Não será a primeira vez nem será a última vez porque outras vezes chegarão: numa série de análises que vou preparar a partir desta semana, e que invadirá o calendário gregoriano provavelmente do ano que vem, vou mostrar aos leitores dois modelos de Desenvolvimento Econômico de resultados contrastantes. A disputa envolve Santo André e Sorocaba.
Já no passado de muito passado, mas sempre presente escolhi Santo André e Sorocaba para comparações. Há dois pesos interessantes e desafiadores: a população praticamente igual entre os dois endereços e o fato de um Município estar na condição de subúrbio da Região Metropolitana de São Paulo, e o outro Município estar na condição de Capital de uma das três Regiões Metropolitanas do Interior do Estado.
Também pesou consideravelmente nessa disputa que não é de hoje o fato de Santo André e Sorocaba terem poderio industrial semelhante. Em números absolutos, Santo André e Sorocaba estão numa faixa de frequência que não é disparatada.
DORES DA DESINDUSTRIALIZAÇÃO
Os efeitos econômicos locais e macroeconômicos agem senão de forma semelhante, porque há distinções entre um setor industrial e outro, mas de alguma maneira mais ajustados entre si do que se a comparação fosse entre um endereço industrialmente forte e um endereço industrialmente reticente.
Um exemplo: Santo André versus Barueri, Município da Grande São Paulo que tem no setor de serviços a sustentação econômica.
O que temos nas últimas décadas sobre o comportamento industrial de Santo André e de Sorocaba é que o primeiro Município segue acusando as dores da desindustrialização que começou nos anos 1980. Já Sorocaba goza da tendencia mais que consagrada da industrialização rumo ao Interior do Estado.
Santo André – e os leitores terão a oportunidade de comprovar nesta série – pegou uma estrada vicinal na ordem industrial, enquanto Sorocaba segue adiante numa autoestrada. Os reflexos só poderiam ser os piores possíveis para Santo André.
VITÓRIA DE SOROCABA
Ainda sem contar com a maioria dos resultados de uma dúzia e meia de indicadores sobre os quais vou lançar análises, aposto com quem quiser que o resultado geral vai ser favorável a Sorocaba.
Entenda-se resultado geral o embate entre os pontos conquistados pelos dois municípios a cada indicador exposto. A individualização dos dados temáticos não será a norma desta série de dados. Haverá situações em que indicadores consequenciais serão expostos de forma conjunta.
Será o caso imediatamente primeiro, numa próxima edição. Vamos começar a disputa entre Santo André e Sorocaba tendo como primeira missão o confronto do PIB per capita que será correlacionado ao PIB Geral. PIB per capita é até prova em contrário o medidor mais apropriado para diagnosticar os dados em situações como a que se apresentarão.
Mas, muito mais que o PIB per capita propriamente dito, ou seja, o resultado desse indicador numa determinada data, o que teremos como força de interpretação será o desempenho dos dois municípios ao longo dos anos mensuráveis para embasar não só a superioridade de quem apresentar os melhores números como também a sustentabilidade dessa vantagem.
PERGUNTA ESTÚPIDA
Três décadas atrás quem fizesse projeção que colocasse Sorocaba como favorita nessa disputa seria chamado de aventureiro ou maluco. O tempo passou e Santo André ficou na janela vendo Sorocaba passar. A desindustrialização da Grande São Paulo, principalmente da Capital e dos sete vizinhos do ABC Paulista, não é fantasia como pretenderam até outro dia os triunfalistas de plantão. Gente que não enxerga, não quer enxergar ou finge que não enxerga uma palma à frente do nariz.
Mais que ultrapassar Santo André, Sorocaba executa uma fina cantoria de vitorias constantes. Desconfio de que o placar poderá ser mais elástico do que o imaginado em favor da cidade do Interior.
Comparar Santo André a Sorocaba não é novidade nas páginas de CapitalSocial, como antecipei acima. O que se incorpora a essa história nestes dias foram as declarações do prefeito Paulinho Serra em Barcelona, terça-feira da semana que passou. Paulinho Serra me instigou a voltar ao passado agora com números renovados e mais abrangentes.
PREFEITO TRAPALHÃO
Afinal, o que disse o prefeito de Santo André durante um evento dedicado a cidades inteligentes, uma especialidade na qual a gestão iniciada em janeiro de 2017 tem-se dedicado como espécie de porta-bandeira de transformações econômicas e sociais que estão longe de se configurarem alvissareiras?
