Economia

Quem vai mesmo ocupar o
espaço do Marechal Plaza?

DANIEL LIMA - 13/12/2023

Decidi ontem à tarde desafiar meu corpo e voltar ao passado de repórter incansável que sempre fui. Resolvi ir ao Marechal Plaza Shopping, na rua Marechal de Deodoro, em São Bernardo. O Marechal Shopping, de fato uma galeria, vai ser fechado. Está vivendo os últimos suspiros.  

A partir de janeiro não sobrará um inquilino sequer. O que será daquelas duas dezenas de lojas e daquela gigantesca estrutura de dois pavimentos para estacionamento de veículos? Eis o desafio posto. Quero saber e vou saber o que estaria reservado, mas não me importo se algum repórter cumprir obrigação de repórter e revelar primeiro.  

Certo é que não vou dizer hoje o que acho estratégico para chegar à resposta. Até mesmo porque tenho algumas entrevistas a fazer. Ainda há muita especulação entre lojistas e vizinhança. Falam de tudo sobre o que substituirá o Marechal Plaza. Só não garantem que seria uma versão popular do Bahamas. 

BAHAMAS POPULAR   

Dizem alguns que poderia sim ser o Bahamas Popular do Oscar Maroni, que, todos sabem ou deviam saber, foi interditado pelo então prefeito Gilberto Kassab porque supostamente atrapalharia a vida dos pilotos e colocaria em risco passageiros e tripulantes. O prédio do Bahamas estaria na rota dos aviões que passam raspando nas cabeças de motoristas que trafegam pela Avenida dos Bandeirantes antes de aterrissarem no Aeroporto de Congonhas.  

Essa é a versão oficial da interdição que deu o que falar. Mas há outras versões nada recomendáveis a menores de 80 anos.  

Vamos esquecer aquela casa de entretenimento de luxo. O que se espera para o prédio do Marechal Plaza, até porque o prédio se manterá de pé, é de fato, segundo especulações, um gigantesco empreendimento de varejo popular.  

CHINESES NA PARADA?  

Dizem que chineses dominadores do comércio eletrônico varejista vão desembarcar fisicamente em São Bernardo. A Marechal é um shopping a céu aberto. A correnteza de consumidores ainda impressiona. Mas a concorrência não deixa pedra sobre pedra. Só os bravos resistem. 

É esse o receio dos comerciantes, ou seja, a possível chegada de um competidor de nível internacional. Resta saber até que ponto as informações se confirmarão.  

Ouvi donos de lojas, seguranças, balconistas, vizinhos e tudo o mais. Saí com mais dúvidas do que com certezas. Mas as certezas embora poucas se encaminham à retirada de dúvidas, mesmo que as dúvidas não sejam substituídas por certezas. 

Quero dizer o seguinte: que vem um grupo ou algo semelhante de empreendedor varejista de produtos populares, não restaria dúvida. Dei o exemplo do Bahamas apenas como forma de desclassificar qualquer teoria em contrário, mesmo que supostamente popular.  

A Marechal Deodoro é endereço que preenche os olhos e satisfaz corpos e mentes sem ter qualquer parentesco com o Bahamas. A Marechal é o templo maior de consumo nas ruas da região.  

SÓ QUINQUILHARIAS?  

Há possibilidade muito comentada de se oferecerem minúsculos boxes de tudo que se encontra a preços populares. De agulha a gargantilha. De pilhas a celulares. De anel a dedal. De coador de papel a torrador de bolacha. Essas coisas que a mulherada em geral adora comprar, mesmo sem justificativa alguma. Apenas pelo prazer de gastar. De mulher para mulher.  

Descarta-se a possibilidade de o novo empreendimento concentrar-se exclusivamente num determinado grupo de produtos, mesmo que de preços acessíveis.  

A diversidade seria estratégia elementar. E de simples explicação: com aquela correnteza humana a percorrer a Marechal Deodoro mais de uma dezena de horas por dia, seria desperdício deixar escapar segmentos que têm a cabeça voltada à multiplicidade de ofertas.  

Por si só a Marechal Deodoro, na soma de todas as ofertas, é um shopping que contempla centenas de lojas redundantes e também complementares, quando não distintas, em diferentes balcões populares.  

CONCENTRAÇÃO  

O megaempreendimento que ocuparia o Marechal Plaza teria parentesco com a Rua Marechal Deodoro em forma de concentração de mix dos lojistas separados pela identidade jurídica, mas unidos no conceito de shopping a céu aberto. Trocando em miúdos: não seria necessário percorrer a Marechal Deodoro de ponta a ponta porque o novo empreendimento condensaria a Marechal Deodoro de ponta a ponta no que mais interessar aos consumidores. 

