundamentais.
CAPITALSOCIAL – O tempo vai provar uma verdade que os responsáveis pela fábrica da Bridgestone em Santo André não vão dizer porque seria politicamente incorreto: as divisões de pneus considerados pesados não serão reforçadas a ponto de compensar as perdas com a desativação da área de pneus de passeio simplesmente porque os investimentos não valerão a pena. Há outras unidades da companhia mais adaptáveis e rentáveis a esses investimentos. Santo André permanecerá com os pneus pesados enquanto as gigantescas estruturas de produção forem consideradas satisfatórias no interior da grande batalha de uma companhia multinacional por redução de custos, uma exigência dos acionistas.
DIÁRIO DO GRANDE ABC -- Há mão de obra para isso?
EVANDRO BANZATO -- Uma das grandes riquezas do Grande ABC é a mão de obra qualificada. As 12 universidades que estão conectadas conosco no Parque Tecnológico têm, juntas, mais de 100 mil alunos. Temos a Universidade Federal do ABC, o Instituto Mauá de Tecnologia, a FEI, a Fundação Santo André e a mais recente, que é a Universidade Mackenzie. Valorizar o nosso ecossistema é o ponto chave para a gente manter a indústria da borracha, a indústria petroquímica, a indústria têxtil, o setor logístico. A gente precisa trazer para perto esses atores.
CAPITALSOCIAL – Não passa de lenda urbana a suposta qualificação excepcional da mão de obra industrial do Grande ABC. Isso é mote propagandístico que se esvai na medida em que fatores de produção se ampliarão e vão muito além de tradição de produção. Mais que isso: a defasagem tecnológica geral da indústria do Grande ABC, corrigida parcialmente ao longo das duas últimas décadas, perdeu a corrida para a implantação de unidades produtivas na maioria dos municípios brasileiros que descobriram o filão de empregos industriais. Há uma confusão que coloca no mesmo patamar interpretativo o que se chama de cultura de produção e qualidade de produção do chão de fábrica. Com a tecnologia cada vez mais disseminada, cultura de mão de obra se tornou empecilho à aplicação de novas imersões produtivas, agora no campo técnico, de produtividade. Cidades nos rincões do País adotaram plantas industriais muito mais competitivas com profissionais preparados diretamente para as atividades às quais foram contratados. Sem vícios dos tempos de manufatura de baixo valor agregado. Para completar, o suposto estoque de universitários prontos à empregabilidade não combina com a fragilidade mais que conhecida das escolas de Ensino Superior em relação às demandas do mercado. O Parque Tecnológico de Santo André é, sob esse ponto de vista, uma abstração. Até porque, virtual.
DIÁRIO DO GRANDE ABC -- O que o sr. está colocando é que Santo André vai ser uma referência na fabricação de pneu agro?
EVANDRO BANZATO -- É o que está se desenhando. A Prometeon e a Bridgestone são dois grandes players mundiais, um chinês e um japonês. E aí a gente olha para nossa infraestrutura e logística como um todo. O empresário sabe que o maior porto seco do Estado de São Paulo está em Santo André, temos proximidade com o porto de Santos, com o aeroporto de Guarulhos, mão de obra qualificada. E também é preciso destacar que a maior infraestrutura pública e privada de saúde, com exceção da Capital, está em Santo André. Temos 12 hospitais privados e mais uma grande rede pública. Isso também faz parte da política de desenvolvimento econômico, porque os colaboradores da empresa terão uma grande rede de saúde, parques públicos, transporte de qualidade, mobilidade e bons investimentos no mercado imobiliário. Nossa política é de melhorar o ambiente de negócios, fazer com que nossas empresas sejam mais competitivas e fomentar a cultura de inovação, qualificação e empreendedorismo. Alguns resultados a gente colhe de imediato e outros acontecem ao longo tempo, a médio e longo prazos.
