De vez em quando me sinto na obrigação de procurar reproduzir com o máximo de precisão analítica o que se passa no Grande ABC do momento. Levo sempre em conta um tripé indispensável à empreitada: o ambiente político, o ambiente institucional e o ambiente social. O desequilíbrio entre as partes, coloca a Dominância Política a léguas de distância das demais. O Grande ABC de mandachuvas quer ser a Barueri de duas famílias que controlam o poder político e econômico há mais de 30 anos. Esse é o sonho dourado que tem Santo André como base de controle estratégico e São Bernardo como suporte econômico.
A diferença básica é que Barueri é apenas uma cidade, e uma cidade com estratégia econômica que deu certo. Tornou-se neste século muito mais rica que qualquer endereço da região. Barueri é um case de sucesso. Fez de empresas de tecnologia o portal à mobilidade social.
Barueri é velha conhecida deste jornalista. Escrevi dezenas de análises sobre a influência do Rodoanel Mário Covas nas cidades do outro lado da Região Metropolitana de São Paulo.
AMBIENTE PROPÍCIO
A sociedade regional, desorganizada e servil, está de quatro no sentido pornográfico e metafórico diante das forças políticas cada vez mais concentradas no mesmo recipiente de exclusividades que não correm na mesma raia desenvolvimentista. Os mandachuvas da região miram a Barueri política. Dá muito trabalho e exige-se muito desprendimento cuidar da Economia em frangalhos.
A vaselinagem em termos de rebuscamento da estratégia político-eleitoral não é novidade eno Grande ABC para quem tem olhos e ouvidos atentos. As instituições privadas e sociais estão igualmente abatidas, até porque raramente se estruturaram coletivamente. São presas fáceis, quando não interesseiras, da Dominância Política.
ORQUESTRAÇÃO OPERACIONAL
Há uma orquestração mais que abusiva em torno de alguns objetivos que têm como premissa o controle monolítico da agenda política do grupo organizado em torno dos eleitos a desempenharem os respectivos papeis.
É um bloco que envolve políticos inexperientes, políticos experientes, empresários da mídia, empresários do setor imobiliário, empresários de outros setores igualmente próximos e protegidos por administradores públicos. É um grupo seletivo, portanto. Todos estão no mesmo barco, que navega em águas plácidas de um projeto abusivo numa região em mar econômico revolto. Me contive para não fazer uso de outra expressão pouco elegante. Não seria mesmo apropriado dizer que estamos acompanhando uma suruba de oportunistas.
Com esse grupo seletivo, o restante do Grande ABC fica a ver navios. Todos estão fora do baile porque ao baile pouco apetrechados são. Até porque, como a região já não tem as riquezas de antes, e o filão precisa ser partido e repartido entre poucos. Ou seja: o que prevalece mesmo é um grupelho, por assim dizer.
Esse grupelho que ainda não enxergou o óbvio do futuro em forma de Desenvolvimento Econômico tem artimanhas, métodos, premissas e simbolismo que o colocam cada vez mais em posições soberanas. Caminham numa estrada estreita e impeditiva à mão dupla. Todos seguem impositivamente na mesma direção. Uma direção ao cadafalso regional.
Estamos vivendo tempos mais visíveis de uma espécie de Baruerização caricatural da política no Grande ABC. Baruerização caricatural é expressão que encontrei neste exato momento para explicar com mais facilidades tudo que se passa em fase que já ultrapassou o período embrionário. Baruerização caricatural é dividir de araque o poder por comandos políticos que de fato são apenas um. Os adversários e os interesses coletivos de verdade que se danem.
CIDADE FATIADA
A cidade de Barueri, aqui na Grande São Paulo, foi fatiada entre duas famílias que se revezam no poder. São uma espécie de dinastia de dupla face. Outras localidades brasileiras também se assemelham ao figurino político-partidário de Barueri. Em muitos casos há diferença fundamental. O revezamento no poder não é um jogo de cartas combinadas. Trata-se mesmo de rivalidade, de medição de força autêntica, de competitividade.
