Economia

Exército industrial de Santo
André se reduz a dois pelotões

DANIEL LIMA - 06/07/2023

O Exército industrial de Santo André resistiu bravamente nos anos 1980, mas acabou se transformando em apenas dois pelotões de perfil contraditório que não assegura nem mesmo a paralisia do empobrecimento que segue neste início da terceira década do novo século.  

Santo André é o caso mais grave de concentração e vulnerabilidade industrial no Estado de São Paulo e nessa quadra da história do Município há uma espécie de Recruta Zero a supostamente cuidar do futuro.  

Vou dar números inéditos a esta análise, mas antes faço um desabafo: toda vez que vejo o prefeito Paulinho Serra e sua turma nas manchetes de jornal cantarolando sucessos varejistas e títulos fajutos ou suspeitos, quando não desnecessários, fico indignado.  

Ou essa turma é ignorante ao extremo, é sádica ou oportunista. As alternativas não são excludentes, mas convém apostar nas duas últimas para não desperdiçar munição.   

DESMASCARAMENTO  

Como não é possível que seja mesmo ignorante, porque há abundância de provas materiais no dia a dia de quem vive em Santo André, temos mesmo um caso patológico de abuso de autoridade pública no manuseio de sensações que agem como antidepressivo. Os efeitos colaterais mais dias, menos dias, emergirão.  

Quem desconsidera formulações mágicas da indústria farmacêutica mundial e coloca a ciência acima da razão e das provas, que siga usando os remedinhos milagrosos do autoelogio e da proteção descarada a uma Administração muito aquém das necessidades. 

No caso de Santo André e da região como um todo, o que temos é uma prescrição terapêutica irresponsável de manipulações ordinárias.  

Quem paga o pato são os pacientes em forma de contribuintes e de população economicamente ativa. 

FÁBRICA DE PROFISSIONAIS  

Santo André é a maior fábrica de mão de obra para terceiros municípios. A viuvez industrial deu espaço a comércio e serviços de baixo valor agregado, já advertia Celso Daniel no fim dos anos 1990. 

Os efeitos colaterais mais visíveis por enquanto, e que tragicamente favorecem a turma de Paulinho Serra, é que do limão de esquartejamento econômico visível de Santo André, num ABC Paulista semelhantemente em decadência, se faz limonada político-eleitoral.   

Tanto se faz limonada de condimentos político-eleitorais que a mulher do prefeito, numa campanha digna (este sim, e sem ironia) de prêmio internacional, saiu das profundezas do anonimato para a Assembleia Legislativa.  

Para tanto, contou sobretudo com a massa de desvalidos da cidade, onde obteve quase 90% dos votos. Foram 120 entidades assistenciais cooperadas na campanha eleitoral, todas impactadas por políticas públicas epidérmicas que atendem a pobres e miseráveis.  

A classe média dos bairros Jardim e assemelhados também adora um oba-oba de campanhas eleitorais industrializadas por dinheiros nem sempre de fontes limpas.  

INESGOTÁVEL 

Sei que os leitores estão esperando dados econômicos de Santo André nesta nova edição voltada aos tremores e horrores da desindustrialização. 

Fico surpreso comigo mesmo porque quando penso que já esgotei tudo sobre o mapa de transtornos provocados pela desindustrialização e inação de autoridades públicas locais ao longo de décadas, sempre encontro um novo filão de argumentos e provas.  

Então vamos ao caso de Santo André e a vulnerabilidade em forma de deserção de atividades industriais e concentração seletiva. 

Os dados oficiais mais recentes são de 2017, mas nada indica, pelo andar lento da carruagem de transformações estruturais, que haja profundas alterações nos últimos cinco anos. Se houver alguma mudança, certamente será para pior, porque tivemos uma pandemia no meio do caminho. 

DOIS BLOCOS  

Pois bem: de 16 setores industriais que constam do catálogo de aferições do governo do Estado, Santo André é entre os grandes municípios do Estado o endereço que mais depende de poucas atividades.  

No caso, os produtos químicos e os produtos de borracha e material plástico respondem por 78,9% do PIB Industrial do antigo “Viveiro Industrial”. O Polo Petroquímico e suas ramificações e a indústria de pneumáticos, a antiga Pirelli e a Bridgestone Firestone, estão nesses dados.  

Santo André é salva em termos fiscais, de arrecadação, porque tanto o setor químico quanto o de borracha geram muito Valor Adicionado, que é simplificadamente o PIB Industrial.   

