Sociedade

Saiba como Milton Bigucci se aliou
a concorrentes no leilão imobiliário

DANIEL LIMA - 19/10/2011

 O leilão de área pública de 15.989 metros quadrados na disputadíssima esquina da Avenida Kennedy com a Avenida Senador Vergueiro que a MBigucci arrematou em 10 de julho de 2008 tem dois pecados capitais. A empresa de Milton Bigucci, também presidente da Associação dos Construtores, participou de uma farsa com pelo menos dois dos outros cinco supostos concorrentes à compra do terreno localizado em São Bernardo. Mais tarde, um desses dois supostos adversários, juntou-se à empresa vencedora do leilão, numa sociedade cujo capital social de R$ 1 mil saltou para R$ 20 milhões.


Ainda escreverei muito sobre esse que é um caso seguramente escandaloso, mas não único, envolvendo o setor público e construtoras da Província do Grande ABC. Há outros pontos obscuros sob análise.


A revelação de irregularidades em conta gotas segue ritual de extremo cuidado, com informações e provas documentais. Um pequeno deslize poderia dar campo às ações de desclassificação das denúncias, esporte favorito de quem se encontra em situação incômoda.


É muito provável que o empresário Milton Bigucci siga orientação do quadro jurídico de que dispõe como titular de um dos maiores conglomerados de construção civil da Província do Grande ABC. Seriam os mesmos advogados que ingressaram na Justiça com duas ações contra este jornalista muito antes desta série de revelações.


Tanto na esfera cível como na criminal Milton Bigucci quer a punição deste jornalista. Não há outra explicação às tentativas de silenciamento senão uma alternativa escolhida a dedo porque CapitalSocial não integra o cordão de bajuladores que colocam o empresário num pedestal de intocabilidade. Os eventos pós-Judiciário, com a descoberta da fraude no leilão da área pública, decorrem de informações de leitores apuradas por CapitalSocial.


Justiça e contraditório


Há mais de duas décadas à frente da Associação dos Construtores do Grande ABC, Milton Bigucci recusa-se a responder questões de interesse público. Sentiu-se atingido em sua honra e buscou no Judiciário eliminar todas as páginas desta revista digital do circuito da Internet. Deu com os burros nágua. O magistrado avocou a Constituição Federal, especificamente a liberdade de expressão e de informação, e decidiu pelo contraditório do qual Milton Bigucci foge sistematicamente.


CapitalSocial não se utiliza necessariamente de direitos constitucionais para proteger-se de reações autoritaristas como as perpetradas por Milton Bigucci. Construída num ambiente de comunicação de extremo cuidado com a reputação alheia, CapitalSocial não faz concessões a tortuosidades de agentes públicos e privados que, de alguma maneira, formam opinião ou exercem algum tipo de liderança social.


Milton Bigucci dirige uma entidade inexpressiva, lobbista, mas tem o respaldo de boa parte da mídia por razões comerciais. A Acigabc (Associação dos Construtores, Imobiliárias e Administradoras do Grande ABC) representa uma atividade que integra a cesta básica de cidadania, no caso o setor de construção civil. Portanto, está permeável a questionamentos. Associados da entidade são leitores permanentes de CapitalSocial e acompanham com muito interesse o caso do arremate de área pública porque se sentem discriminados pelo presidente da entidade. Outros, não associados, esperam por mudanças diretivas que acabem com o que chamam de “entidade de cartas marcadas”.


O conjunto da obra de irregularidades envolvendo a área que pertencia à Prefeitura de São Bernardo começou com o tratamento quase sigiloso de publicidade dado ao leilão. Poucos empreendedores do setor foram comunicados. A presidência da Associação dos Construtores, exercida por Milton Bigucci, não enviou qualquer comunicado às empresas filiadas para tornar a disputa mais intensa. A proximidade do dirigente com o Poder Público, por conta de relações institucionais, o coloca potencialmente em vantagem concorrencial.