O caso político-partidário de Barueri, mas de forma artificializada, parece ser o exemplo a ser copiado no Grande ABC como um todo. Não interessa a cor da vela partidária, porque não tem choro mesmo. O ecumenismo é o amálgama das ações, com algumas exceções que ainda resistem.
Uma dessas exceções é o PT em Diadema e da oposição ao PT em Mauá. No caso do PT de São Bernardo, desmilinguido desde a destruição provocada por Dilma Rousseff, já há encontro das águas de bastidores envolvendo o prefeito Marcelo Lima e o deputado estadual Luiz Fernando Teixeira. Não se surpreendam se nas próximas eleições correrem na mesma raia. Como correram informalmente no segundo turno do ano passado. Tudo seguindo o receituário já definido de proteção ao grupo da regionalidade restritiva ao poder político e econômico do próprio grupo.
MANENTE NO BOLSO
O deputado federal Alex Manente, que jamais foi exemplo de fidelidade doutrinária, muito pelo contrário, também está no bolso de colete de reciprocidades táticas e estratégicas. Sobretudo porque não será como terceira via de sempre que chegará ao Paço Municipal. Sobretudo porque com a ampliação do domínio do grupo político e econômico já consolidado em Santo André, os acordos com terceiros do mesmo barco de interesses serão consagrados. Aos poucos fazem a cabeça de Alex Manente de que pode ser o segundo do primeiro e com isso chegar em primeiro mais tarde. Os alquimistas da Baruerização canhestra do Grande ABC sabem das coisas.
Ainda sobre Barueri, a história mostra que desde 1993 apenas dois nomes têm se revezado no comando do Executivo: Rubens Furlan e Gil Arantes. Eles nunca disputaram uma eleição entre si. Até que no ano passado, Beto Piteri, então vice de Furlan, e o ex-prefeito Gil Arantes, competiram numa corrida eleitoral inédita. Tanto que a definição eleitoral se deu no segundo turno com a vitória de Piteri. O vencedor é da mesma turma dos comandantes anteriores. Atuou como vice-prefeito nos dois mandatos anteriores de Rubens Furlan. Beto contou com o apoio do governador Tarcísio de Freitas.
É evidente que a costura da Baruerização político-partidária do Grande ABC é mais complexa. Afinal, trata-se, no caso, de um único Município, ante sete locais. Mas essa camada de adesão vai sendo construída aos poucos. As oposições estão sendo destruídas tanto pela ausência de quadros na mídia quanto pela perseguição a seus quadros na mesma mídia. O adesismo cresce. A unanimidade burra e preguiçosa se agiganta. Não se falam em técnicos em regionalidade. Tudo e política no sentido mais conservador possível.
TEATRO DE TESOURAS
A ordem dada é ordem para ser cumprida: precisa-se instalar na região quadros de domínio político de forças partidárias que se autobeneficiem. Que, inclusive, possam fingir certo oposicionismo. Afinal, não foi exatamente isso que PT e PSDB fizeram depois da morte de Celso Daniel com o chamado Teatro das Tesoura?.
Os dois partidos tinham muitas contas a acertar porque muitas contas foram coordenadas longe das quatro linhas de moralidade. Quando Celso Daniel morreu e o PSDB de Geraldo Alckmin foi duramente atacado porque fracassou na política de Segurança Pública, o descarrego com versão fraudulenta da morte queimou a virgindade administrativa do PT. A saída foi fingirem-se de adversários. Até que João Doria botou fogo no paiol de hipocrisias.
Os prefeitos que comandam o Grande ABC destes tempos de Baruerização bastarda da política têm toda a retaguarda de medidas e de marketing sob a coordenação dos mandachuvas político-midiáticos. Quem não se sujeita aos preceitos determinados vai sofrer as consequências.
SEM COMPLACÊNCIA
Verdades irrefutáveis envolvendo os bem-aventurados serão omitidas ou refutadas com ardor. Manipulações planejadas para demonizar adversários ganharão destaques incalculáveis. Tudo será feito para que o eleitor, que faz parte da Dominância Social em frangalhos, acredite piamente. Tanto quanto os omissos representantes da Dominância Econômica igualmente solapada.
