Administração Pública

MARCELO GENIAL OU
MARCELO FALASTRÃO?

DANIEL LIMA - 10/02/2025

Até prova em contrário, o prefeito Marcelo Lima produziu ontem um anúncio típico de fake news para dizer num palanque popular que pretende zerar os impostos municipais para a Volkswagen do Brasil criar o terceiro turno de trabalho na fábrica em São Bernardo. A ideia lançada assim, com essa simplicidade, parece mágica, embora não seja original.

Disse também que espera contribuições semelhantes do governo do Estado e do governo federal. Nesse ponto, não em termos de zerar, mas de abrandar, também não é novidade.

Não há noticiário que dê respaldo a eventual concorrência de produção gerada pela Volkswagen do Brasil que teria motivado Marcelo Lima a fazer a proposta.

A Volkswagen não programa terceiro turno em qualquer de suas fábricas. Estaria tudo ajustado. E se o fizesse, provavelmente teria razões de sobra para não escolher São Bernardo. Só quem ignora o Custo ABC, que vai muito além de impostos locais, estaduais e federais, acredita que esse seria o limitador a investimentos produtivos. Seria ótimo se o fosse. Mas pesa muito o que chamaria de ambiente produtivo.

QUESITOS ESCLARECEDORES

Não precisei de mais de 60 minutos para escrever essa breve análise, tendo como base o noticiário fastfoodiano do Diário do Grande ABC e também as declarações de viva-voz do prefeito da Capital Econômica da região ao site ABC em OFF.

Marcelo Lima é, com sobras, na região, o prefeito dos prefeitos que mais se manifesta nas publicações tradicionais e nas redes sociais. Marcelo Lima é portador de dinamismo impressionante. Parece estar em plena campanha eleitoral. Isso é um elogio. O que não é elogio? Um certo excesso de voluntarismo. Caso, inclusive, do anúncio em questão.

Fiz breve exposição de 10 quesitos que colocam as declarações de Marcelo Lima entre os dois polos críticos da manchetíssima de hoje. Seria Marcelo Lima genial ou seria Marcelo Lima falastrão?

Seja o que for, o fato que parece evidente e saudável é que, apesar dos pesares, Marcelo Lima retirou do quarto de despejo do esquecimento uma peça preciosíssima da cidadania: a complicadíssima situação econômica do Grande ABC.

MAIS ECONOMIA

Seria ótimo para todos que moram na região que a cada dia que passasse uma novidade mesmo que eventualmente bizarra, quando não inconsistente, quando não até mesmo vexatória, ganhasse as manchetes da mídia e as redes sociais. Colocar a economia na plataforma de grande pauta de inquietação regional seria uma dádiva, desde que, claro, aberrações não fossem tratadas como salvação da lavoura da longeva e persistente desindustrialização seguida de empobrecimento.

Pode parecer estranho, mas esse é o ponto central da Economia do Grande ABC: falem besteiras, falem genialidades, mas falem da Economia do Grande ABC. Isso é bem melhor que  encher o noticiário de politicagens provincianas, essas coisas que  leitor mesmo pouco  apetrechado sabe que se trata de propagandismo oficial disfarçado de informação.

Portanto, para encurtar a história, vamos às 10 questões centrais que se desdobram das declarações de Marcelo Lima. Esse tema ainda terá desdobramentos editoriais aqui. 

PRIMEIRA – A temática lançada pelo prefeito é tão próxima do campo do desespero social em São Bernardo ( endereço mais duramente impactado por dois desastres continuados, os dois anos finais de Dilma Rousseff e a pandemia), que mereceria  atenção formal, programada para inaugurar o placar de preocupação desenvolvimentista. O que isso significa? Que São Bernardo poderia ter aberto o placar de um grito de reação pública mais que esperada, necessária, para lançar-se numa proposta de mudança do ambiente laboral. Triturando ainda mais o conceito: São Bernardo requer programa público que sinalize o sofrimento da população provocado por rescaldos macroeconômicos e microeconômicos que a colocam há muito tempo entre os endereços mais tóxicos do País.

SEGUNDA – Dirigir-se ao público em evento popular para tratar de assunto tão complexo, e ainda mais desprovido de informações, de detalhes técnicos, algo que introduzisse a questão longe do populismo que parece evidente, é colocar sob suspeição a importância da pauta em questão. Talvez o marqueteiro do prefeito ou o próprio prefeito de São Bernardo tenha tanta sede por manchetes que, salvo novas informações, lançou-se a uma empreitada relevante como se vendesse pastel em feira-livre. A pauta nobre virou carne de vaca em meio a espectadores que não contam com capacidade e força motivacional para permitir novos saltos em direção a resoluções no mercado de trabalho.

TERCEIRA – A medida anunciada poderia suscitar variáveis às quais o titular do Paço Municipal jamais descartaria. A centralidade da medida na fábrica da Volkswagen, qualquer que tenha sido o objetivo, de nobreza ao patético, poderia inspirar outras propostas às indústrias da cidade, sempre obedecendo rigores constitucionais e infraconstitucionais. Principalmente se fossem geradores de emprego nas pequenas e médias indústrias. Há cardápio potencial que poderia ser vasto e que iria muito além de redução do IPTU e mesmo de ISS como premiação à abertura de vagas de trabalho.

QUARTA – O anúncio do prefeito de São Bernardo perde credibilidade executiva, independentemente de quaisquer outras pendências institucionais, na medida em que a Secretaria de Desenvolvimento Econômico anunciada no começo da primeira temporada como titular do Paço Municipal é praticamente desconhecida, conta com um neófito como titular e nada, absolutamente nada, foi anunciado oficialmente como projeto de atuação. O secretário Rafael Demarchi concedeu apenas uma entrevista à mídia regional desde que assumiu o cargo. E o que tivemos foi um desastre. Um analfabetismo econômico crônico. Demarchi vive em outro planeta. São Bernardo e o Grande ABC, para ele, são territórios abençoados eternamente por Deus porque teriam infraestrutura física e logística incomparáveis. O Rodoanel Mario Covas seria uma dádiva. Os dados estatísticos e a realidade cotidiana o colocam no acostamento da alienação.