CAPITALSOCIAL – Também virou farrapo de argumentação colocar Santo André competitiva na área de logística, de acessibilidade. O Porto de Santos e os aeroportos estão cada vez mais distantes sob uma ótica mais moderna de competitividade porque a parafernália de impedimentos logísticos causa transtornos à cadeia de produção industrial. Não à toa Santo André é o endereço mais desindustrializado dos últimos 40 anos no Estado de São Paulo. O caos logístico de Santo André, simbolizado por uma Avenida dos Estados completamente obsoleta e uma geografia sem grandes avenidas e inserções internas e externas, é o maior desafio do século e muito provavelmente não será superado. A redução cada vez mais preocupante do estoque de trabalhadores industriais com carteira assinada e um setor de serviços de baixíssima remuneração colocam há muito tempo Santo André numa enrascada. Não serão galpões logísticos de última milhagem, como é o caso de Santo André, que possibilitarão transformações. Há endereços mais nobres na Grande São Paulo que absorvem esses empreendimentos de tamanhos e funções mais próximas ao atendimento industrial.
DIÁRIO DO GRANDE ABC -- A Prometeon é uma referência nessa questão?
EVANDRO BANZATO -- Com certeza. Eles iam construir um laboratório no Interior de São Paulo. Quando a gente começou a conversar com eles, em 2017, conseguimos trazer para Santo André. Foram R$ 40 milhões de investimentos e 150 novos colaboradores.
CAPITALSOCIAL – Ilhas de investimentos deverão ser sempre observadas como exceções que confirmam uma regra que vem desde o começo dos anos 1980, quando Santo André iniciou o processo de destruição e deslocamento de empreendimentos industriais sem reposição compensatória de organizações em atividades do terciário.
DIÁRIO DO GRANDE ABC -- Acha que o caminho da Bridgestone pode ser parecido?
EVANDRO BANZATO -- Sem dúvida. Não há fechamento e sim transferência. Isso mostra que eles vão focar no mercado industrial e de agro em Santo André, que é um mercado muito promissor e com produtos muitos lucrativos.
CAPITALSOCIAL – Há fechamento tão evidente que qualquer afirmação que se oponha a lógica de que estão indo embora 600 empregos nobres e as respectivas influências de fornecedores de tudo que se transforma em pneu de passeio trafega pelos descaminhos de fake news, de negacionismo.
DIÁRIO DO GRANDE ABC -- Na reunião realizada recentemente na Prefeitura, houve algum pedido para que a cidade tivesse a menor perda possível?
EVANDRO BANZATO -- Sim. Essa parceria com o Centro Público de Emprego e Renda, que já está em contato com a equipe de recursos humanos da Bridgestone. Conversei também com a deputada estadual Ana Carolina Serra (Cidadania), no sentido de dar qualificação necessária a essas pessoas. Esse diálogo permanente será fundamental, entendendo esse resgate que a empresa está fazendo em reorganizar sua competitividade, para mitigar esses impactos que aparentemente são negativos, mas que podem trazer bons resultados. O que a gente pode fazer no âmbito municipal é prestar esse apoio junto aos nossos colaboradores, trazendo algumas posições, queiram eles empreender, se reinserir no mercado de trabalho ou buscar qualificação. O fato é que todos terão o apoio. Vale lembrar o nosso último Feirão do Emprego e Inclusão Produtiva recebeu 31 mil pessoas que querem estar no mercado.
CAPITALSOCIAL – O secretário reproduz um receituário desgastadíssimo a cada evasão de indústria do Grande ABC. Faz parte da equação minimizatória de estrago à imagem de um Município buscar penduricalhos que vendam a ilusão de que os 600 empregos que vão desaparecer serão recompostos. Não o serão na qualificação e remuneração original porque Santo André e o Grande ABC como um todo não conta com alternativa de reposição numa atividade específica como a de pneus de passeio. O Feirão de Empregos de Santo André vai ganhar considerável reforço que não afetará positivamente o estoque de profissionais em atividades industriais.
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12/09/2024 Vejam só: sindicalistas agora são conselheiros