Vou repetir a pergunta que está na manchetíssima de hoje: “Por que tanto alarde com as 300 demissões na GM?”. Quer uma resposta franca, sincera, contundente e tudo o mais? Tudo tem mais a ver com o contexto político-trabalhista do que com qualquer outra coisa.
Não quero dizer com isso que não exista outra coisa, como o sentimento pessoal, brios corporativos, porque ninguém seria tão insensível assim. Emprego bom é emprego mantido, mas nem sempre o emprego mantido a fórceps é o melhor emprego mantido. Os danos colaterais podem ser maiores. Já conhecemos esse filme.
Acho que exatamente por isso, pela dramaticidade de ver tanta gente sem trabalho, industrializa-se o proselitismo calculadamente político-ideológico.
Os 300 trabalhadores demitidos pela General Motors de São Caetano são uma fração de apenas 0,6% de tudo o que o governo Dilma Rousseff provocou de rupturas no mercado de trabalho industrial da região em 24 meses, entre janeiro de 2015 e dezembro de 2016. E não se ouviu um chiado qualquer dos sindicalistas e do jornalismo diário. O que temos agora, e escrevi sobre isso ontem, é muito mais que uma queda do emprego. Estamos com o nariz na reta de competitividade internacional. E faz muito tempo. E ninguém reage. Bajula-se muito e faz-se pouco.
VERMELHO CONSTANTE
A catástrofe, que sempre denunciamos, ganhou durante aquele período o formato, as cores, a tessitura e os odores de um silêncio comprometedor porque o contrário, ou seja, a reação indignada, não valeria a pena diante de eventuais contrariedades ressonantes que cercam as conveniências de praxe.
A situação se alterou agora não porque existam porções cavalares de solidariedade na alma pura dos representantes dos trabalhadores. O que se quer mesmo é carnavalizar politicamente uma ação recorrente de grandes, médias e pequenas indústrias da região.
O cartão vermelho é uma constante na região. Vem do passado do movimento sindical e da guerra fiscal que abalaram as estruturas da região a partir dos anos 1980. Não se encontrou até agora o antidoto que seja sinônimo de produtividade sem buracos sociais.
Não custa o leitor parar um pouco para refletir. Já imaginou o impacto de 47.976 trabalhadores demitidos nas fábricas de região durante os 24 últimos meses de Dilma Rousseff.
NADA IGUAL
Não houve na história regional nada semelhante em período tão estrito. Com Fernando Henrique Cardoso a carnificina de 85 mil demissões liquidas se prolongou por oito anos, média anual de pouco mais de 10 mil defenestrações. Com Dilma tivemos muito mais de média anual. E nada se fez. Nem um movimentozinho de revolta.
Só agora, vejam só, o jornalismo diário refratário à pauta econômica da região, descobriu por terceiros que São Caetano depende da General Motors (e dos terminais da Petrobras). Já cansamos de escrever sobre isso e sobre tantas coisas.
Mais que isso: essa hecatombe vem de um passado distante. Passou por todos os prefeitos. Luiz Tortorello abandonou a disputa por indústrias e se jogou todo numa guerra fiscal na área de serviços. Sabotou os planos de Celso Daniel.
São Caetano deve e precisa buscar alternativa econômica consistente, como estou cansado de escrever. A área de saúde é o mapa da mina. Indústria de transformação em São Caetano é insanidade. Seria como reindustrializar bairros nobres da Capital.
DOENÇAS HOLANDESAS
Será que sabem que Santo André e Mauá dependem demais do Polo Petroquímico? Ou não sabem que todas as cadeias de produção industrial de Santo André desapareceram ao longo de décadas, restando apenas o Polo Petroquímico? E que São Bernardo e Diadema sofrem um bocado quando a indústria automotiva entra em parafuso? Nossas Doenças Holandesas são um eterno risco.
Não custa aprofundar um pouco os dados das quase 50 mil demissões industriais na região durante os dois anos de destruição de Dilma Rousseff. Os números sempre levam em comparação o balanço de 2014, ou seja, antes de o Brasil ingressar na maior recessão econômica da história. Uma recessãozinha que, acumulada, não chegou a 10% enquanto no ABC Paulista a conta foi muito mais salgada, com queda regional de 22% do PIB Industrial.
