A revista sãopaulo, da Folha de S. Paulo (com muito mais competência textual e gráfica) e o Diário do Grande ABC (com menos buracos como em situações análogas, mas de forma voluntária, quando não heróica) deram destaque no final de semana ao caos no trânsito. O Diário do Grande ABC transformou em manchete principal de primeira página uma nova versão, repaginada, da lentidão de carruagem nos principais eixos viários desta Província. A sãopaulo puxou para a Reportagem de Capa situação semelhante na Capital.
O que une as duas matérias é o eixo de irresponsabilidade social no uso e na ocupação do solo urbano, dominado pela farra do boi do mercado imobiliário recheado de predadores e oportunistas. Os dois veículos fizeram vistas grossas à forte influência da carnificina deflagrada ao longo dos tempos por mercadores imobiliários em conluio com autoridades públicas regiamente compensadas.
Num novo século que tanto fala em valorização da sustentabilidade, o que se tem no jornalismo é a velha pauta de sempre, ditada por ações diversionistas. No ranking de vetores que explicam o efeito tartaruga do sistema viário metropolitano, nada é mais revelante que medidas reformuladoras da cultura que favorece os mercadores imobiliários.
O Diário do Grande ABC, que tem sérios compromissos com o embalar da onda de valorização de imóveis, simplesmente descartou a verticalização ensandecida como agente de complicações da qualidade de vida na Província do Grande ABC. A revista sãopaulo chegou a resvalar no assunto, mas o fez de forma muito aquém da importância desse que é fator decisivo à mobilidade urbana.
Até parece que está tudo dominado por interesses muito aquém do bem comum. O mercado imobiliário favorecido por questões estruturais e circunstanciais, principalmente porque o financiamento é farto e as garantias das construtoras e incorporadoras são intocáveis, dá as cartas e joga de mão.
O que teremos nas imediações do Paço Municipal de São Bernardo, com afluxo adicionado diário de 50 mil pessoas e 20 mil veículos, por conta de espigões num raio de 500 metros de diâmetro, é muito mais que um assassinato urbano. É a configuração de um assalto ao contribuinte. Por menos que a Prefeitura venha a investir para tentar minimizar transtornos, os recursos financeiros sairão do bolso dos contribuintes. A farra do dinheiro fácil ficará com os espertalhões.
Mercado imobiliário é assunto muito sério, principalmente quando se trata de verticalização, para ser tratado por raposas guardiãs do próprio galinheiro. Por isso a associação dirigida pelo empresário Milton Bigucci está às turras com a administração de Luiz Marinho na definição do novo Plano Diretor de São Bernardo. O que se prevê é uma rigorosa dieta aos tubarões sempre famintos e sem grandeza social.
O que me encafifa é tentar compreender como se desenvolveram duas pautas semelhantes sem que repórteres envolvidos tenham dado atenção devida aos desdobramentos do mercado imobiliário que tem como centro de operações as áreas urbanas já naturalmente mais disputadas em espaços físicos? Teria havido proibição dos respectivos departamentos comerciais a que se destacasse os transtornos provocados por legislações frouxas que favorecem a construção de torres residenciais e comerciais. Reproduzo alguns parágrafos da reportagem do Diário do Grande ABC:
O motorista que trafega pelas principais avenidas da região nos horários de pico dificilmente ultrapassa a velocidade média de 11km/h. Para chegar a esta média, a equipe do Diário passou por quatro corredores de grande movimento durante quatro dias da semana, sempre por volta das 7h. Durante o período, foram percorridos 46 quilômetros em aproximadamente quatro horas. O pior caminho encontrado pela equipe de reportagem foi o corredor entre Santo André e Mauá, que compreende as avenidas Edson Danilo Dotto, Coronel Alfredo Fláquer (Perimetral), Santos Dumont, João Ramalho e Capitão João. (…) Estruturar o trânsito da região de forma integrada entre os sete municípios. Para a professora do curso de Engenharia da Universidade Federal do ABC, Silvana Zioni, esta é a melhor alternativa para o caos do sistema viário. Silvana, que é especialista em mobilidade urbana, criticou o fato de o Consórcio Intermunicipal não ter se debruçado sobre o tema nos últimos anos. “A estrutura viária e completa e insuficiente para dar conta de todo o fluxo. Há muitos obstáculos e descontinuidades durante os trajetos”, comentou. A professora apontou que a criação de central de monitoramento do trânsito regional seria importante para aliviar os índices de congestionamento.
Agora alguns dos principais trechos da matéria da sãopaulo, da Folha de S. Paulo:
São Paulo está parando — os motoristas sabem disso. O que ninguém arrisca a dizer é: qual será a primeira rua que vai entupir de vez? Avenida Rebouças? 9 de Julho? Dr. Arnaldo? 23 de Maio? Radial Leste? Nada disso. Pelo (lento) andar da carruagem, tudo indica que a cidade pode começar a travar pelas ruas Cardeal Arcoverde e Teodoro Sampaio, em Pinheiros, na zona oeste. Segundo dados da CET (Companhia de Engenharia e Tráfego), obtidos com exclusividade pela sãopaulo, essas foram as vias mais lentas no ano passado. Os cálculos foram feitos pelo órgão em 28 trajetos, que somam 90 vias. As medições foram realizadas em 2010 em dias típicos — como os da semana que passou, quando a volta às aulas reativou os congestionamentos. Repetido anualmente para identificar gargalos no trânsito, o monitoramento fica restrito ao corpo técnico da CET. Líder do ranking das mais lentas, a rota Cardeal/Teodoro teve velocidade média, no final da tarde, de 8,3 km/h no sentido centro/bairro e de 8,9 km/h no bairro/centro. Sem pressa um pedestre se desloca a 5 km /h.
O mapeamento da velocidade das vias é realizado pela CET com um veículo de teste e dois pesquisadores munidos de cronômetro. Considerando os dois sentidos, cada rota é medida 24 vezes — sempre nas horas de pico. (…) Os números desmitificam a ideia corrente de que os congestionamentos são piores em bairros centrais ou nobres, onde sobram carros. (…) Com crédito mais fácil, a explosão da frota chegou à periferia. O congestionamento lá é atroz, agravado pelo fato de a região ter um sistema viário pobre e uma fiscalização deficiente” avalia Sérgio Elzemberg, mestre em engenharia de transporte pela USP. (…) A solução repetida à exaustão por especialistas é a expansão e melhoria do metrô, trens e ônibus — e restrição aos automóveis. “É preciso um uso mais racional do carro. Temos que deixá-lo para a hora de lazer e aderir ao transporte coletivo”, diz Ricardo, da CET.
A qualidade do material jornalístico da sãopaulo é melhor em todos os sentidos, mas as duas reportagens se identificam intestinamente na permissividade ao setor imobiliário, como já afirmei. A intervenção da professora da UFABC exposta pelo Diário do Grande ABC é apenas uma meia-verdade. Seria natural uma melhora no desempenho veicular na Província do Grande ABC caso o Clube dos Prefeitos cumprisse minimamente uma de suas funções potenciais — zelar pela qualidade de vida e pelo dinamismo econômico regional — mas não se pode atribuir à intervenção o pó de pirlimpimpim que resolveria os problemas.
A capital vizinha não é dividida em sete territórios municipais, reúne aparato logístico de atuação no trânsito muito mais apurado que o da Província do Grande ABC e nem por isso consegue neutralizar, quanto menos debelar o incêndio no porão da paciência e da irritação de quem se aventura a dirigir nos principais eixos de uma geografia cada vez mais agredida pelos mercadores de espaços aéreos e complicadores dos espaços térreos.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!