O simulacro de leilão da área pública contou com revestimento democrático. Seis empresas participaram do suposto embate. Milton Bigucci representou a Big Top 2 Incorporadora, empresa criada um mês antes exclusivamente para participar do leilão e da qual detinha apenas 1% do capital social de R$ 1 mil. Os outros 99% pertenciam à Construbig Construções e Empreendimentos Imobiliários, espécie de holding do Grupo MBigucci, e da qual Milton Bigucci detém 50% do capital social. A outra metade é de sua mulher. . Outros dois parceiros da jornada, disfarçados de concorrentes, tiveram atuação ativa no leilão: a Braido Comercial e Administradora, associada à Sabbahi Construtora e Incorporadora, e a Butterfly Even Empreendimentos Imobiliários. Tanto a Braido quanto a Even são peças-chave da engrenagem que lubrificou a disfarçada disputa.


Uma empresa de pequeno porte e duas pessoas físicas participaram do reservadíssimo embate, sem qualquer influência efetiva no resultado final, exceto para dar roupagem concorrencial à trama: Absoluta Construtora e Incorporadora, José Candido Santana e Fabiana Tomaz Carusi.


O valor venal estabelecido à área, de R$ 12 milhões, estava muito aquém da realidade do mercado imobiliário, como CapitalSocial já revelou. Mas a possível argumentação de que os referenciais de mercado poderiam ser subjetivos se dissolve como blindagem quando se vai ao campo do arremate propriamente dito. A empresa de Milton Bigucci, Big Top 2, ganhou a concorrência ao oferecer R$ 14 milhões, dos quais R$ 750 mil à vista e o restante em oito parcelas mensais, corrigidas pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) da Fundação IBGE.


A fraude do leilão da área em que a marca MBigucci pretende construir um condomínio misto, residencial e comercial, ganha formato irreversível quando se registram pagamentos de três das oito parcelas, mais precisamente da segunda, da terceira e da quarta: nas duas primeiras Milton Bigucci efetiva o pagamento correspondente a apenas metade das parcelas. Os valores complementares são pagos pela Braido Comercial e pela Even. Na terceira parcela, Milton Bigucci paga novamente metade dos valores e a outra metade é quitada exclusivamente pela Braido. O circuito de irregularidade teria sido suspenso em seguida por conta de alerta quanto à impropriedade denunciatória do esquema utilizado no leilão.


A provável argumentação de que Milton Bigucci teria se socorrido de empréstimos das duas aliadas do leilão não resistiria à devassa contábil. E tampouco legitimaria a operação.


Especialistas em leilões não têm dúvida de que houve conluio entre as empresas para efetivar o arremate da área pública a preço muito abaixo do mercado, embora legalmente próximo do valor venal, na maioria das aquém da realidade. Como foi o caso do terreno arrematado.


Um dos fiscais que acompanharam o leilão na sede da Secretaria de Finanças de São Bernardo afirma que as partes diretamente envolvidas na fraude procuraram dar ares de seriedade e competitividade à disputa, mas que, após rápido intervalo, por conta de problemas técnicos num dos computadores que registravam o certame, representantes formais e informais das três empresas definiram-se pelo desenlace. Os registros bancários dos depósitos da Even e da Braido para complementar os valores devidos pela empresa de Milton Bigucci provam irregularidade, que contraria frontalmente a legislação sobre licitações públicas.


Mais complicações


O desencadeamento da operação fraudulenta não se esgota nos depósitos bancários. A Big Top 2 Incorporadora Limitada, tendo à frente Milton Bigucci, ganhou um novo acionista em 4 de maio de 2010, ou seja, quase dois anos após o arremate da área pública. Foi admitida na sociedade exatamente a Braido Comercial e Administradora, de São Caetano. O capital social da Big Top 2 foi alterado para R$ 20 milhões (era de R$ 1 mil quando da constituição da empresa, em maio de 2008). Com a admissão da Braido Comercial e Administradora na Big Top 2, seu representante, João José Dario, passou a ocupar o cargo de administrador, assinando pela empresa. Milton Bigucci afastou-se da Big Top 2 como acionista individual, mas manteve-se como representante da Construbig Construções e Empreendimentos Imobiliários, que até então detinha 99% do capital social e passou a contar com metade das ações.


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