Economia

Vamos destrinchar o custo
do funcionalismo público?

DANIEL LIMA - 03/08/2023

Fontes mais que interesseiras na interpretação de custos dos servidores públicos municipais (e também de outras esferas de Poder Público) exigem cuidado redobrado. Tanto que sugiro aos leitores que não se arrisquem a dar como certo e intocável o que se tem publicado nestes dias e em tantos outros dias.  

Desconfie sempre que puder de acadêmicos arrastados por ideologias. Não há um bafafá de graça a perturbar o sono do economista Marcio Pochmann, indicado por Lula para comandar o Ipea. Pochamann é um fanático em defesa do Estado e avesso à livre-iniciativa. Ele é acusado de torturar números no passado em que esteve no controle de números. Acadêmicos adoram números que possam ser debulhados ao gosto da ideologia.  

Muitos acadêmicos não tomam jeito e se repetem na comodidade de fórmulas simples pretensiosamente esclarecedoras sempre que se oferece uma oportunidade de influenciar quando os numerais aparecem como fonte supostamente imbatível de argumentos.  

REPORTAGEM DA FOLHA  

Vou, de imediato (aliás, foi o que me levou a escrever agora) reportar à matéria que a Folha de S. Paulo publicou segunda-feira sob o título “Brasil tem menos servidores que EUA, Europa e países vizinhas da AL”.  

De fato, o enunciado é uma verdade, mas o que emerge estupidamente na reportagem da Folha de S. Paulo é uma coleção de equívocos.  

Equívocos que podem ser sintetizados na seguinte declaração: “É um verdadeiro mito essa concepção de explosão na força de trabalho do serviço público no brasil. Uma simples comparação internacional mostra isso” – disse Felix Lopez, pesquisador e um dos coordenadores do Atlas do Estado, publicado pelo Ipea.  

Outra declaração que caminha para o mesmo descaminho, ou seja, se afasta da realidade, é de Pedro Masson, coordenador-geral de ciência de dados da diretoria de Altos Estudos da Enap: “O Mais Brasil já aconteceu na força de trabalho do serviço público, e a imagem de órgãos federais abarrotados de gente fazendo nada é uma caricatura”.   

MAIS FOLHA  

A reportagem da Folha de S. Paulo é apenas uma meia-verdade. Leia o seguinte trecho: 

 Dos 91 milhões de trabalhadores brasileiros, 11,3 milhões estão no setor público com diferentes tipos de contratação. Representam 12,45% do total. O número é parecido com o do México, onde 12,24% atuam no serviço público. Mas é menor que o dos Estados Unidos. O país que é referência de valorização da iniciativa privada tem 13,55% dos trabalhadores no setor público – escreveu a Folha. 

Agora regionalizo o tema. Não é a primeira vez nem será a última que me debruço sobre esse assunto. Vem de muito longe análises que fiz a respeito do custo do funcionalismo. Há uma quase infindável variedade de métricas que podem ser utilizadas. Nos últimos dias pensei sobre isso e decidi ampliar o que já escrevi. 

Para começo de conversa, se há uma régua que está entre as menos cotadas em forma de sustentação técnica é exatamente a utilizada como reportagem da Folha. A divisão pura e simples dos servidores públicos pelo estoque de trabalhadores ativos em todas as áreas apenas serve para impressionar, para dar respostas fáceis a uma abordagem complexa. 

Existe uma simplificação que acabaria com qualquer discussão a respeito do custo do funcionalismo público em qualquer esfera de governo: o total de servidores contratados, independentemente de qualquer outro aspecto. Mas isso é muito pouco e frágil.  

Chegar a um número de participação relativa, como chegou a Folha e suas fontes, levando-se em conta o total de servidores públicos e o total de empregados é apenas esticar a corda da imprecisão.  

Repito o que escrevi só para destacar que existe um único degrau acima da implicação embutida na quantidade de servidores públicos.  