Considera-se tanto essa projeção ao atendimento da demanda espalhada pela Marechal Deodoro que qualquer outra iniciativa dos compradores seria vista como erro imperdoável. Daí ter usado o Bahamas como exemplo extremo de desvio de finalidade. Casas de entretenimento sexual estão espalhadas na região. Aqui no Jardim do Mar, onde moro, não faltam luzes vermelhas.  

Dizem os especialistas que também nesse ramo os chineses deitam e rolam literalmente sobre outras etnias que investem na atividade mais antiga do mundo. E que também os chineses são hábeis comerciantes no campo digital.  

As ofertas de entretenimento das casas de luzes vermelhas são apenas o que na linguagem comercial não passariam de lojas físicas de entregas de produtos ou de escolha de produtos mais selecionados. O que mais impera mesmo são entregas em domicílio ou atendimento no local.  

CATANDO LATA 

Certo mesmo é que o Shopping Plaza já deu o que tinha de dar, embora a bem da verdade não esteja catando lata como se observou inclusive aqui outro dia. Catando lata significaria dizer que a clientela o abandonou e as receitas dos lojistas submergem às despesas.  

Há duas dezenas de lojas ainda abertas, mas os proprietários dos negócios já estão se virando nos trinta. Vários já acertaram pontos próximos para não perderem a freguesia. O restaurante (popular claro) onde se almoça à vontade com R$ 22, num único prato, ou seja, é comer ou comer, já acertou aluguel numa travessa próxima. E já entrega à clientela panfleto de convite ao novo endereço a partir de janeiro.  

Também o proprietário de uma loja de produtos de surf, de marca conhecida na região, já foi a campo para não sentir o golpe. Todos terão de deixar as dependências do Plaza Shopping.  

Não me pergunte sobre questões legais, ou seja, de contratos de locação, porque não tenho as respostas com segurança. Sei que sei que a maioria estava pendurada em contratos frágeis, que entrega à família proprietária do imóvel o destino a qualquer momento. O momento chegou.  

PERIFERIA NA RUA  

Estou puxando pela memória para tentar captar alguma vez que tenha estado no Plaza Shopping. Não consigo registrar presença. Aliás, foi por isso que ontem decidi quebrar a rotina do sofá em que estou metido desde muito tempo e ir às ruas. A Marechal Deodoro é um espetáculo humano. Quem quer conhecer a periferia de São Bernardo perde tempo em se deslocar a um ou a outro bairro. A classe popular está ali ao vivo e em cores. E é uma classe popular que não aprecia muito as vitrines de gosto muitas vezes duvidoso para quem está acostumado a frequentar shopping.  

Os consumidores populares consomem de fato. Todos vão às lojas. Os corredores estavam lotados ontem. Quem é mais antigo naquela serpentina humana diz que este dezembro está melhor do que os outros. Que os outros foram dezembros desanimadores.  

Não sei se os chineses ou coreanos, ou outro empreendedor asiático, estão à espreita nas ruas da Marechal Deodoro para confirmar o que esperam ter acertado em cheio ao arrematar o Marechal Plaza.  

CONCORRENCIA  

Uma de minhas fontes garantiu que só deram o lance irrecusável porque o lance irrecusável estava lastreado em sólidas informações de campo. A Marechal Deodoro de uma decadente São Bernardo segue sendo uma boa alternativa para quem quer multiplicar o capital correndo menos riscos do que num empreendimento de shopping típico de classe média. Não seria este jornalista a duvidar dos especuladores e os informantes dos especuladores, quando não dos observadores atentos. 

Estava esquecendo de outra versão sobre o negócio que viria a ocupar o prédio do Plaza Shopping. Fala-se também que um grande empreendimento da região da Cracolândia, em São Paulo, teria resolvido transferir-se à Marechal Deodoro. Aquela Faixa de Gaza comercial de São Paulo não sinaliza nada que signifique futuro civilizatório e mercantil.   

Seja lá o que for, e o que deverá mesmo ser tem tudo a ver com a identidade consumista da periferia de São Bernardo, a Marechal Deodoro vai se desfazer de duas dezenas de empreendimentos mas deverá ganhar um meganegócio que poderá abalar toda a extensão, porque teria massa econômica para influenciar a massa humana que a frequenta todos os dias.  

O capitalismo e suas facetas de concorrência sempre será melhor que o marasmo estatal. Vou continuar de olhos grudados na movimentação dessas pedras. Afinal, muito mais que uma troca de empreendimento, o que teremos em São Bernardo poderá ser a sinalização de uma mudança radical no conceito de consumo popular. Centros comerciais análogos que se cuidem. 



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