Como os botocudos da região não aprendem com o passado, vou repetir o que já escrevi e que precisa ser repetido: sem organização interna em forma de estratégia econômica minimamente razoável, os supostos reforços logísticos do puxadinho do Metrô e a obra do BRT-ABC vão acentuar o Complexo de Gata Borralheira da região. O Rodoanel, como foi alertado, já contabiliza estragos imensos.
Saudar a possível, mas sempre adiada chegada de um metrozinho na região e da mesma forma soltar fogos com o BRT de ônibus de velocidade em espaço específico para cortar as improdutividades logísticas da região são farinhas do mesmo saco de despreparo avaliativo. Há ponderações sumariamente esquecidas.
Quem viver verá. Como no caso do trecho sul do Rodoanel de nova onda de desindustrialização, uma das muitas incursões de alerta de CapitalSocial ao longo de 34 anos (antes na roupagem da predecessora revista de papel LivreMercado), o Metrô e o BRT vão deslocar ainda mais o eixo de mobilidade de consumidores da região rumo à Capital. E acelerará o fluxo de trabalhadores rumo à Capital, agora partindo principalmente de São Bernardo, nascedouro do BRT.
MAU-CARATISMO
Não se pode descartar a possibilidade de algum analista desastrado ou mal-intencionado, quando não mentiroso de dar dó, para não dizer mau-caráter, atribuir a este jornalista a aberração de ser contrário às duas intervenções cirúrgicas no tecido logístico da região.
Não se trata de postar-se deleteriamente contra o BRT e o Metrô. Trata-se simplesmente da realidade posta: não temos sociedade civil organizada alguma para se mobilizar em torno de cobrança de um projeto que trate as duas obras como integrantes de um sistema logístico-econômico, não simplesmente logístico-espacial.
O que nos sobra é uma sociedade servil desorganizada sob o controle de mandachuvas e mandachuvinhas.
EVASÃO CONSUMIDORA
Claro que os consumidores de maneira geral e os trabalhadores cada vez mais deserdados vão evadir-se da região quando tudo que é prometido agora virar realidade. O fenômeno sociológico de fundo econômico-cultural do gataborralheirismo da região vai-se acentuar, como se está anunciando desde que a tecnologia de bolso tomou conta da sociedade.
Cada vez mais o ABC Paulista é menos assunto e, mais que isso, um desafio ainda maior para quem mora no ABC Paulista. Nas redes sociais, debates, discussões e ofensas se dão em torno de agentes políticos estaduais e, principalmente, nacionais.
Aqui os políticos ruins de administração e os políticos bons de administração são cada vez menos assediados para o bem e para o mal dos contribuintes.
PESQUISA REDUNDANTE
Já faz algum tempo que uma pesquisa do Instituto Metodista de Ensino constatou junto a consumidores em geral que haverá debandada à Capital quando as condições de transporte forem reforçadas. Não seria preciso ir a fundo nos questionamentos tanta é a obviedade do resultado.
Não temos força de atração em nenhum dos setores econômicos para competir com a Capital. Um ramal do Metrô e uma linha extensa do BRT vão ser uma pá de cal na baixa qualidade regional na área de comercio e de serviços. Apanharemos dia e noite, noite e dia, sem parar.
Da mesma forma que cantamos a bola de que o trecho sul do Rodoanel levaria muita riqueza produtiva da região em direção ao outro lado da Grande São Paulo, especialmente ao grupo de municípios liderado por Barueri e Osasco, estendemos preocupação agora aos efeitos nocivos do BRT e do Metrô tendo a ainda mais impactante Capital como algoz inevitável.
ENFERMIDADE SOCIOLÓGICA
Complexo de Gata Borralheira é uma enfermidade sociológica que abordei num livro específico, lançado em 2002 num Teatro Municipal de Santo André lotadíssimo. Era uma festa-homenagem ao prefeito Celso Daniel, morto dois meses antes.
Entre os livros que escrevi (e continuo a escrever de forma intermitente, embora digital, neste espaço), Complexo de Gata Borralheira é mais que um primogênito – é o que mais me enternece.