ESTOQUE DIZ POUCO  

Se formos considerar apenas o estoque de servidores públicos na região, São Bernardo ocupa a primeira posição com 13.295, Santo André vem logo a seguir com 10.152, Diadema em terceiro com 6.824, Mauá em quarto com 6.285, São Caetano em quinto com 5.997, Ribeirão Pires em sexto com 3.210 e Rio Grande da Serra em sétimo com 891.  

Notaram que houve quase que uma sincronia perfeita nos números em relação à população de cada Município? Então, o resultado é óbvio: quanto mais gente, mais servidores públicos. Por isso essa comparação é uma furada.  

Numa nova escala métrica, vamos pegar um outro exemplo para tentar retirar de São Bernardo a primeira (e pior) colocação se for considerado o conceito ou o preconceito de que servidores públicos demais é desperdício de munição a investimentos produtivos. 

MASSAS SALARIAIS  

Decidi formular a seguinte equação: multipliquei o total de servidores públicos pela média salarial da categoria e dividi essa massa salarial específica pela massa salarial geral, de todos os trabalhadores de cada Município.  

Os números detalhados estão no banco de dados do Ministério do Trabalho e, como os anteriores, aí em cima, se referem a dezembro, exclusivamente a dezembro, de 2021. 

Sabem os leitores qual foi o resultado? O custo do funcionalismo público de Rio Grande da Serra é o mais elevado. A massa salarial dos servidores representa 26,21% do total da massa salarial de todos os trabalhadores.  

Ribeirão Pires fica um pouco atrás com participação de 20,22% da massa dos servidores. Diadema e Mauá contam com números parecidos: 12,53% e 11,61%, respectivamente. Ou seja: para cada R$ 100,00 da massa salarial de todos os trabalhadores desses municípios, 12,53% e 11,61% correspondem ao peso dos servidores públicos. 

E aonde estariam os três mais graduados municípios da região nessa mesma equação? Os servidores públicos de Santo André representam 8,99% do total da massa salarial geral, enquanto em São Bernardo é de 6,43% e em São Caetano de 6,76%. Números bastante semelhantes.  

MAIS APROPRIADA  

Não quero influenciar demais a avaliação dos leitores, mas creio que essa terceira tabela de medição parece mais apropriada que as duas anteriores.  

Nesse caso, São Bernardo que perderia na primeira acabaria vencedora. Por margem escassa sobre São Caetano e Santo André. Quase um empate técnico.  

Se você acha que terminei, está enganado. Botei a cabeça para funcionar e levantei mais uma possibilidade, entre muitas que poderiam também ser encontradas com um pouco mais de tempo.  

Fiz uma outra conta. Desta vez, levantei a participação relativa da massa salarial do setor industrial de cada Município da região e confrontei com a participação relativa dos servidores públicos. Se você tem dificuldade em entender (eu teria), nada melhor que um exemplo didático. 

Quem melhor se comportou nessa nova métrica foi São Bernardo. A participação relativa da massa salarial dos servidores públicos em São Bernardo (8,99%) quando confrontada como a participação relativa da massa salarial dos trabalhadores da indústria de transformação (40,52%) significa que o custo da máquina pública representa 15,87% dos salários somados do setor de produção.  

Querem saber os resultados dos demais municípios? A participação relativa do custo dos servidores públicos de Santo André em confronto com a participação relativa da massa salarial dos trabalhadores industriais registra 51,02%. Ou seja: os servidores públicos de Santo André recebiam em dezembro de 2021 nada menos que metade do que era destinado em participação relativa pelas empresas aos trabalhadores industriais. Mais de três vezes o registrado em São Bernardo.  

Os resultados dos demais municípios: em São Caetano dá 35,30%, em Diadema 25,34%, em Mauá 26,68%, em Ribeirão Pires 53,90% e em Rio Grande da Serra 66,84%.  

