Praticamente dois meses depois de tomarem posse, o prefeito de São Bernardo e o prefeito de São Caetano vivem situações distintas no Consórcio da Mídia do Grande ABC. Marcelo Lima é festejado todos os dias. Tite Campanella é assediado dia sim e dia seguinte também.
Tanto Tite quanto Marcelo estão metidos numa conjuntura político-administrativa em que a regionalidade é redescoberta por razões que expliquei ontem. Marcelo Lima tem todas as razões políticas para colocar o Clube dos Prefeitos como prioridade. Tite Campanella sabe que o Clube dos Prefeitos é um presente espiritual de grego que querem lhe impor.
Marcelo Lima tem feito do Clube dos Prefeitos um cartão de visitas de regionalidade que ainda não convence, até porque é um pastel de vento.
Tite Campanella tem feito do Clube dos Prefeitos um desafio mental de resiliência diante da avalanche de galanteios dos pares e da mídia que, espertamente, nem de leve menciona os aspectos ancestrais, por assim dizer, que o destino pregou ao titular do Palácio da Cerâmica.
Por enquanto, Tite Campanella resiste bravamente. Mas há indicativos de que cederá à compulsoriedade de se livrar politicamente de um problema integrar-se ao Clube dos Prefeitos.
Marcelo Lima mergulhou nas águas da regionalidade com sofreguidão e desajeitamentos. Mal sabe do que se trata e ainda não teve a humildade de recorrer a especialistas que sabem do que se trata.
LIÇÕES DE CELSO DANIEL
Celso Daniel, mentor e executor da regionalidade do Grande ABC no campo governamental, político e administrativo, mantinha constantes diálogos com parceiros da gestão pública em diferentes esferas de poder, da academia, do empresariado e também da mídia qualificada. Não vivia numa bolha. Tampouco fez do Clube dos Prefeitos e da Agência de Desenvolvimento Econômico puxadinhos partidários ou doutrinários no sentido ideológico do Executivo.
Tite Campanella vem dando lições de maturidade emocional ao não ceder à regionalidade pré-formatada e muito aquém do necessário. Ceder no caso é aceitar as regras não escritas mas impositivas de um jogo que só admite a concordância de juntar-se aos demais prefeitos, sob pena de, quem sabe, sofrer consequências dispensáveis de detalhamentos.
Marcelo Lima vem decepcionando porque, paradoxalmente, ao mesmo tempo em que dá ênfase da boca para fora à regionalidade, tem se comportado como biruta de aeroporto ao desprezar mecanismos elementares de conjugação de medidas iniciais que dariam impulso às pregações de unificação regional restrita no tempo com Celso Daniel desde o processo de separação dos municípios. Celso Daniel teve a coragem de reconhecer os sete mares revoltos em que se transformou a antiga Santo André da Borda do Campo.
DOIS POLOS DESTACADOS
O Consórcio de Mídia do Grande ABC não existe formalmente, mas tem algumas características que permitem dizer que se trata mesmo de alinhamento automático a preceitos de sobrevivência econômica no ambiente de atomização de veículos de comunicação no mundo inteiro.
Tanto é verdade que no interior desse Consórcio de Mídias há vários endereços que se mostram especializados em assessoria de imprensa dos prefeitos de plantão. Faz parte do jogo. Negar que existe o jogo é um atentado à inteligência interpretativa.
E esse Consórcio de Mídias do Grande ABC, com algumas discordâncias circunstanciais por conta de especificidades locais, segue a trilha da chamada reunificação do Clube dos Prefeitos. No que faz muito bem, independentemente do conjunto da obra de endeusamento permanente de vários atores do jogo político regional.
A glorificação da presidência de Marcelo Lima é um dos pontos cardeais do noticiário. A volta de São Caetano está não só na embalagem da regionalidade, mas também no produto vendido como salvador da pátria. Tudo gira em torno dessas duas vertentes que têm como síntese estratégica a proclamação de um Grande ABC homogêneo e pronto a empreitadas robustas nas esferas estadual e federal.
UMA COISA E OUTRA COISA
É claro que falta combinar com os cofres públicos do governo paulista e do governo federal para levar adiante o plano de investimentos. Não há nada de errado em procurar transmitir a certeza da unicidade regional, faz parte do jogo e deve fazer mesmo, porque a derrocada regional no campo econômico é inegável.
