Quem viveu as últimas décadas do século passado, especialmente os anos 1990, jamais poderia imaginar que o novo século agravaria o desastre chamado Fernando Henrique Cardoso. Esta região de quase três milhões de habitantes conseguiu a proeza de piorar o quadro econômico nos 19 anos já contabilizados do PIB, a partir de 2003, quando Lula da Silva assumiu a presidência da República pela primeira vez, após oito anos de dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. Faltam dois PIBs de São Bernardo nas riquezas produzidas na região.
Esta é mais uma análise que faço com objetivo explícito: dar uma cutucada nas instituições fajutas e indolentes que de vez em quando falam em nome da região. E também um objetivo implícito: daqui a pelo menos meio século, quem consultar a história da região encontra à disposição todo o acervo de CapitalSocial. Estamos tratando de uma caçapa mais que cantada que, mesmo assim, sempre provoca calafrios.
Prepare-se, portanto. Você que não é freguês de caderneta deste jornalista, ou mesmo que seja, vai saber em detalhes o que se passou desde que Fernando Henrique Cardoso deixou a presidência. Não se trata de análise inédita, mas há novos números a despertar inquietação. Aproveite esta oferta jornalística de ocasião e de sedimentação porque você não vai encontrar nada parecido na praça. Pior que isso: vai dar de cara com vendedores de ilusão que pensam que produzem jornalismo.
QUEDA RELATIVA DE 77,51%
Essa verdade precisa ser dita sem levar em conta qualquer conveniência pessoal ou profissional. Jornalismo é missão sagrada. Custe o que custar. E está custando caro numa região repleta de bandidos sociais.
Se você sabe o que pensa que seja suficiente sobre as últimas décadas da região, garanto que sabe pouco. Há sempre muitas surpresas desagradáveis ao se tratar de analisar a economia da região. O que se pode esperar de um Arquipélago Cinza, ainda hoje tem mais gente comemorando a separação dos sete município em meados do século passado do que a importância da regionalidade?
O resumo da ópera que será destrinchada é que, se corresse desde 2003 na mesma velocidade do mambembe PIB brasileiro, o ABC Paulista contabilizaria PIB Geral de R$ 267.300.000 bilhões. Como capengou nesse período, com ritmo médio 77,51% inferior ao PIB Nacional, a região contabilizou em 2021 (os mais recentes dados) o total de R$ 150.576.376 bilhões. Uma diferença em valores monetários de dezembro de 2021 de R$ 116.723.624 bilhões. Quer saber quanto é isso: dois PIBs completos de São Bernardo em 2021.
TOMANDO O PULSO
Você não tomou nenhuma bebida alcoólica depois de ler estas primeiras linhas. Essa é uma realidade sacramentada. A tradução mais simples é que a região perde cada vez mais importância econômica no Brasil.
Está-se juntando à falta de representatividade político-partidária. Ou você acha, como alguns acham na loucura do fanatismo ou de interesses inconfessáveis, que Lula da Silva e os petistas da região em Brasília estão preocupados mesmo e para valer com o futuro das sete cidades?
E os deputados federais, que se dizem da região, que, ao lerem estas linhas, vão ficar estupefatos, porque eles só pensam naquilo. No caso, o “naquilo” deste ano são as eleições municipais.
Há várias maneiras de medir o tamanho do PIB Geral da região e também de municípios da região e de outras localidades. No caso dessa comparação entre o desempenho do PIB da região e do Brasil entre 2003 e 2021, tendo 2002, último ano de FHC como marco inicial, basta tomar o pulso do quanto representávamos no início da disputa e quando representamos no fim do caminho provisório.
QUEM PODERIA IMAGINAR?
Em 2002, último ano de Fernando Henrique Cardoso, a participação do PIB da região no PIB Nacional era de 2,97%. Dezenove anos depois caiu para 1,67%. Uma queda relativa de 77,88%. Somos um calhambeque regional quando comparado a um Celta nacional. Seria demais chamar o PIB do Brasil de Ferrari. Estamos como País entre os piores crescimentos médios nos últimos 40 anos. E o ABC Paulista é o fim da picada.
Agravar a herança maldita regional de Fernando Henrique Cardoso não passava pela cabeça de cristão, ateu ou agnóstico algum quando Lula da Silva venceu as eleições presidenciais de 2002. Lulacá, Urgente! não era apelação jornalística. Era desespero social.
FHC deixou a casa macroeconômica nacional arrumada, é verdade, e isso contribuiu para o sucesso dos dois mandatos de Lula da Silva em Brasília (apesar da gastança desenfreada contratar a crise chamada Dilma Rousseff, navegando nas águas abundantes das commodities exportadas aos asiáticos), mas em termos de região, foi um desastre.