Paulinho Serra simplesmente escorregou no tomate da precipitação e do desconhecimento, quando não do triunfalismo vazio e da falta do que fazer. O prefeito enalteceu o fato de Santo André estar a 20 quilômetros da Capital mais importante do País e, mais que isso, contar com privilegiado território na Região Metropolitana de São Paulo, o maior conglomerado econômico e populacional da América Latina.
Disse adicionalmente o prefeito, até como justificativa à festa de estar na metrópole, que a logística é abençoada a Santo André. Os Aeroportos de Congonhas e de Guarulhos e o Porto de Santos, tão próximos, eram a garantia de que localização melhor não existiria.
CONVERSA FIADA
Provavelmente os espanhóis presentes no vento, e representantes de tantas outras nacionalidades, acreditaram na fala do prefeito de Santo André. O uso de um portunhol sofrível ao se dirigir à plateia possivelmente ficou para segundo plano.
O prefeito Paulinho Serra atiçou minha memória com o disparate de considerar Santo André privilegiada logisticamente, ou seja, em acessibilidade.
Mais que atiçar a memória, ativou meus circuitos cognitivos a não só buscar no passado já publicado pontos importantes sobre o confronto entre Santo André e Sorocaba como, também, acrescentar novas contendas em forma de indicadores.
É o que já estou fazendo e o que vou desfilar aqui sem pressa alguma, mas numa velocidade suficientemente razoável para manter acessa a curiosidade dos leitores que não são leitores de passagem, mas consumidores de informações que sabem o valor do conhecimento como forma de avaliação e preparação ao entendimento do que é estar na região nesta terceira década de um século que tem sido terrível para os sete municípios.
DISTÂNCIA RELATIVA
Santo André e Sorocaba estão distantes 115 quilômetros. Ou seja: tanto Congonhas quanto o Aeroporto de Guarulhos, além do Porto de Santos, favoreceriam largamente Santo André nesse embate, na avaliação do prefeito de Santo André. Mas não é o que se dá de fato.
Santo André é um dos piores endereços da Grande São Paulo em acessibilidade, em produtividade funcional do ponto de vista de logística. A Avenida dos Estados é contraprodutiva em face de se ter transformado numa espécie de avenida de alta concentração de veículos. E não há válvula de escape disponível porque a geografia não ajuda. É o mesmo caso de São Caetano.
A derrocada industrial de Santo André começou exatamente na medida em que a região encontrou alternativas viárias mais importantes que a Avenida dos Estados, com a construção da Rodovia Anchieta. Depois vieram a Rodovia dos Imigrantes e mais tarde o trecho sul e o trecho leste do Rodoanel.
BAIXA COMPETITIVIDADE
A cada nova inauguração, mais Santo André ficou isolada, juntamente com São Caetano. A deterioração da Avenida dos Estados é consequência de tudo isso. O traçado que une a Capital e a região tornou-se cada vez mais improdutivo. A fuga industrial de Santo André transformou a Avenida dos Estados em uma área cada vez menos atrativa à transformação do produto. Grande parte do PIB Industrial de Santo André, concentrado ao longo da Avenida dos Estados, virou pó.
Tudo isso deveria ser a lição básica do prefeito Paulinho Serra antes de se referir a Santo André como um endereço campeão de logística. Reproduzo na sequência, parte da análise que fiz em dezembro de 2016, pouco antes de Paulino Serra, vitorioso nas urnas, assumir a Prefeitura de Santo André. Ou seja: o titular do Paço Municipal, exceto se sofrer de amnésia, jamais poderia ignorar a realidade de Santo André. Acompanhem:
Sorocaba vira jogo econômico
contra Santo André em 12 anos
DANIEL LIMA - 19/12/2016
Uma sugestão ao prefeito eleito em Santo André, Paulinho Serra, e ao secretário de Desenvolvimento Econômico Ailton Lima: deem atenta, minuciosa e detalhada olhada em Sorocaba, Interior de São Paulo, e vejam se adaptam algumas das políticas públicas locais. Antes disso, entretanto, é importante que estejam convencidos de que Santo André perdeu há muito a força industrial, situação que compromete o crescimento econômico e o equilíbrio social. Sem essa contextualização, nada feito.
