O anúncio de que 300 trabalhadores de São Caetano que vestem o uniforme da General Motors foram demitidos não é a calamidade econômica e trabalhista que os sindicalistas pretendem vender, embora qualquer fonte de renda de quem quer que seja deva ser observada com atenção e cuidado. As repercussões sociais sempre afloram.
Entre um equívoco de uma multinacional que dispensa trabalhadores por telegrama e a barulheira sindical (a GM demitiu mais de mil trabalhadores, somando-se as plantas de São José dos Campos e Mogi das Cruzes, além de São Caetano) e o estardalhaço de sindicalistas existe uma grande massa de informações que tornam a situação menos espetaculares e desumanas, embora sempre dramáticas.
Os 300 empregos perdidos agora em São Caetano na fábrica da General Motors não passam de uma fração das 6.304 carteiras assinadas do setor industrial do Município que desapareceram durante os 24 meses da maior recessão da história do País e da região, entre 2015 e 2016, quando Dilma Rousseff ocupava a presidência do País.
Ou seja: naquele período, São Caetano perdeu em média a cada mês nada menos que 262 empregos formais industriais. Eram 26.410 em dezembro de 2014 e passaram a 20.106 em dezembro de 2016.
ONDE ESTAVAM?
O que se pergunta, porque perguntar não é pecado, é onde estavam os sindicalistas durante todo aquele período. Eles não mexeram uma palha visível para protestar ou algo semelhante.
Os sindicalistas metalúrgicos capitaneados pelo ministro do Trabalho Luiz Marinho, ex-metalúrgico, precisam entender o jogo que está sendo jogado para não venderem ilusões de resoluções fáceis. A derrocada do emprego automotivo do ABC Paulista é uma jornada longa que se iniciou há muito tempo e vai seguir adiante. O Custo ABC está sendo desmontado gradativamente, mas está longe de virar Benefício ABC.
É preciso rezar e trabalhar muito, ou trabalhar muito e rezar, para que novas deserções não estilhacem de vez a cada vez menos vistosa vitrine da atividade na região.
Desde a metade dos anos 1990 estamos colecionando baixas no mercado de trabalho automotivo da região e não há data prevista para o massacre parar.
SÍMBOLO DO DESASTRE
Talvez o melhor resumo da ópera desse desfiladeiro seja o sepultamento da Rota do Frango com Polenta, em São Bernardo. Aquele corolário de restaurantes e de clientes foi para a cucuia no mesmo ritmo da desindustrialização que tardou, mas chegou à Capital Econômica da região. Santo André e São Caetano inauguraram esse placar regional.
Quem estiver na praça disposto a acreditar no conto da Carochinha de que alguma medida supostamente aliviadora que venha a ser anunciada alterará o ritmo da chuva de ácido de desemprego e quebra do PIB Industrial vai quebrar a cara, porque mais complicações estão vindo.
Os aplausos fáceis e sempre incautos da mídia em defesa do emprego industrial na região não resistem a um único questionamento: o que fazer com a vaca que está indo para o brejo há tanto tempo se os passos mais próximos direcionam ao pântano da irreversibilidade?
Por conta disso e de tudo o mais, as demissões anunciadas pela General Motores em São Caetano e em outras duas localidades fazem parte do show de horrores do capitalismo sem fronteiras e cada vez mais suscetível a novas tecnologias e gestão. A alternativa socialista, como se sabe, é tiro nágua.
VELHA GUARDA SINDICAL
Da mesma forma que as recentes evasões da Ford e da Toyota em São Bernardo introduziram na pauta jornalística algumas bobagens viciadas, também em São Caetano a perda de novos 10% dos trabalhadores que restam ainda em grande quantidade induz a interpretações que lançam a bomba do prejuízo no colo da Administração Municipal, coincidentemente também adversária do jornalismo diário.
Tenho cá comigo a impressão, ou melhor, a certeza, de que a velha guarda do sindicalismo regional, que segue mandando nos sindicatos, e as novas gerações de sindicalistas, que chegam ao poucos entre os mortos e feridos que não resistiram à desindustrialização, sabem de cor e salteado que está produzindo um jogo de cena agora que o vovô Lula da Silva voltou à presidência.