Instrumentalizados por marqueteiros bons de bico e de projetos, quando não doutores em transformar pedra em ouro, a Dominância Política desse grupamento sem fronteira regional e mesmo estadual e federal só quer mesmo cuidar principalmente das próprias carreiras. Ganhar eleições será, nesse ritmo, apenas a homologação do óbvio. Basta ver alguns casos já consumados na região, de gente que mal consegue dar autenticidade a uma frase, recorrendo às declarações do antecessor. Uma repetição que seria humorística, não fosse dramática.
A ocasião faz a consumação do projeto. Na medida em que há coordenação sincronizada pela Baruerização numa escala regional, mais se estabelece a fragilidade da Dominância Social. As redes sociais estão aí para comprovar e espantar.
Estou em vários grupos de WhatsApp como testemunha ocular e auditiva do predomínio quase total de pautas nacionais e federais no ambiente digital. A Dominância Social de outros tempos, em certa linha de representatividade com a Dominância Política e a Dominância Econômica, virou miragem.
OUTROS TEMPOS
Aliás, sobre isso, o período mais extraordinário, senão único, que o Grande ABC viveu em toda a história, se deu em meados doa anos 1990. É sempre bom citar esse exemplo, porque é único: o Fórum da Cidadania, criado em 1994 primeiramente para defender o voto em representantes da região, obrigou o recém-eleito prefeito Celso Daniel a usar imaginação e responsabilidade política ao fortalecer o Clube dos Prefeitos, ao constituir a Agência de Desenvolvimento Regional e a Câmara Regional do Grande ABC.
Jamais naquele período se imaginaria que chegaríamos ao estágio atual, de Dominância Política da pior espécie, porque contraria as demandas sociais e econômicas necessárias à recuperação do Grande ABBC.
Um exemplo emblemático do que, em contraste àqueles pressupostos, se transformou o mote “Vote no Grande ABC”, lançado em 1994, foi a votação de 2022 da primeira-dama de Santo André, Carolina Serra, com quase 200 mil voto ao Legislativo Estadual, 85% dos quais em Santo André.
Bastou, entre muitas medidas, uma ação coercitiva aos supostos candidatos a deputado federal que se tornaram cabos eleitorais da mulher do prefeito. Ou seja: cabos eleitorais de luxo. Os adversários foram banidos da disputa, sobretudo ao cargo estadual. O campo político precisaria ficar completamente aberto à consagração da candidata escolhida. Quem chamar isso de regionalismo eleitoral no sentido clássico da expressão precisa de tratamento psiquiátrico.
PARALELOS CHOCANTES
Portanto, ao traçar um paralelo representado lá atrás pela democratização do voto nas campanhas do Fórum da Cidadania, sem cartas marcadas, e o imperialismo do voto, com voto previamente definido, sobretudo com a máquina municipal a serviço da iniciativa, chega-se ao espelho límpido do que chamaria mais uma vez de Baruerização político-partidária. Até porque, naquela cidade da Grande São Paulo, essa plasticidade eleitoral também foi levada a campo e o será enquanto dure.
O Clube dos Prefeitos é o palco iluminado e idolatrado da ofensiva monopolista dos imperadores de Santo André, agora reforçados por alguns vizinhos igualmente preocupados com a regionalidade dos votos, porque a regionalidade social e econômica é apenas um disfarce. Até que se prove o contrário.
E o contrário disso é um arcabouço que leve o Desenvolvimento Econômico a sério. Barueri tratou disso. Sem mistificações. Até porque não há como fugir de estudos e estatísticas sérios que contam a história de cada gestor público. Ou alguém se esqueceu o quanto desabou o PIB per capita de Santo André durante a gestão do generosamente idolatrado Paulinho Serra?
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29/01/2025 DA BOCA DO JACARÉ AO BEIJINHO DOCE