Primeiro tivemos um sindicalismo revolucionário, mas enraivecido. Depois, vivemos uma década e meia de estripulias fiscais e gastos ineficientes dos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff. Agora, nesse momento, temos um pacote de privilégios em detrimento do padrão de produção da região. No meio do caminho da tríplice perdição fomos impactados por um governo tucano federal de alto poder destrutivo de pequenas e médias indústrias.
Eis um resumo da desindustrialização e de empobrecimento do Grande ABC nas quatro últimas décadas. Outros fatores, como o Rodoanel, nem precisam entrar na conta.
Por essas e tantas outras, a recomendação mais comedida é a seguinte: não caia na conversa fiada de supostas lideranças da região que estão a tocar trombetas para festejar um novo pacote de benesses tributárias do setor automotivo.
PAGANDO O PATO
O Grande ABC, mais uma vez, vai pagar o pato. O populismo sempre deixa sequelas. A competividade é uma força da natureza econômica que não pode ser contrariada por inventores da pólvora.
A avaliação de agentes públicos e privados sobre o pacote anunciado pelo governo federal precisa ser cuidadosamente observada nestes tempos em que tudo se politiza e tudo se ideologiza, quando não tudo se manipula e se partidariza.
As benesses ao setor automotivo contemplaram o Grande ABC no passado da própria chegada das montadoras e autopeças. Tempos em que territórios nacionais ainda não haviam descoberto a guerra fiscal, iniciativa que, juntamente com o sindicalismo bravio, inaugurou o placar da desindustrialização regional.
O Grande ABC vai pagar o pato enquanto durar o pacote federal e depois com os efeitos colaterais prolongados. Mais cedo ou mais tarde os destroços econômicos aparecerão nas estatísticas e na prática de empresas evadidas, quando não desativadas. Basta entender o passado para decifrar o futuro.
DESFILADEIRO DO PIB
O PIB Industrial do Grande ABC, ao longo dos últimos 40 anos, é um desfiladeiro quase constante.
A participação relativa do setor automotivo no Grande ABC é indecifrável por conta da complexidade econômica, mas passa de 50% do PIB quando se verificam as ramificações que impactam o comércio e os serviços, além da Administração Municipal.
No Brasil, a participação regional da indústria automotiva não passa de 10%. E o PIB Regional no País não ultrapassa 1,8%. Nos anos 1960 a produção regional de veículos ultrapassava a 70%. E o PIB Geral passava de 4,5%. Empobrecemos, mas continuamos a soltar fogos.
FÕLEGO CURTO
Somente durante o segundo mandato de Lula da Silva o setor automotivo do Grande ABC ganhou inflexão, recompondo parte das quedas acumuladas desde meados dos anos 1980.
Mas tudo não passou de artificialismos que explodiram durante o governo de Dilma Rousseff em forma de a maior recessão da história.
O PIB per capita de São Bernardo, berço do sindicalismo regional, sofreu queda de 40% na Década Desastrosa, entre 2011 e 2020. E está longe de recuperar-se. Já o PIB per capita das sete cidades como um todo caiu 30% no mesmo período. Uma catástrofe.
Portanto, o incentivo que o governo Lula da Silva anunciou ontem à indústria automotiva é mais um tiro no pé da economia do Grande ABC. Está longe de beneficiar a economia do Grande ABC.
Mais que isso: prejudica fortemente a economia do Grande ABC porque incrementa concorrência cada vez mais desigual.
FALSOS SALVADORES
Fosse o Clube dos Prefeitos (Consórcio Intermunicipal) uma organização com conhecimento acumulado e técnicos especializados, o ex-sindicalista Lula da Silva e o ex-governador Geraldo Alckmin, ministro de Desenvolvimento Economia, não cometeriam novo ataque à economia da região.
Lula da Silva e Geraldo Alckmin deveriam ser advertidos previamente. Teriam dados e análises cautelares às mãos para entenderem que o buraco é muito mais embaixo.
DUPLA DO BARULHO
Tanto Lula quanto Alckmin não têm conhecimento e prática para se colocarem como salvadores da pátria regional no campo automotivo. Mais que isso: são agentes da destruição automotiva do Grande ABC. O passado os condena.
Com Lula da Silva sindicalista preocupado apenas com as montadoras de veículos, o setor de autopeças de perfil familiar desapareceu da região. Os custos trabalhistas fora do esquadro legal e impostos às grandes empresas eram igualmente submetidos às pequenas e médias. Lula, mais tarde, já presidente, reconheceu os danos provocados.
O custo da mão de obra nas pequenas indústrias que desapareceram da região era em média quatro vezes maior relativamente às grandes empresas. Como mexeram demais no queijo de anunciadas conquistas trabalhistas, a fonte de empreendedorismo de pequeno porte nacional secou.
As montadoras de veículos sempre repassaram os custos aos produtos. As pequenas empresas perdiam fôlego.
