Economia

São Caetano festeja social e
não reage à queda econômica

DANIEL LIMA - 06/10/2023

São Caetano está convivendo quase que silenciosamente, quando não sob holofotes triunfalistas, num ambiente de contrastes que já custa caro ao futuro que sempre chega. Quem vê apenas o lado positivo, que é a moeda social de São Caetano, vai ficar assustado ao conhecer o lado negativo, que está no campo econômico.  

Os fogos de artifício mais que justos de indicadores sociais invejáveis para a realidade do País ainda ofuscam armadilhas que debilitam a engrenagem econômica.  

O passado histórico de São Caetano é muito melhor que o passado recente de São Caetano. Quem não distinguir uma coisa da outra usa tapa-olhos interpretativos que pode custar muito caro. 

Neste século, São Caetano detém a pior combinação desses dois mundos irrevogavelmente siameses. 

O mundo invejável do social em São Caetano está sendo gradualmente estiolado pelo mundo comprometedor da economia.  

MENOS RIQUEZA, MAIS IMPOSTOS  

Entre os municípios da região, os 20 anos que separaram a base de cálculo de 1999 e a reta de chegada de 2020 (dados mais atualizados pelo IBGE) são os mais dramáticos para São Caetano do que para qualquer outro endereço regional. E olhe que não falta prejuízo tanto social quanto econômico a quase todos os integrantes do ABC Paulista, outrora Grande ABC. 

A criação de riqueza em forma de PIB Industrial de São Caetano entre janeiro de 2000 e dezembro de 2020 cresceu em termos nominais (sem considerar a inflação) apenas 128,59%. Já a Carga Tributária Municipal, em forma de PIB Público, que raramente gera riqueza convencional, de agregado de valor, aumentou também nominalmente, nada menos que 755,16%.  

Quando se considera que a inflação do período, medida pelo IPCA do IBGE, registrou 250,04%, têm-se com mais precisão o quanto se aprofundou o buraco entre uma força propulsora de dinamismo econômico e a contraforça de impostos.  

DESCENDO A LADEIRA  

O peso relativo cada vez maior de morar em São Caetano parece não estar esgotado. A lógica de buscar financiamento à manutenção da máquina pública e às demandas de serviços públicos de qualidade com a cobrança de impostos, em contraponto ao recuo da produção de riqueza industrial, é o que resta como solução inadequada.  

De décimo-quinto PIB per capita paulista no começo do século, São Caetano caiu para a 21ª posição. E a tendência é continuar ladeira abaixo. Não há nada em São Caetano que indique sequer a estabilização dos dados econômicos. Eventuais subidas não se sustentarão, como não se têm sustentado.  

A queda de seis posições no ranking estadual per capita em 20 anos diz pouco quando se desce a detalhes. Tudo fica mais preocupante. Em valores nominais, o PIB per capita de São Caetano em 1999 correspondia a R$ 22.016, 46. Na ponta do tempo, em 2020, chegou a R$ 86.200,01 mil. Uma variação nominal de 291,52%.  

Já o comportamento médio do PIB per capita do Estado de São Paulo foi bem melhor: era 9.250,35 em 1999 e passou para R$ 53.263,00 em 2020, com crescimento nominal de 475,80%.  Quase 200 pontos percentuais de distância -- ou uma vantagem de 63,21%.  

DISTÂNCIA MENOR  

A participação relativa do PIB per capita do Estado de São Paulo em 1999 correspondia a 42,01% do PIB per capita de São Caetano. Na ponta, em 2020, a diferença ficou menos elástica. A média paulista corresponde a 61,79%v da média de São Caetano.  

Quanto mais se pronuncia uma desindustrialização relativa e também de fato, mais se agrava a métrica arrecadatória. Tanto que embora ocupe a quinta posição no Ranking de Competitividade dos Municípios Brasileiros, meticuloso estudo do Centro de Liderança Pública (CLP) dividido em três dimensões, no campo fiscal São Caetano ocupa a posição 136 entre os 415 endereços brasileiros com mais de 80 mil habitantes.  

Em 1999, os dados comparativos entre PIB Industrial e PIB Público em São Caetano não ecoavam qualquer inquietação mais grave, mesmo se levando em conta que desde os anos 1980 o Município já dava sinais de enfraquecimento por conta da desindustrialização. 

Em 1999, o PÌB Industrial de São Caetano registrava R$ 1.290,16 bilhão ante o PIB Público de R$ 178,18 milhões, sempre em termos nominais. Em 2020, o PIB Industrial chegou a 2.949,16 bilhões ante R$ 1.523,16 bilhão do PIB Público. O que era uma participação relativa de apenas 13,81% do PIB Público em relação ao PIB Industrial, passou para 51,66%. Um crescimento quase três vezes maior.  