Não creio, no fundo de minha alma que não é penada, que gente que esteja no batente sindical, movida ideologicamente porque é um direito ser movida inclusive por eventuais prazeres mundanos, não compreenda o que se passa no mundo automotivo.
CHINESES CHEGANDO
Ainda outro dia manifestei preocupação com a eletrificação dos veículos no País, que terá a chinesa BYD a produzir os maiores estragos no campo trabalhista do que se tem notícia. Até agora não li nada a respeito da invasão chinesa, partindo como deveria partir dos sindicalistas locais. Parece até que os chineses não estão desembarcando com tudo.
Talvez os sindicalistas fiquem na moita porque a moita é sinônimo de omissão e também de competição de capitalismo de Estado. Como se sabe, a China vive há dezenas de anos sob o controle do Estado autoritário e adotou pós-Mao Tse Tung o capitalismo como veia indutora de crescimento e evolução social.
Quem apreciava tanto os chineses do capitalismo de Estado estando longe dos chineses do capitalismo de Estado, e, também, muitos mal-informados, vibrando com os avanços do PIB dos asiáticos, agora provavelmente precisará rever conceitos.
CAPITALISMO DE ESTADO
O capitalismo de Estado do Brasil (ou a carga tributária escorchante não é isso mesmo?), embora não tão pronunciadamente sufocante, encontrou um adversário e tanto pela frente.
Adversário é força de expressão porque o presidente Lula da Silva e o governo federal de maneira geral aplaudem e comemoram os investimentos chineses na Bahia, mais precisamente na desativada fábrica da Ford em Camaçari. Como se sabe, os valores serão tão elevados quanto a concorrência desleal.
Os chineses desembarcam com vantagens fiscais monumentais. Não à toa as montadoras mais tradicionais do mercado nacional, todas integrantes da Anfavea, o Clube das Automotivas, já iniciaram guerra para evitar o pior. A GM está nesse bloco de rebeldia.
O Lula da Silva do movimento sindical em São Bernardo era um Lula da Silva provinciano, que pensava apenas corporativamente. O Lula da Silva deste terceiro mandato é um político escolado, que enxerga muito além das fronteiras nacionais. A aproximação com os chineses se acentua. Os nordestinos rendem muito mais votos que o ABC Paulista. A BYD dos carros elétricos vai reforçar o voto de cabresto do Bolsa Família.
MAIS PREJUÍZOS VIRÃO
O fato que deveria preocupar os sindicalistas locais, despertando-os a um futuro que independe de eventual recuo da General Motors em São Caetano, pressionada que seria pelo governo federal capitaneado na área por Luiz Marinho, é que mais dia, menos dia, os danos serão ainda maiores, rompendo a barreira do protecionismo apadrinhado e também da competitividade cerceada por razões políticas.
Fico cá comigo pensando com a cabeça dos sindicalistas da região, notadamente do setor metalúrgico. Presto muita atenção às declarações de lideranças dos trabalhadores aos meios de comunicação. Não preciso forçar a memória e buscar no passado distante intervenções estridentes emitidas em situações semelhantes.
Como eles podem ter chegado ao ponto de não evoluírem nada? Penso e penso com a cabeça deles, movido pelas declarações deles, e me sinto perdido.
Por isso, tenho de pensar com minha cabeça que não é uma cabeça dura. A flexibilização do mercado de trabalho por conta da lata do lixo em que foi atirada a Legislação Trabalhista varguista é execrada diariamente pelos sindicalistas, mas não há como retroceder. Uma recomposição aqui, outra ali, só provocarão mais complicações.
UM VALE-TUDO ASIÁTICO
O mundo mudou e mudou para valer. Os próprios chineses estão pouco preocupados com o que todos aqui chamam de proteção social dos trabalhadores. Eles, os chineses, não dão a mínima às chamadas conquistas de trabalhadores do mundo mais civilizado.
