Sociedade

Carta Aberta ao prefeito:
pare de me atrapalhar!

DANIEL LIMA - 09/04/2024

Senhor prefeito Paulinho Serra: esta é uma Carta Aberta que sou obrigado a lhe enviar. É um desabafo público. Não tenho saída. O senhor está me atrapalhando pra cacete. Ops!!! Cacete não é uma palavra que uso na informalidade, quanto mais na formalidade profissional. Só o faço por instinto de sobrevivência e acreditando em sup0sta autorização, ou direito autoral específico. Afinal, foi assim, com essa palavra para muitos pecaminosa, de fuleiro, que o senhor deu uma dura para valer no seu desafeto, o vice-prefeito Luiz Zacarias, no encontro com o governador do Estado.

Vou me concentrar no vocábulo pouco educado, por assim dizer, embora tenha tido a impressão de que não foi exatamente a palavra disseminada nas redes sociais que o senhor proferiu ao se rebelar contra o Zacarias.

Não sou especialista em fonética, em gados, em equinos, em muita coisa, mas me pareceu que a palavra pronunciada fora outra. Mas vamos deixar isso para lá. As duas palavras significam a mesma coisa,  embora uma seja outra coisa no sentido da jurisprudência ética. Acho que o senhor entendeu o que quis dizer. Cacete é uma coisa. Outra coisa é mais que cacete. Com a devida licença da plateia, não há outra maneira de explicar aquelas cenas.

EM REDE MUNDIAL

Então, se o senhor pode usar cacete em rede mundial de comunicação, falando como o senhor falou, por que então não posso tomar-lhe emprestada a palavra num sentido diferente, sem a agressividade original. Mais que isso: num sentido coloquial como agora o faço?

O senhor sabe que, ao dirigir-se ao Zaca, como o senhor chama o vice-prefeito escolhido em duas eleições vitoriosas, seu olhar furioso e a língua ferina não deixaram dúvida de que não existia coloquialismo nenhum. No meu caso, prefeito, pode acreditar: há amistosidade companheira de quem sabe que não é apenas um tiro na cara que dói.

Outras coisas aparentemente banais às vezes doem quase tanto, aviltam quase tanto. Um olhar como o seu olhar ao Zaca, aquele olhar não é olhar para se desdenhar. Acompanhado daquela palavra que pode ser outra palavra, fica pior ainda.

CACETE E TROCADALHO

O senhor me provocou arrepios naquela gravação do cacete. Gravação do cacete, me perdoe prefeito, é força de expressão. Um trocadalho, se quer saber. Trocadalho é eufemismo ou neologismo, sei lá,  que há muito deveria estar no léxico, garantido por filólogos mais atentos.

Trocadalho é a condensação de duas palavras em estado de hibridismo decorrente de uma expressão popular. Quem é do ramo da malandragem de trocadilhos sabe o que significa trocadalho.  Dizer trocadalho significa algo parecido com o cacete que saiu de sua boca. Literalmente. Não é necessariamente a criminalização do verbete. É apenas um novo verbete saído da zona do meretrício do português falado por brasileiros.

Dito isso, ou escrito isso, vamos aos fatos? Por favor, pelo amor de Deus, me dê um tempo para que  possa destrinchar várias pautas importantes que estão esperando na fila para saltarem a estas páginas.

Pare com as patacoadas que o senhor e sua turma não cansam de promover. E sempre contra o vice-prefeito. Tudo porque O Zaquinha resolveu se escafeder e concorrer à sucessão. Ele tem o direito de não gostar da decisão que o senhor tomou, de jogá-lo à areia movediça  dos desesperançosos.

NOME BATISMAL

O nome do homem é Zacarias, nome de batismo,  prefeito. Já as trapalhadas dos trapalhões que remetem a Zacarias são genuinamente suas e de sua turma. É irresistível a associação imagética e identitária daquele trupe do cacete. Opss!!, escapou de novo.

Quer ouvir um conselho, prefeito? Quer mesmo? Gostaria que o senhor quisesse, porque advogo em causa própria. Quero paz para escrever sobre outros assuntos que não sejam a série de bobagens que têm o Zacarias como alvo. O homem incomoda tanto assim?