PEQUENOS TRUCIDADOS
Ao proteger as montadoras de veículos e colocar o setor de autopeças na guilhotina de concorrência internacional sem proteção alfandegária alguma, FHC provocou até então a maior crise econômica da região. O sindicalismo assistiu a tudo atônito. O mesmo sindicalismo com raízes de conquistas e confrontos a partir do final dos anos 1970 com Lula da Silva à frente dos metalúrgicos de São Bernardo.
O governo de Fernando Henrique Cardoso destruiu as pequenas indústrias familiares que já vinham cambaleantes como alvo inadequado do movimento sindical, que tratou igualmente os desiguais – o capital farto das montadoras e as limitações dos pequenos negócios industriais.
Perdemos um terço do Valor Adicionado durante os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso. Valor Adicionado, indicador parente muito próximo do PIB, foi utilizado como medidor da catástrofe porque o IBGE ainda não propagara sistematicamente o PIB dos Municípios Brasileiros.
O cálculo matemático para chegar à perda monetária do PIB na região quando comparado ao Brasil é o cruzamento do índice de 2002 e 2021 com o PIB de cada um desses anos. Em 2002, o PIB Nacional em termos nominais, ou seja, sem considerar a inflação, registrou R$ 1,32 trilhão, enquanto o PIB Geral da região apontava R$ 39.246.092 bilhões. Faça as contas e você encontrará 2,97% de participação. Já em 2021, o PIB Nacional chegou a R$ 9,0 trilhões, enquanto o PIB da região alcançou R$ 150.576.376 bilhões. Dá 1,67% como resultado.
CUSTO POR MUNICÍPIO
Quem perdeu maior participação relativa (177,45%) no período foi São Caetano, que contava com 0,480% do PIB Nacional e caiu para 0,173% na ponta final do estudo. Santo André e São Bernardo tiveram desempenho semelhante: Santo André caiu 78,17% (de 0,645% para 0,362%) e São Bernardo caiu 79,84% (de 1,160% para 0,645%).
Mauá sofreu menos desgaste no período de 19 anos ao perder 27,27% de participação relativa no PIB Nacional – era 0,294% em 2002 e caiu para 0,231% em 2021. O Polo Petroquímico tem peso decisivo nesse comportamento.
Já Diadema, válvula de escape a muitas empresas que deixaram Santo André e São Bernardo, perdeu 41,46% no mesmo período – era 0,290% e passou para 0,205%. Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não são relevantes: contam com apenas 2% do PIB da região e traço em escala nacional.
A trajetória da participação do PIB da região no PIB Nacional durante os 19 anos deste século teve um contraste petista como marca registrada: cresceu extraordinariamente durante os oito anos de Lula da Silva, entre 2003 e 2010, e caiu vertiginosamente durante os seis anos de Dilma Rousseff. No período complementar de cinco anos já medidos, dois de Michel Temer e três de Jair Bolsonaro, houve estabilidade dos estragos deixados por Dilma Rousseff.
DE FHC A DILMA
Como Lula da Silva pegou uma região arrasada ao assumir a presidência da República, e como os oito anos de dois mandatos foram lubrificados por aumentos sucessivos do PIB Nacional, o índice de participação de 2,97% sofreu menos impacto ao ser reduzido para 2,37% em 2010. Ou seja: mesmo nos melhores momentos deste século, a região não acompanhou a melhora média do PIB Nacional. Mas com Lula da Silva tivemos, à parte poréns e todavias, a recuperação quase integral do último ano do período de FHC.
Já com Dilma Rousseff, que veio em seguida, os 2,37% de participação relativa nacional da região no PIB Nacional deixada por Lula da Silva voltou a cair, agora para 1,79% ao se encerrar a temporada de 2016, quando a titular da presidência da República sofreu impeachment. O atual índice regional (relativo a 2021) de 1,67% está um pouco abaixo da marca de Dilma Rousseff.
MUITO VAREJISMO
A reação da economia da região não foi suficiente, ainda, para empatar o jogo com o fim de feira do governo Dilma Rousseff. É possível que quando surgirem os dados do IBGE do último ano do governo de Jair Bolsonaro, o fundo do poço da ex-presidente seja superado.
O que seria um consolo, mas não resolve o problema de perspectivas para a região. Nosso PIB patina porque não encontramos saídas econômicas e cada vez mais nos especializamos em gestões varejistas.
Principalmente em Santo André, onde é simbólico o fato de a mulher do prefeito Paulinho Serra vencer as eleições parlamentares com quase 200 mil votos (90% dos quais em Santo André) contando com um marketing poderoso: os excluídos sociais que, entre outros indicadores de pobreza e miséria, são atendidos por 125 entidades assistenciais.
Santo André virou Viveiro Assistencial, depois de, até os anos 1970, orgulhar-se do Hino Oficial que tem uma letra que remete a Viveiro Industrial.
Vamos dar continuidade a esta análise numa próxima edição. A derrocada regional quando contraposta ao PIB Nacional é coisa ruinosamente nossa.
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