Como um todo, os sete municípios da região perderam 20,93% do estoque de carteiras assinadas no setor industrial naqueles 24 meses dilmistas. Contávamos em dezembro de 2014 com 238.722 trabalhadores e chegamos a dezembro de 2016 com apenas 190.746.
SANTO ANDRÉ PIOR
Quem mais perdeu emprego industrial naqueles dois anos foi Santo André. O impacto das 8.175 demissões provocou rombo de 24,45% no estoque de dezembro de 2014. Eram 33.439 carteiras assinados no setor industrial em dezembro daquele ano. E restaram 25.264 em dezembro de 2016, quando Dilma Rousseff já não estava mais na presidência, por conta de trapalhadas monumentais.
Embora tenha perdido numericamente mais empregos industriais que os demais municípios da região, 17.271 no período, São Bernardo sofreu contração relativa inferior à maioria. Afinal, do total de 92.211 que dispunha no estoque em dezembro de 2014 sobraram 74.939 no final de 2016. Isso corresponde a 18,73% de quebra. Seis pontos percentuais abaixo de Santo André.
A maioria dos políticos e a mídia de maneira geral não sabem fazer contas básicas quando se trata de comparar universos diferentes. Já escrevi sobre isso muitas vezes mas não custa repetir sempre: o que determina a hierarquia do impacto de perda ou ganho de emprego entre cidades é o estoque anterior.
MESMO BALAIO
Afinal, como poderia ser colocado no mesmo balaio de marketing (é disso que se trata quando se puxa a sardinha conceitual para a própria brasa) um universo industrial de 92.211 empregos com carteiras assinadas em dezembro de 2014 ante 33.439 de outro Município sem considerar os resultados decorrentes dos efeitos dilmistas? Por isso os 8.1765 empregos industriais destruídos em Santo André são mais que os 17.272 em São Bernardo.
E essa contagem relativa vale aos demais municípios. Outro exemplo? Mauá perdeu no mesmo intervalo de tempo 3.142 empregos industriais, enquanto Ribeirão Pire sofreu baixa de 1.406. Mas o estoque de Mauá foi menos impactado, com queda de 15,40% (eram 24.099 e sobraram 20.312), do que de Ribeirão Pires (eram 7.968 carteiras assinadas em dezembro de 2014 e sobraram 6.562 em dezembro de 2016. Ou 17,65% de rompimento.
Diadema, coladíssima a São Bernardo na geografia e em parte também muito dependente do setor automotivo, perdeu 22,09% do estoque de emprego industrial, correspondente a 11.716 baixas de carteiras assinadas. Eram 53.028 e passou para 41.312. Diadema tem praticamente o mesmo estoque de trabalhadores industriais de Santo André e São Caetano somados.
CADA DIA PIOR
Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não pesam quase nada no estoque de trabalhadores industriais com carteira assinada: em 2014 Ribeirão Pires contava com 7.968 e ficou com 6.562 em dezembro de 2016 – queda de 17,64%, com baixa de 1.406 trabalhadores. Rio Grande da Serra é exceção regional, porque ganhou 39 empregos industriais de estoque no período. Eram 1.567 e passou para 1.606. Pena que Rio Grande da Serra não representa mais que 0,84% do estoque geral de trabalhadores industriais na região. Ribeirão Pires é um pouco mais – 3,44%.
A cada dia que passa pós-demissão na General Motors e o enredo mais que conhecido de choradeira sem respaldo técnico que possa dar uma nova direção ao futuro sombrio que há muito impacta a Economia da região, mais tenho a certeza de que estamos andando em círculos e vivendo apenas mais uma duríssima etapa de perdas parciais. Tem sido assim desde sempre.
O ritual sindicalista e midiático é uma sinfonia vazia. Procura-se eleger violões de ocasião, quando os humores e horrores prevalecem. A incapacidade de entender o passado e de planejar o futuro faz da região uma desesperança completa.
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