FHC COMPROMETEDOR
Fernando Henrique Cardoso, com políticas que privilegiaram as montadoras, completou o serviço de destruição do empreendedorismo de autopeças familiares na região.
Quanto ao ex-governador Geraldo Alckmin, o Estado de São Paulo coleciona indicadores históricos de fragilidade industrial em diferentes setores.
Um recente estudo divulgado pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) revela as perdas cumulativas em várias cadeias de produção.
A indústria paulista dormiu em berço esplêndido enquanto outras regiões do País avançaram.
A guerra fiscal, subestimada pelo Palácio dos Bandeirantes, desestruturou a indústria paulista. E só não houve mais complicações porque em várias regiões do Estado, por decisão de administradores municipais, criaram-se planejamento e ações para impedir mais sangrias produtivas. Os prefeitos agiram por conta própria. O Estado jamais liderou qualquer ação programática voltada ao incremento industrial.
MERCADO ESTRESSADO
O pacote que vai contra a política de ajuste fiscal do governo federal entre tantas complicações coloca mais uma vez o Grande ABC de joelhos. O problema é que o Grande ABC sem eira nem beira institucional interpreta as medidas como impulso ao crescimento. O Feitiço do Tempo parece eterno.
A redução de tributos anunciada ontem contempla o corte de impostos sobre produtos industrializados (IPI) e as contribuições PIS/Cofins dos automóveis de valor até R$ 120 mil. Os preços cairão de 1,5% a 10,96% com a redução tributária.
Há projeções de que os modelos mais baratos (hoje na faixa de R$ 70 mil) fiquem por menos de R$ 60 mil, segundo a Anfavea, o Clube das Montadoras.
O ponto principal é que as medidas provocam estresse no mercado. Desequilíbrios de produção e comercialização são custo lógico.
É nesse ponto que o tiro é certeiro na testa de produção e comercialização de veículos da região.
CARTAS MARCADAS
As montadoras locais que poderiam se beneficiar do programa (General Motors e Volkswagen) não contam com carros populares no portfólio. O Custo ABC que vem de longe e que está na raiz da desindustrialização num País em que a guerra fiscal ainda prevalece não comporta carros populares. Nem mesmo com benefícios fiscais. Dessa forma, a margem de participação dos veículos locais é mais estreita, quando não residual.
Montadoras de origem asiática com instalações no País já saíram na frente como potenciais beneficiárias das medidas.
Diferentemente de tantas outras vezes em que o Estado se meteu demais nos negócios privados, desta vez a Velha Imprensa, pressionada pelas redes sociais cada vez mais críticas, já não aceita o oficialismo governamental.
ACADÊMICO CRITICA
Os jornais de hoje abordam as medidas anunciadas com precaução. Claro que sem se incomodarem com os aspectos territoriais, de vantagens e perdas.
Doutor em economia pela Universidade de Wisconsin-Madison, e professor titular da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EESP), Emanuel Ornelas afirma num artigo publicado hoje pela Folha de S. Paulo que “Medidas para baratear carros serão pagas por quem não os compra e vão na contramão de combate à crise climática”. E afirma:
Se as principais potências estão fazendo política industrial ativa, nós devemos fazer o mesmo? Errado. A história, brasileira e internacional, nos ensina que essas políticas têm eficácia questionável e impõem um custo alto à sociedade. Além disso, o contexto brasileiro é diferente do americano ou chinês. (...) Para o Brasil, não faz sentido se envolver nas atuais disputas geopolíticas. A questão climática é responsabilidade de todos, mas as medidas anunciadas, como a do setor automobilístico, caminham na direção contrária. (...) Além disso é muito difícil argumentar que setores como o automobilístico são essenciais para a economia. (...) Estudo recente mostra que mesmo governos “inteligentes” e benevolentes teriam dificuldade em gerar resultados significativos. E, como formuladores de políticas usualmente não têm tais características, a experiência internacional é recheada de fracassos. A experiência brasileira é ainda mais rica (ou pobre, para ser mais preciso). Especificamente para o setor automotivo, um dos mais beneficiados nos últimos 70 anos, o retrospecto é no mínimo decepcionante. (...) Em suma, as medidas de reindustrialização da economia brasileira soam como um tiro no pé da sociedade brasileira. Um infeliz retorno ao passado – escreveu o acadêmico.
Se conhecesse mais de perto a história da economia do Grande ABC sempre a reboque do setor automotivo, não faltaria denso material de pesquisa. O tiro no pé se repete pela terceira vez sob os domínios do ex-sindicalista Lula da Silva. E foi semelhantemente reproduzido por Fernando Henrique Cardoso.
Parem de comemorar o que é digno de lamentação. A tragédia vai se repetir.
Total de 1889 matérias | Página 1
12/09/2024 Vejam só: sindicalistas agora são conselheiros