ABAIXO E ACIMA DA INFLAÇÃO  

O avanço nominal do PIB Industrial de São Caetano de 128,59% (abaixo da inflação de 250,04%) contrasta com o crescimento de 755,16% do PIB Público em termos igualmente nominais.  

A indústria de São Caetano, ainda sustentada em números gerais pela fábrica da General Motors do Brasil, era praticamente do tamanho da indústria de Mauá em dezembro de 1999: o PIB setorial de R$ 1.290,16 bilhões de São Caetano era semelhante ao R$ 1.287,22 bilhão de Mauá.  

Já no ano 2020, com Mauá incrementada ainda mais pelo Polo Petroquímico e São Caetano violentada pela competitividade excludente do setor automotivo, o que era igualdade numérica virou goleada: Mauá registrou R$ 5.773.374 bilhões enquanto São Caetano não passou de R$ 2.949.167 bilhões. Ou seja: Mauá avançou nominalmente no PIB Industrial portentosos 402,21% no período, ante 128,59% de São Caetano.  

DOENÇAS DISTINTAS  

O que temos nesse caso comparativo é que a Doença Holandesa de São Caetano (que também é de São Bernardo e menos intensamente de Diadema) em forma de indústria automotiva, dita fortemente o comportamento da economia local.  

Já a Doença Holandesa Petroquímica de Mauá (que também é de Santo André, embora menos intensamente) tem sido mais generosa. Doença Holandesa é uma expressão que regionalizei ao tratar da economia do ABC Paulista tendo como premissa o conceito de dependência excessiva de uma determinada atividade econômica.  

O confronto entre São Caetano e Mauá, portanto, é mais que um enfrentamento de duas unidades municipais opostas numa região em que há diversidade de participação relativa de setores produtivos.  

O que existe como sinalização de preocupação maior é a insistência de São Caetano ignorar que os tempos de industrialização há muito se foram e que é preciso buscar alternativa para valer principalmente no setor de serviços.  

ARRANJO DA SAÚDE  

Há muito tempo sugeri que São Caetano, a Capital da Terceira Idade do Brasil, se dedicasse intensamente a se tornar endereço da indústria hospitalar da Grande São Paulo, espécie de arranjo produtivo econômico de especialidades médicas.  

O espaço exíguo para muitas atividades econômicas parece apropriadíssimo à iniciativa. A especialização em cuidados exigidos pelo avanço da longevidade da população brasileira teria São Caetano como polo naturalmente evocativo a investimentos. Até porque conta com algumas unidades de ramificações nacionais.  

Cada vez mais São Caetano se aproxima de contar com um terço da população com 60 anos de idade ou mais. Muito acima da média nacional de 17%.  

Mas um olhar cauteloso também sobre essa potencial vertente de desenvolvimento econômico precisa ganhar visibilidade e senso de urgência. A logística de São Caetano é um caos dentro da caótica região. São Caetano é uma ilha metropolitana com baixa capacidade de mobilidade tanto interna quanto externa.  

A PORCA E O RABO 

A Avenida dos Estados se tornou um entrave. Do outro lado, falta acesso à Rodovia Anchieta. O estrangulamento logístico de São Caetano é semelhante ao de Santo André. A diferença é que o prefeito de Santo André enfrenta a dificuldade com bobagens discursivas. O prefeito de São Caetano, José Auricchio, prefere o silêncio. 

A porca da realidade econômica de São Caetano torce o rabo de desvios avaliativos há muito tempo. São Caetano conta com atividades de serviços herdadas do prefeito Luiz Tortorello em meados da década de 1990.  Tortorello quebrou a unidade pretendida de impostos iguais nos setores de serviços na região e decidiu individualizar uma pretendida cópia do que Barueri realizava na guerra fiscal com o uso do ISS (Imposto Sobre Serviços), um dos condimentos arrecadatórios do Imposto Público Municipal. 

Mesmo distante dos resultados de Barueri, São Caetano amealhou dados positivos no campo tributário. Mas há muito de artificialismo. Os números do mercado de trabalho em São Caetano na área de serviços carregam enganos. A massa de trabalhadores de várias atividades, como consórcios e construção civil, só existe documentalmente, por estarem as empresas sediadas no Município.  

São Caetano contabiliza como ativo o que de ativo é muito pouco. A massa salarial, que faz parte do coquetel do PIB Geral, não existe para valer.  

Numa próxima edição vamos produzir análise inteiramente regional. Mostraremos qual foi o comportamento individual dos sete municípios como também o comportamento coletivo. Os dados comprovam que o PIB Público da região subiu pelo elevador, enquanto o PIB Industrial desceu pela escada.  

Há uma evidente e inquieta equação a ser corrigida tanto pelo vetor fiscal quanto produtivo. E não há sinais que apontem mudanças. Diferentemente disso. Tudo parece se agravar a cada nova temporada. Conclusão? Vamos perder mais e mais competitividade que resta.  



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