É isso mesmo: na pequena Rio Grande da Serra, que conta com 891 servidores públicos municipais e não mais que3.415 trabalhadores industriais, a proporção está muito acima dos demais municípios da região. Exorbitantemente maior. Como também é o caso de Ribeirão Pires.  

Acho que o leitor não terá muita dúvida diante da seguinte questão: é melhor comparar apenas o efetivo de servidores públicos com o estoque geral de trabalhadores ou é mais ajuizado que a disputa esclarecedora sobre qualquer avaliação do tamanho da máquina pública se defina com base nas respectivas massas salariais? 

É HORA DE MUDAR  

Não é por nada não, mas as instituições que forneceram os dados e opinaram sobre o tamanho do Estado no mercado de trabalho nacional deveriam rever metodologias e conceitos.  

Duvido muito que isso aconteça. Está mais que explicitado na reportagem do jornal paulistano que a prerrogativa é montar um cenário que favoreça a ideia e também campanhas que pretendem justificar o aumento do funcionalismo público em todas as esferas governamentais.  

Ou seja: a matéria-prima metabolizada em forma de avaliação enviesada tem razões ideológicos que se sobrepõem ao chamado Custo Brasil. 

Ao eliminar como instrumento confiável a comparação pura e simples de total de servidores públicos e total de trabalhadores em geral o que faço não é outra coisa senão um alerta ao bom-senso.  

As comparações internacionais citadas na reportagem, inclusive com infográfico, cometem a infantilidade argumentativa em forma de desconsiderar a qualidade do Estado no atendimento às obrigações constitucionais.  

Um exemplo: os apressados ou leigos dirão que a Dinamarca é uma pátria dos horrores, ou dos céus, dependendo do conceito de cada um sobre o grau de importância ou de custo dos servidores públicos.  

MUITO DIFERENTE  

Por que a Dinamarca chamaria a atenção? Nada menos que 30,22% é o patamar de participação relativa dos servidores públicos na máquina pública quando a métrica é quantidade, ou seja, do total de trabalhadores na iniciativa privada e no Estado. 

Suécia, Austrália e Reino Unido vão descendo na tabela, mas sempre com médias elevadas de participação do emprego público. O Brasil está lá embaixo. O Estado do Bem-Estar-Social explica os gastos naqueles três países, enquanto no Brasil todo mundo sabe o tamanho da encrenca que é depender do Estado para qualquer coisa em áreas de atuação do Estado, casos de Educação, Saúde, Segurança Pública, Judiciário.  

Voltando mais uma vez para o ABC Paulista, eu teria muitas dificuldades em cravar com segurança que determinado Município é mais competente para lidar com o custo relativo da máquina pública. Há inúmeras balizas que poderiam ser levantadas, casos do PIB per capital, do Potencial de Consumo per capita, IDH e muito mais. 

PÚBLICO E INDUSTRIAL  

Se tivesse que arriscar, jamais adotaria o tamanho numérico dos batalhões dos servidores públicos municipais em confronto com o total de trabalhadores.  

Massas salariais em confronto parecem menos suscetíveis a deformações. Como o setor industrial é comprovadamente a atividade que mais gera riqueza, parece evidente que o confronto de massas salariais de servidores versus industriários torna-se mais correto.  

Em dezembro de 2021, a soma de salários dos servidores públicos da região alcançava o total de R$ 233.593,27 milhões, enquanto a massa salarial dos industriários registrava R$ 896.889,90 milhões. Ou seja: 26% de participação relativa da máquina pública.  

Esse tema será estendido na medida do possível de pautas que se multiplicam.  

Só para evitar lambadas verbais discriminatórios: tenho uma filha que atua no Sistema Judiciário. Ela se submeteu à disputa meritocrática de concurso público. Acho que deveria ganhar mais do que ganha. Tanto quanto acho que muitos ganham mais do que deveriam e outros ganham sem trabalhar nos escaninhos de cargos comissionados como cabos eleitorais.  



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