QUINTA – Como a iniciativa do prefeito Marcelo Lima tem todas as características de afoiteza, quando não de apressamento, é natural que crie constrangimentos nos pares públicos. Tanto o governo estadual como o governo federal estão envolvidos no anúncio atabalhoado de Marcelo Lima. Afinal, a carga tributária municipal (IPTU e ISS) não seria suficiente para influenciar no placar de eventual mudança de rota de investimentos da montadora de veículos mais antigas da cidade. Seria preciso mexer no tabuleiro da baiana de impostos estaduais e federais, mas de forma harmônica, consensual, não unilateral na proposta levada ao público. Uma mexida nada burocrática, porque implica num jogo de xadrez de pesos relativos de atividades econômicas que correm na mesma raia de competitividade empresarial.  Beneficiar a Volkswagen isoladamente poderia distorcer a concorrência e os fornecedores no sentido de custos operacionais e de preços de mercado.

SEXTA – Não se pode esquecer que a Lei de Responsabilidade Fiscal, mesmo com fissuras, precisa ser respeitada para não criar embaraços aos agentes públicos. Eliminar impostos municipais, estaduais e federais sem as respectivas compensações não consta da flexibilidade da legislação herdada do governo Fernando Henrique Cardoso. O prefeito Marcelo Lima não transmitiu aos populares nada que motivasse a certeza de que estaria respaldado pela legislação. Seria diferente a interpretação da notícia aos populares se condicionasse a empreitada ao ajustamento fiscal legal. Não o fez porque provavelmente não pretendia apagar o fogo do entusiasmo de quem o ouvia.

SÉTIMA – Tudo indica, pelo noticiário já conhecido, que a inspiração fiscal do prefeito Marcelo Lima não tem fundamentação fática. Teria sido apenas um jogo de cena do prefeito, utilizando um dos maiores símbolos corporativos de São Bernardo como boi de piranha reestruturante. O noticiário dá conta que a multinacional não tem planos de terceiro turno em nenhuma de suas fábricas. Mais que isso, dedutível dessa informação: não seria São Bernardo,  unidade produtiva distante do grau de eficiência das demais unidades, a ser contemplada com adicional de produção, sobretudo num ambiente econômico nacional em que surgem nuvens espessas a denunciar que os custos inflacionários e os dispêndios fiscais federais rebaixarão o nível de consumo incrementado principalmente no ano passado. Em suma: não haveria um horizonte enunciador de terceiro turno. A estrutura de custos fixos que essa iniciativa demandaria exige estudos cuidadosos num horizonte mais extenso como âncora definidora.   

OITAVA – Na medida em que o prefeito Marcelo Lima possibilitar a interpretação de que as declarações de ontem frequentarão o fértil terreno da especulação, da bravata, da improvisação, mais se cristalizaria a sensação de desconforto. Teríamos, afinal, à frente da  Capital Econômica do Grande ABC,  um gestor mais preocupado com o marketing midiático? Rastrear os passivos de décadas de desindustrialização e encontrar algumas saídas ou mesmo tentativas de saídas que impulsionem a confiança geral estariam ou não estariam no foco do prefeito? Por outro lado, a alternativa exatamente oposta, de que Marcelo Lima lançou as estacas de uma iniciativa que poderia expandir ao Grande ABC como um todo o colocaria como a principal liderança na nova turma de prefeitos da região. Para tanto, a engenharia seria complexa do ponto de vista cooperativo, ao invés de concorrencial. 

NONA – Duvida-se que Marcelo Lima não tenha medido o tamanho da repercussão da iniciativa. Nesse caso, e também em outros que já revelaram as digitais públicas do prefeito, possivelmente o que teria pesado mais nestes tempos em que fatos, viabilidades e concretudes ficam para terceiro plano, seria mesmo a audiência menos rigorosa em distinguir o que está ao alcance da viabilidade e o que, da forma com que se apresentou, não passa mesmo de instrumento de marketing populista. Utilizar as redes sociais para propagar iniciativas inusitadas ou sem respaldo técnico, virou febre entre gestores públicos no País. Como se, vejam só, não bastasse a negligência das mídias tradicionais que, em geral, perderam a  competência de filtrar as informações. Ou seja: cedem espaços generosos a propagandismo disfarçado de jornalismo.

DÉCIMA – Até que ponto um rearranjo fiscal levado a cabo pelo prefeito de São Bernardo não provocaria complicações internas no Grande ABC, área na qual Marcelo Lima exerce o cargo de prefeito dos prefeitos do Clube dos Prefeitos? Será que a iniciativa não provocaria desequilíbrio empresarial interno e até mesmo na realocação de investimentos?  Guerra fiscal interna por conta de IPTU e outros penduricalhos não é novidade, numa disputa autofágica.  O ISS zerado, conforme desejo do prefeito, não afetaria em conjunto as relações empresariais que atenderiam à Volkswagen em distintos territórios municipais, mas, de qualquer forma, discricionaria empresas de outros setores e segmentos sem os mesmos tratados em atividades diferentes. Por que, por exemplo, o setor químico de São Bernardo deixaria de ser atendido pela vasta conexão de fornecedores de produtos e serviços da região? Viram que a pergunta tem algum fundamento igualitário? Quando o Estado, em qualquer formato de governo, mete os pés pelas mãos de interferir no mercado, as consequências são sempre danosas. 



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