Estou fazendo o que não gosto, ou seja, ideologizando as relações trabalhistas. Seria estultice ignorar o que está posto no mundo da produção automotiva. Os chineses atuam com rigor na precarização das relações de trabalho e com isso aumentam inserção a cada nova temporada no mundo externo.
As lideranças dos metalúrgicos da região deveriam preparar-se para o embate que já começou. É indispensável que busquem alternativas para tentar evitar um estrondo mais que previsto no mercado automotivo.
CADA VEZ MENOS
A participação regional no bolo nacional sobrerrodas não passa de 10% e a tendência é mais emagrecimento. Quanto mais perdemos de importância no bolo nacional, mais acusamos golpes locais. Afinal, o setor automotivo é responsável por praticamente metade do PIB Industrial da região.
Parece cada vez mais improvável que medidas federais, de um Estado recorrentemente às voltas com déficit fiscal, seriam rebocadas para dar musculatura ao mundo automotivo da região. Estamos deserdados e fuzilados. Os tempos de socorro já passaram.
Cada vez mais será menos provável a recomposição automotiva. O torniquete aperta e os administradores municipais também não terão cacife de qualquer espécie, política, fiscal e o escambau, para estancar essa corrida maluca internacional.
A redução relativa de custos dos produtos automotivos é condição indissociável a investimentos sejam ocidentais, sejam asiáticos. No caso dos chineses, a remuneração não se limita aos investimentos financeiros propriamente ditos, mas também a um novo modelo de capitalismo, centralizado nos autoritários de plantão.
GUERRA ECONÕMICA
A meta dos chineses é ultrapassar as potências ocidentais lideradas pelos Estados Unidos e estabelecer nova ordem mundial. Quem cultua a liberdade deveria se preocupar. Ou perder o sono. O Brasil destes tempos é um ensaio chinês.
Há sindicalistas tão espertos que manipulam dados gerais para aquecer os ânimos de rebeldia e conquista de simpatia da sociedade para causas que se esgotaram num mundo globalizado.
O jornal Valor Econômico publicou na edição de ontem dados sobre o comportamento da General Motors no mundo automotivo. E houve quem os retirasse do contexto mundial, orquestrando dados como se fossem limitados ao território nacional. E tudo sem contextualização.
O Valor Econômico é esclarecedor. A General Motors registrou lucro de U$ 3,06 bilhões no terceiro trimestre, queda de 7,3% na comparação anual. A montadora americana somou receitas de US$ 44,1 bilhões entre julho e setembro, crescimento de 5,4% sobre o mesmo período do ano passado.
DADOS GLOBAIS
A GM realizou entrega – sempre segundo o Valor Econômico – de 1,53 milhão de veículos no terceiro trimestre, queda de 2,8% na comparação anual. No Brasil, houve entrega de 88 mil veículos, crescimento de 12,8% sobre igual período de 2022, alcançando 15% do mercado nacional. Na China, houve entrega de 630 mil veículos e nos Estados Unidos o número foi de 556 mil veículos.
Agora, vem um ponto de destaque no noticiário do Valor Econômico, que os sindicalistas da região ignoram: a empresa continua o caminho de reduzir US$ 2 bilhões em custos fixos até 2024 e vê um portfólio de lançamentos robusto no próximo ano que vai ajudar a manter as margens em patamares elevados. A GM acredita que os veículos elétricos darão margem positiva em 2025.
O resumo da ópera é que o capitalismo privado é assim mesmo. Os investidores cobram resultados. Quando o Estado autoritário controla a economia de forma direta, como os chineses, os balanços financeiros não são questionados e tampouco as relações trabalhistas são alguma coisa que poderia relacionar-se com direitos a serem respeitados. Quando há predadores num mercado, todos pagam a conta. Basta verificar o quanto a GM do passado amealhava do mercado nacional de veículos e quanto restou. Alguém vai pagar essa diferença. Ou já está pagando. No governo Dilma Rousseff, a conta foi salgadíssima. Os sindicalistas emudeceram.
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