O que se deve evitar é vender ilusões e transformar alguns sucessos pontuais aqui e acolá em peças de consagração estrutural do grupo de prefeitos. Se em três décadas e meia o ativo do Clube dos Prefeitos é tão pífio quanto enganador, não se pode acreditar que num passe de mágica a coleção de sucessos subverterá a lógica que tem como premissa o esfacelamento fiscal do Estado nacional nas três esferas.
Não quero misturar as ações já detectadas envolvendo os dois prefeitos em questão no campo exclusivamente doméstico, de prefeitos municipais, do campo regional, de prefeitos regionais. Sim, há essa distinção a ser considerada sempre, porque uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
Tite Campanella prefeito de São Caetano, Marcelo Lima prefeito de São Bernardo são uma coisa. Já no interior do Clube dos Prefeitos são outra coisa.
MARCELO SEDUTOR
A resistência de Tite Campanella em se juntar aos demais prefeitos é impressionante. Diplomático, tem mantido diálogos principalmente com o prefeito dos prefeitos Marcelo Lima. E olha que resistir a Marcelo Lima não é fácil. Já é possível concluir, a título de perfil e em menos de seis meses, juntando-se a campanha eleitoral e os quase dois meses de mandato, que o prefeito de São Bernardo seria o vendedor do ano em qualquer corporação comercial. Mesmo na política, com maior margem de manobras subjetivas, dá show de interpretação.
Marcelo Lima é extremamente sedutor. Seus olhos brilham como poucos. Exatamente por isso talvez fosse aconselhável que começasse a apresentar resultados à frente do Clube dos Prefeitos. Nada foi oferecido até agora que sinalize qualquer coisa que não seja improvisação, quando não omissão, além da obsessão por ter Tite Campanella na turma.
Se é verdade que não se deve misturar uma coisa com a outra coisa, no caso o cargo de prefeito municipal e de prefeito regional, também é conclusivo dizer que não se pode ignorar o quanto uma coisa tem a ver com outra coisa na modalidade comportamental básica e na repercussão no conjunto da obra individual e coletiva.
MUITA COMPLEXIDADE
O Marcelo Lima que se tem visto no Clube dos Prefeitos (ou o Marcelo Lima que não se tem visto, porque nada até agora foi levado a cabo) poderia repetir, quando começar a apresentar resultados, o mesmo diapasão contraditório, dispersivo e ebulitivo do Marcelo Lima prefeito de São Bernardo.
Aliás, como era de se esperar, porque é uma tradição dos prefeitos municipais, a atuação como prefeito regional está relegada a segundo plano no campo prático. Como prefeito municipal Marcelo Lima tem sido um turbilhão de decisões, promessas, ações. Já está mais que evidenciada uma volúpia tão intensa quanto ambiciosa. Resta saber se, mesmo com o contraste entre o prefeito municipal e o prefeito regional não estaria uma lógica submersa de dispersão e baixa resolução. O tempo vai esclarecer a situação.
Se você está encontrando alguma dificuldade para compreender estas linhas certamente não está flertando com alguma casa de manicômio. A política e a institucionalidade do Grande ABC são isso mesmo, ou seja, uma obra de retalhos em forma de mosaico cujas peças geralmente não se encaixam.
O encaixe de Tite Campanella na partitura político-administrativa do Clube dos Prefeitos é de complexidade que não pode ser subestimada. Ouso dizer que essa novela vai terminar e dar luz a novos tempos com o fim do assédio a Tite Campanella.
MELHOR ENDEREÇO
Ou seja: o prefeito de São Caetano encontrará suporte inclusive metafísico para deixar num compartimento memorial saudável à participação efetiva numa entidade que representa a tentativa de dar ao Grande ABC o que o Grande ABC descartou no século passado com o separatismo da Santo André da Borda do Campo.
Anacleto Campanella, pai do prefeito, foi um dos líderes da conquista da territorialidade exclusiva de São Caetano, desmembrando-se de Santo André. Já escrevi muito sobre o movimento emancipacionista tendo o vetor econômico como centro crítico anti-separação. O Clube dos Prefeitos está aí para comprovar o erro. E São Caetano, em contraste, para provar o acerto dos emancipacionistas, quando se observa o Grande ABC pelo olho da fechadura dos sete municípios separados.
Afinal, trata-se do único endereço que deu certo desde o separatismo. Os indicadores econômicos e sociais, por mais que os primeiros tenham sofrido duros reveses principalmente neste século, provam que os libertadores municipais tinham razões municipais para fazerem o que fizeram.
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17/02/2025 RACIONALIDADE AO INVÉS DE GASTANÇA