O senhor sente que o segundo turno já está no horizonte após dar um chute nos fundilhos do Zacarias? Essa alternativa, a alternativa do segundo turno, parecia uma falácia até então. Algo impossível. Agora parece ter fôlego até mesmo para bombar num possível segundo turno. Olha a botafogada aí, gente.

Se o senhor, cá entre nós e sinceramente, desconfia que a vaca possa ir para o brejo além de supostamente ter de aceitar que o segundo turno já está contratado, se o senhor desconfia disso e de muito mais, por gentileza, deixe o Zaca em paz. Os tiros desferidos estão saindo pela culatra. E me deixe em paz, também. Pare com as barbeiragens públicas fluviais. Cada dia é no mínimo um novo ataque ao Zacarias. Parece até que Santo André virou uma Faixa de Gaza política.

PAUTAS DIVERSAS

Um secretário robusto cochichado para que o Zaca não saia na foto da abertura da Feira da Fraternidade. Um corte de energia elétrica na Câmara Municipal para que os empresários associados da Acisa não vissem o Zacarias que os convidou à festa. O cacete de ontem na festa com o governador. E outros incidentes que, contam, não param de ocorrer, embora não ganhem registros fotográficos ou em vídeos. Isso é demais, não é prefeito?

Se contar para o senhor, prefeito, quantos assuntos estão no meu caderninho de anotações à espera de ganhar forma de análises, o senhor não vai acreditar. Cada dia a fila de espera aumenta. O que posso fazer se as eleições de outubro me tomam todo o tempo e o senhor, com sua turma de inconformados, não dá sossego? É o tal de Zacarias daqui, tal de  Zacarias dali, e o resto vira resto.

Sabe, senhor prefeito, estou para escrever uma análise sobre a classe média precária de São Caetano e a classe média precária de Diadema neste século, em termos de comportamento do PIB de Consumo, mas não dou conta. Sabia que as duas cidades apresentam dados semelhantes. Como assim? É isso que estou dizendo: a rica São Caetano e a complicada Diadema têm participação semelhante neste século em matéria de crescimento da classe média precária, aquele contingente que vive entre a miséria e a pobreza e o sonho de virar classe média. Sabe disso, prefeito?

MANDAMENTOS SAGRADOS

Tem muito mais para escrever, prefeito. E o senhor e sua turma não me deixam em paz. Criem um gabinete de crise, prefeito. Contrate gente que entenda do riscado. Primeiro mandamento: parar de dar vexame público. Segundo mandamento: parar de dar vexame público sob as lentes de fotógrafos e cinegrafistas. Terceiro mandamento: se der vexame público sob olhares eletrônicos (os olhares humanos pouco importam, porque não servem como testemunhos que ganhariam milhares de visualizações na Internet), que tratem de apertar o processo de precauções e de independência crítica do gabinete de crise para que a desgraça não volte a ocorrer.

Dê cacete nos caras, prefeito. Mas antes, trate de dar exemplo: dê o cacete no senhor mesmo. Pague uma centena de flexões, como nos tempos de Tiro de Guerra, que eu fiz e o senhor deve ter feito.

Não queria enviar essa Carta Aberta ao senhor. Aliás, nem pretendia redigir o que chamaria de desabafo, mas o senhor e sua turma não colaboram. Vou dizer mais: as últimas patetices o colocaram numa saia justa de imagem e de reputação. Esses atributos foram cultivados contando com a ajuda da mídia servil, o senhor sabe disso. Exageram na dose. Tornaram-no  prefeito-perfeito, o que jamais existiria na face da terra. Isso é coisa apenas para o Poderoso, lá em cima.

ZACA OU ZACARIAS?

De repente, numa cacetada de dias, o senhor entra num redemoinho de complicações tendo sempre como ponto em comum o Zacarias. O Zaca, como o senhor o chama. Ou chamava? Pelo olhar em paralelo com a frase contundente na festa com o governador, acho que o senhor não fala nem Zaca nem Zacarias mais.