POUCO EMPREGO  

Mas, em contrapartida, sobretudo o setor petroquímico, gera pouco emprego formal. São empresas de uso intensivo de capital. Por isso Santo André virou o endereço regional de menor participação relativa do emprego industrial no conjunto de atividades. Apenas 11% dos trabalhadores de Santo André são da área industrial. Nos anos 1980 ultrapassa a 50%. A média regional é mais que o dobro da de Santo André.  

Em seguida, mostro cada uma das atividades e as respectivas participações relativas no bolo da indústria de transformação de Santo André. Há nada menos que 12 áreas em que a participação relativa não chega a 2% do total. Uma calamidade. Vejam: 

 

1. Produtos químicos – 52,9%. 

2. Borracha e material plástico – 26,0%. 

3. Metalurgia – 5,8%. 

4. Veículos automotores, reboques e carrocerias – 4,3%. 

5. Produtos de metal – 1,9%. 

6. Produtos alimentícios – 1,6%. 

7. Máquinas e equipamentos – 1,6%. 

8. Produtos têxteis – 1,1%. 

9. Máquinas, aparelhos e materiais elétricos – 0,9%. 

10. Manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos – 0,9%. 

11. Impressão e reprodução de gravações – 0,8%. 

12. Celulose e produtos de papel – 0,7%. 

13. Minerais não-metálicos – 0,7%. 

14. Produtos diversos – 0,3%. 

15. Móveis – 0,1%. 

16. Vestuário e acessórios – 0,1  

 

MAIS COMPARAÇÕES 

Quando decidi escrever essa análise estava crente de que poderia esgotar temporariamente o assunto numa única edição, mas mudei de ideia.  

Vou abordar essas questões, inclusive ou principalmente com o acréscimo de dados de outras importantes cidades do Estado. Pretendo fazer comparações mais profundas e elucidativas.  

Quando afirmo que Santo André é o caso mais grave de exército industrial que virou dois batalhões vulneráveis é porque já estudei profundamente os números.  

Aliás, a constatação não me causou surpresa alguma. Santo André só é surpresa para os negligentes que ocupam organismos públicos e mesmo privados.  

Repito: a oposição ao festival de oba-oba que se observa durante toda a gestão de Paulinho Serra, numa onda de irresponsabilidade coletiva atroz, precisa sim ser explicitada e replicada. 

O que vivemos em Santo André é uma simbologia trágica que, como em todas as republicanas de bananas, não alcança o senso crítico na hora do voto popular.  

INFERNO SOCIAL 

Não é preciso ir longe para chegar à conclusão de que o desequilíbrio na indústria de produção de Santo André (e também nos demais municípios, mas de forma menos intensa) é a porta aberta ao inferno de desigualdades sociais gigantescas.  

Não à toa Santo André e os demais municípios têm perdido grandes porções da classe média tradicional e da classe rica. Cada vez mais famílias de Classe Média Precária (a tal Classe C glorificada pelos governos passados do PT),  de pobres e miseráveis tomam conta da geografia regional. E não há mais pobres e miseráveis porque programas do viés de Bolso Família são cada vez mais numerosos.   

Ou seja: há um mascaramento da caótica quebra de mobilidade social em Santo André e na região como um todo. 

Aguardem as próximas edições sobre o que restou de Santo André no setor industrial e os confrontos com vários municípios.  



Leia mais matérias desta seção: Economia

Total de 1889 matérias | Página 1

12/09/2024 Vejam só: sindicalistas agora são conselheiros
09/09/2024 Grande ABC vai mal no Ranking Industrial
08/08/2024 Festejemos mais veículos vendidos?
30/07/2024 Dib surfa, Marinho pena e Morando inicia reação
18/07/2024 Mais uma voz contra desindustrialização
01/07/2024 Região perde R$ 1,44 bi de ICMS pós-Plano Real
21/06/2024 PIB de Consumo desaba nas últimas três décadas
01/05/2024 Primeiro de Maio para ser esquecido
23/04/2024 Competitividade da região vai muito além da região
16/04/2024 Entre o céu planejado e o inferno improvisado
15/04/2024 Desindustrialização e mercado imobiliário
26/03/2024 Região não é a China que possa interessar à China
21/03/2024 São Bernardo perde mais que Santo André
19/03/2024 Ainda bem que o Brasil não foi criado em 2000
15/03/2024 Exclusivo: Grande ABC real em três dimensões
14/03/2024 Região sofre com queda de famílias da classe rica
06/03/2024 Recessão dilmista ainda pesa no salário industrial
05/03/2024 O que os metalúrgicos foram fazer na China?
27/02/2024 Veja análise das respostas do dirigente Fausto Cestari