A sugestão não é provocativa, apenas desafiadora. Sorocaba é benchmarking interessante a Santo André. Quando Fernando Henrique Cardoso deixou a presidência do País, em 2002, Santo André superava facilmente Sorocaba no PIB (Produto Interno Bruto). Ao final de 2014, ainda com a petista Dilma Rousseff no cargo, em substituição a Lula da Silva (essa data-limite é a mais atualizada pelo IBGE na definição do PIB dos Municípios) Sorocaba passara a perna em Santo André.
Como se sabe em economia nada é por acaso. Santo André é o adversário que escolhemos para o confronto com Sorocaba, mas poderia ser qualquer um dos demais municípios da região. Todos apanhariam feio. A preferência por Santo André é porque os dois municípios são semelhantes em população (quase 700 mil habitantes), embora a taxa de crescimento demográfico de Sorocaba tenha sido bem mais acentuada na última década.
MAIS DEZEMBRO DE 2016
É muito provável que a curiosidade ou algo que poderia ser considerado planejamento econômico do novo prefeito de Santo André dê com os burros nágua. Há fundas diferenças entre uma Sorocaba que centraliza próspera região do Estado de São Paulo e uma Santo André que vive no furacão do desprestígio da periferia encalacrada à Sudeste da Região Metropolitana de São Paulo. Mas não custa nada tentar. É possível encontrar alguma coisa.
É claro que há alternativa muito mais factível com a situação vivida por Santo André e pelos demais municípios da Província do Grande ABC. O que sugeri ainda outro dia ao Clube dos Prefeitos vale individualmente para qualquer Município da região, embora os resultados que venham a ser procurados demorem muito mais e possivelmente não tenham o mesmo impacto de uma ação coletiva da região. É claro que estou me referindo à contratação de uma consultoria especializada em competitividade.
MAIS DEZEMBRO DE 2016
Aliás, não é de hoje que tenho sugerido aos Executivos da região a bordo do Clube dos Prefeitos olhares mais agudamente direcionados ao campo de batalha de desenvolvimento econômico levando em consideração que precisam de armas letais para derrubar as improdutividades locais. Mas como santo de casa não faz milagre, não resta outra saída senão esperar.
Quem sabe apareça na praça regional, convidado por alguma entidade de classe, alguém que revele nossas fraquezas psicossociais e, numa nova prova de nosso Complexo de Gata Borralheira, repita simplesmente o que tenho afirmado e reafirmado anos após anos: é a competitividade econômica que faz a diferença, estúpidos?
MAIS DEZEMBRO DE 2016
Querem os senhores prefeitos que estão próximos a assumir mandatos uma sugestão de alguém que poderia ser convidado e na sequência contratado para desenhar o futuro de competitividade da região sem que a medida seja tomada como consequência da pregação deste jornalista? Lamento dizer que os senhores prefeitos vão sair de um Daniel e vão encontrar outro.
Está na última página da edição quinzenal da revista Exame a solução salomônica para Santo André e os demais municípios da região marcarem um encontro com o sucesso econômico. Está lá uma rapidíssima entrevista com Daniel Gómez Gaviria, responsável pela área de competitividade do Fórum Econômico Mundial, instituição que, afirma a publicação, além de organizar encontros em Davos, produz respeitados estudos e rankings. Daniel Gómez Gaviria esteve recentemente no Brasil a convite da Comunitas, ONG criada pela ex-primeira dama Ruth Cardoso. Ele falou sobre planejamento de longo prazo nas cidades, um dos focos do Fórum Econômico Mundial.
MAIS DEZEMBRO DE 2016
Aviso aos leitores que não esqueci da comparação entre Santo André e Sorocaba, a que me propus com a manchete deste artigo, mas vamos continuar com Daniel Gómez Gaviria porque tem tudo a ver com a temática. Respondendo à revista Exame sobre o principal conselho que daria aos prefeitos brasileiros que vão assumir em 2017, vejam o que disse meu xará:
O objetivo deve ser aumentar a competitividade. O primeiro passo é fazer uma análise. Usando os rankings disponíveis, qual é a posição da cidade? Quais são os pontos fortes e os fracos? Uma vez feito isso, é preciso definir as prioridades e ter um plano para garantir a execução.