Traidor não fica bem, como insinuaram, porque não dá para ajustar o adjetivo à história de sete anos de fidelidade, cumplicidades e expectativa de apoio eleitoral. Zacarias, ou Zaca, vem apanhando pra cacete mesmo, inclusive nas páginas de jornal, mas isso o torna vítima a cada dia que passa.

O senhor sabe que a distância entre vítima e reviravolta é só questão de tempo.

Com as redes sociais democratizando tudo, é melhor se precaver. Zaca é o homem humilde na leitura das massas. O senhor é o filhinho do papai, também na leitura das massas. E dos bem-aquinhoados materialmente.

Insisto na necessidade de o senhor me deixar em paz. Preciso começar a desentocar as pautas que me assolam. Sabe que tenho uma novidade sobre meu biógrafo, que havia sumido e parecia tudo muito claro que desistira da iniciativa? Não é que há quase dois meses ele reapareceu, me mandou uma carta, disse algumas coisas, e eu, veja só prefeito, não trouxe essa novidade ao público que me lê?

PARECE MALDIÇÃO

Parece uma maldição esse adiamento sem fim da novidade que pretendo escrever sobre meu biógrafo maluco. Sempre aparece alguma pauta de última hora. No seu caso, a pauta intrometida é de toda hora. Basta um piscar de olhos e o Zacarias aparece na tela de meu computador de mesa ou no celular.

Reconheço que o Zacarias em debandada e a turma que agora o apoia estão deixando o senhor maluco. Sei que sei que o Paço Municipal virou um inferno. Sei que sei que o senhor não pode nem imaginar ler nestas páginas algo que faça alguma menção à botafogada, como ilustro metaforicamente a possibilidade de sua turma ser desalojada do Paço depois de acenar com uma vitória fragorosa no primeiro turno.

Sei de tudo isso, prefeito, mas o senhor não pode continuar incidindo nos mesmos erros todos os dias, todas as horas. Tire o Zacarias da frente, prefeito. Sim, o Zacarias tapa-lhe os olhos, a imaginação e a cognição. A gravidade da dissidência tornou o senhor e sua turma muito sensíveis à presença do Zaca em qualquer evento. Parece que vocês ficam baratinados.

Nem mesmo a dona da casa, da sua casa, a dona Carolina, escapa do atordoamento geral. Onde já se viu ela cochichar ao ouvido de um secretário para dar uma peitada no Zaca na outra ponta do pelotão de autoridades na  Feira da Fraternidade? Pegou mal, prefeito. A Dona Carolina pareceu sempre muito meiga, muito atenciosa.

ESQUEÇA O HOMEM

Acho que quem decide mandar fazer o que foi feito, ou seja, aquela abalroada no pobre Zaca, talvez da próxima vez resolva fazer pessoalmente. Vai pegar mal. Até viram, num outro lance, na vinda do governador, que a dona da casa se interpôs entre o convidado especial e, de novo, o Zacarias. Não vi assim. Não houve dolo. Foi um quase acidente logístico. Dois corpos sólidos não ocupam o mesmo espaço. Menos quando o corpanzil sólido é enviado para tanto. Parece também ter sido o caso do grandalhão que apareceu entre o Zacarias e o governador para fazer uma self. Tenho a impressão que a coisa foi mandada. Dona Carolina não tem culpa nesse cartório.

Quero encerrar essa Carta Aberta dizendo ao senhor prefeito que, fosse seu conselheiro, como o senhor insistiu que fosse, e não fui e nem sou porque devo ser um babaca que não enxerga o óbvio, acho que nada disso estaria ocorrendo.

Como não pude imaginar que teria uma função nobre como seu assessor direto? Teria sugerido, ou imposto como condição de assessoramento, que o senhor não deixasse de tomar um tranquilizante diante de eventuais dores de cabeça mais graves.

No caso, o Zacarias virou uma síndrome. Ou o senhor mata o Zacarias que existe dentro do senhor ou o Zacarias vai deixá-lo ainda mais possesso. Cacete!



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