Primeiro pelo aspecto motivacional que o concebi, diante do impacto do assassinato do maior prefeito regional do ABC Paulista. Segundo porque marcou incansável peregrinação. Fui convidado a proferir inúmeras conferências em escolas, principalmente escolas, num processo de disseminação dos conceitos ali impressos.
O sentimento de inferioridade em relação à Capital vizinha está entranhado na população da região e até que algo extraordinário e provavelmente demorado ocorra, algo no qual não acredito, se tornará ainda mais desafiador.
FESTAS E ENDEREÇOS
Não sei se os estudantes da região ainda preferem colação de grau em algum endereço mais badalado de São Paulo, como naqueles tempos. Provavelmente seguem o roteiro do escravagismo sociocultural e econômico.
Também não sei se uma empresa no limite territorial entre São Bernardo e São Paulo disponibiliza telefones de vendas de produtos com identificação apenas da Capital, para se parecer mais importante. É mais que provável que seja assim.
Do jeito que a banda do ufanismo e do entreguismo político-partidário toca na região, não duvido que se atribuirão a alguns dos prefeitos atuais o suposto mérito de convencer o governo do Estado a investir nos dois modelos de transporte público.
Do jeito que vai indo, não faltará ocasião em que se dará aos prefeitos amigos da casa o falso mérito de ressuscitamento do Clube dos Prefeitos, ou Consórcio de Prefeitos, na tentativa de proclamar parceiros e demonizar adversários. Como se o Clube dos Prefeitos estivesse redivivo.
DESREGIONALIZAÇÃO
Na medida em que fake news são publicadas sem pudor ético, desconfia-se de tudo. Daqui a pouco alguns serão capazes de dizer que a Chocolates Pan faliu em São Caetano por causa do prefeito José Auricchio, que a Ford se escafedeu porque o prefeito Orlando Morando mandou fechar todas as entradas e saídas de suprimentos que abasteciam a linha de produção e que Santo André merece ganhar o título de campeã nacional de combate ao vírus maldito, sem levar em conta os índices de mortalidade e as denúncias de corrupção registradas pela Controladoria-Geral da União.
Para os leitores que moram ou trabalham na região e que não tenham muita intimidade com a base jornalística local, sendo, portanto, incapazes de distinguir verdades de mentiras, omissões e perseguições, promessas e lorotas, desafio-os a encontrar em qualquer mecanismo de busca na Internet algo que remeta às consequências da construção do trecho sul do Rodoanel numa modelagem em que o território do ABC Paulista foi praticamente banido do baile de interatividade logística.
Vamos, dê uma gugada, vá em frente. Você não encontrará fora das análises de CapitalSocial e de LivreMercado absolutamente nada. Quase toda a imprensa da região teme algumas temáticas. Evitam-na, porque contrariariam determinados elementos nocivos à saúde da regionalidade.
DISFUNCIONALIDADE
É assim que funciona esse treco chamado imprensa triunfalista. A lição que ficou para todos que se omitiram e continuam a se omitir sobre os destroços de reformas físico-estruturais na região na esteira de grandes e indispensáveis obras é que o tempo é implacável. E, mais dia, menos dia, vira presente.
Essa omissão coletiva que tenta levar a crer que não temos evasão dos deserdados cobra em forma de ruptura de credibilidade um preço cada vez mais alto porque se junta, esse deliberado silêncio, a tantos outros passivos.
Chegamos ao pior dos mundos na região. Quando não é a maior parte da mídia que se cala ou consente com ajeitamentos pouco democráticos, é a maioria das autoridades públicas cada vez mais especializada em produzir meias-verdades, meias-mentiras e mentiras completas.
O que difere meias-verdades de meias-mentiras é que a primeira ganha alguma proteção de credibilidade, enquanto a segunda parte do princípio interpretativo dos consumidores de informação de que há evidente fissura de vício enganador a carregar o conteúdo.
Quanto a mentiras inteiras, essas nem sempre são identificadas, por mais estranho que isso possa parecer. Há mentiras inteiras que também são mentiras sofisticadas, em formato semântico de verdades. Nesse caso específico, estão os fogos de artifício com as anunciadas chegadas do BRT-ABC e uma linha auxiliar paulistana do Metrô regional, que atenderia apenas uma banda populacional de Santo André e de São Bernardo. O suficiente para fazer a alegria dos usuários rumo à Capital dominadora.
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