Querem mais Daniel Lima, ou melhor Daniel Gómez Gaviria? Vejam o que ele respondeu sobre as cidades que conseguem ganhar competitividade:
B) É preciso ter claro o significado de competitividade. Para nós, quer dizer um grupo de fatores e condições que aumentam a produtividade da economia. Isso inclui desde a elevação da qualidade das instituições até o reforço da infraestrutura.
Mais uma pergunta da revista Exame respondida por Daniel Gómez: os temas abordados não seriam da alçada do governo estadual e do governo federal?
C) Em alguns casos, é verdade, que os prefeitos têm pouca ou nenhuma margem de manobra. Um exemplo disso é a política macroeconômica. Mas em vários outros temas eles podem fazer muito. Falo do combate à corrupção, da diminuição da burocracia, da melhoria da infraestrutura, do aumento da qualidade dos serviços de saúde e de educação. Até mesmo na área do trabalho os prefeitos podem ajudar.
MAIS DEZEMBRO DE 2016
Qualquer semelhança com o que tenho apresentado exaustivamente neste espaço e anteriormente na revista Livre Mercado não é coincidência. Mas tem mais. Vejam a resposta do especialista do Fórum Econômico Mundial sobre a área em que as cidades podem ter um papel mais relevante:
“Sem dúvida é na área de sofisticação do ambiente de negócios e de estímulos à inovação. Esses fatores dependem de um ecossistema e da cooperação entre instituições. Um bom exemplo é o que acontece em Medellín, na Colômbia. Lá foi criado um comitê entre prefeitura, universidade e empresas. Um dos resultados foi a criação de uma rede de apoio a startups. A tecnologia também tem um papel importante como ferramenta para o poder público.”.
Reitero, portanto, a sugestão aos prefeitos eleitos na Província do Grande ABC: chamem um especialista, ouçam-no, contratem-no e faz de conta de que tudo que escrevi ao longo de décadas não influenciou em nada a descoberta da pólvora de que sem competitividade não há futuro. Para que não afirmem que estou a agir como oportunista, o verbete em questão, utilizado pelo especialista do Fórum Econômico Mundial, consta de 730 matérias e análises desta revista digital.
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Para completar, vamos então aos dados comparativos da derrocada econômica de Santo André e o sucesso de Sorocaba. Em 2002, o PIB Industrial de Santo André, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) era 21,24% superior ao de Sorocaba – R$ 2.303.332 bilhões ante R$ 1.813.987 bilhões, em valores nominais, que não consideram a inflação. Já em 2014, Sorocaba consolidou a virada de jogo com superioridade do PIB Industrial de 32,65% sobre Santo André, com R$ 7.984.020 bilhões ante R$ 5.377.274 bilhões -- também em valores nominais de dezembro daquele ano.
Já no PIB Geral dos dois municípios, que leva em conta todas as fontes de produção de riqueza, em 2002, início da pesquisa, Santo André contabilizava vantagem de 22,55% ante Sorocaba, com R$ 8.514.414 bilhões ante R$ 6.594.372 bilhões em valores nominais. Já em 2014, Sorocaba acumulou vantagem de 13,90%, com R$ 32.662.452 bilhões ante R$ 32.662.452 bilhões de Santo André, também em valores nominais.
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O que pesou mesmo na grande virada de Sorocaba foi o setor industrial. O PIB Industrial de Sorocaba representava em 2014 o total de 24,44% do PIB Geral, enquanto em Santo André a proporção era de R$ 19,12%. A tendência é de Santo André sofrer cada vez mais perdas no setor que mais agrega valor ao desenvolvimento econômico. Numa comparação ponta a ponta da produção industrial registrada pelo PIB dos Municípios, de 2002 a 2014, e em valores nominais, Santo André registrou avanço de 133,42%, enquanto Sorocaba cresceu 340,13%. Dá para competir?
MAIS DEZEMBRO DE 2016
Provavelmente no caso entre Santo André e Sorocaba, a consultoria especializada sugerida por este jornalista chegará à conclusão que tanto martelo: nosso modelo industrial já deu o que tinha de dar e para sair do encalacramento em que se meteu será preciso reinventar-se. É aí que mora o perigo para quem não é do ramo -- e é aí que mora a oportunidade para quem entende do riscado.
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