O escândalo ambiental envolvendo o Shopping Center Norte e vizinhança está sob controle, a julgar pelo noticiário dos jornais desta sexta-feira que dão conta da reabertura das portas daquele empreendimento após breve interdição. Nada surpreendente. Quando se trata de meio ambiente, de ocupação irregular de áreas contaminadas, interesses estranhos prevalecem. O Residencial Ventura, condomínio de classe média construído no Bairro Jardim, em Santo André, tem parentesco metabólico com o Center Norte, embora potencialmente mais grave, por conta da origem industrial da área.
Tanto numa situação quanto noutra, a Cetesb, agência ambiental do governo do Estado, inspira cuidados. No caso de Santo André, o Semasa do então superintendente Sebastião Ney Vaz, resistiu o quanto pode. Até ser atropelado por interesses superiores. O governo Aidan Ravin tratou de conceder o habite-se ao empreendimento imobiliário sem mover um dedinho sequer de restrição cautelar.
A sanha antipetista explicitada nos primeiros tempos de nova Administração Municipal, em 2009, com série de medidas cosméticas para demarcar o território, não atingiu o empreendimento imobiliário exaustivamente combatido neste CapitalSocial e de pleno conhecimento do então novo comandante do Paço Municipal. Teria sido a omissão uma forma de agradecimento ao governo do Estado pelo apoio à vitória eleitoral, já que o Residencial Ventura tem fortes ligações com Sérgio De Nadai, o empresário das quentinhas de presidiários paulistas, ou outros pontos foram levados em conta?
Não bastasse tudo aquilo, vivemos hoje um quadro caótico. O que se tem de novos lançamentos em áreas que sediaram indústrias altamente poluidoras do solo, sobretudo na Avenida Industrial, sugere que a farra do boi do mercado imobiliário vai além do abuso e da irresponsabilidade. Chegou-se às raias do deboche.
Estivesse o governo Aidan Ravin ou qualquer outro realmente comprometido com a transparência, situações como as que se observam em Santo André, de ingresso maciço de investimentos imobiliários em áreas notoriamente sob suspeição ambiental, teriam a contrapartida de encontros públicos para apresentar informações detalhadas sobre as ocupações empresariais. Na medida em que se dá exatamente o contrário, expedindo-se autorizações como se fabricam pães, o que esperar?
A experiência jornalística me cochicha que tem tudo a ver a decisão do prefeito Gilberto Kassab e do secretário de Meio Ambiente, Bruno Covas, de suspender a interdição do Shopping Center Norte, com as declarações mais que abrasivas da empresária Yara Baumgart, mulher de um dos principais acionistas daquele empreendimento.
Dona Yara sumiu da praça, segundo o noticiário, após atear fogo no paiol de interesses que estão por trás da decisão da Cetesb. O que ela disse afinal, de tão grave assim? Vejam alguns trechos da entrevista que concedeu ontem ao Estado de São Paulo, instada sobre a receptividade da família à notícia de interdição do shopping:
Essa história rola há mais de dois anos, nós sabíamos do problema. Na ocasião, contratamos uma empresa (Tecnohidro) indicada pela própria Cetesb para fazer o que era preciso. Acontece que essa empresa nos enrolou durante todo esse tempo. Há algumas semanas, providenciamos outra, uma multinacional chamada Environ, muito mais eficiente. Tanto que vai resolver em 10 dias o que disse que faria em 20.
Fechem as cortinas, rápido. Dispensam-se mais declarações da empresária. Ou alguém tem dúvidas de que a mensagem subliminar foi clara: há vícios de origem na Cetesb que vão muito além da função de xerife do meio ambiente paulista. Não à toa a empresária desapareceu. E, provavelmente, por conta de interesses em jogo, poderá dizer que foi mal interpretada. Como o caso do deputado interiorano que traduziu a realidade da Assembléia Legislativa, em larga escala um imenso camelódromo, mas que, pressionado, resolveu acomodar a situação, dando o dito pelo não dito.
As relações entre a Cetesb e a iniciativa privada que giram em torno do mercado imobiliário e seus desdobramentos mereceriam investigações profundas e um corpo a corpo intenso da Imprensa. Provavelmente não teremos nada disso. A Imprensa fastfoodiana não tem capacidade de gerenciamento de pauta, levada que é pela enxurrada de agenda diária ditada por terceiros especializados em assédios. É claro que me refiro à Grande Imprensa, não à Imprensa Subalterna, de pauta terceirizada e de estupros consentidos.
O caso do Residencial Ventura é exemplar. Um terreno contaminado durante 70 anos por uma indústria química foi rigorosamente reprovado pelo Semasa durante a gestão petista de João Avamileno. Entretanto, quando se resolveu passar a bola da decisão final à esfera da Cetesb, deu-se ação de terceirização da investigação ambiental e o empreendimento foi liberado, também durante a gestão petista.
Sabem os leitores quem autorizou a construção do Residencial Ventura? Uma empresa de consultoria privada paga pelo consórcio que adquiriu o terreno da Família De Nadai e ali ergueu o empreendimento. Essa mesma empresa privada tem no portfólio um número imenso de companhias do setor imobiliário, da construção civil. Ou seja: a raposa cuidando das galinhas. No mínimo, no mínimo, uma relação eticamente condenável.
Alguém seria capaz de acreditar piamente na lisura de laudos que atestaram a viabilidade ambiental de um terreno tão descuidadamente ocupado durante décadas quando se tem a informação de que a consultoria técnica contratada para aferir as condições de ocupação residencial depende largamente de clientes do setor imobiliário?
É por essas e outras que cansei de escrever que não teria coragem jamais de morar no Residencial Ventura. É por isso, também, que os empreendedores se sentiram ofendidos, vejam só, e querem que querem me constranger na Justiça. Vão se dar mal, acreditem. O que se perpetrou na área da antiga Atlântis, uma fábrica que se escafedeu de Santo André, foi um atentado ao bolso dos adquirentes dos apartamentos, acrescido da potencialidade de riscos que, como disse, prefiro não correr.
Independentemente do vetor ambiental, que desperta sim muita desconfiança, o crime cometido pelos empreendedores do Residencial Ventura está impresso nos laudos do Semasa: o lançamento comercial se deu à revelia da estrutura legal que ritualiza as operações práticas. Lançados à venda os apartamentos de forma irregular, seria difícil acreditar que, contratada uma empresa particular intimamente ligada ao setor imobiliário, emergiria um laudo contrário aos interesses comerciais.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!